Ensino Superior

Setembro Amarelo: mudança de cultura no ensino superior pode salvar vidas

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Casos de suicídio entre estudantes universitários vêm se multiplicando nos últimos anos. Um dos mais recentes envolveu um aluno de uma faculdade privada de Direito que tirou a vida durante a apresentação do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), em julho deste ano.

[O suicídio nunca é a solução. A orientação em casos de pensamentos suicidas é buscar atendimento o mais rápido possível. A alternativa é entrar em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV). O serviço é sigiloso e funciona 24h. Os voluntários do CVV prestam apoio pelo site, via chat, ou pelo telefone 188.]

Alguns cursos, como os da área da saúde, têm maior prevalência de casos. Um artigo realizado em 2019 e publicado no Journal of Medical Resident Research (JMRR), revista científica do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), avaliou o risco de suicídio no curso de Medicina de uma instituição do interior de São Paulo. Dos 169 alunos avaliados, 37 (21,9%) apresentaram risco moderado/alto de suicídio.

Para conscientizar sobre o tema, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), organiza, desde 2014, o Setembro Amarelo.

Neste ano, o lema da campanha Setembro Amarelo é “A vida é a melhor escolha!”.

Setembro Amarelo: prevenção pode salvar vidas no ensino superior.

Quarta causa de morte entre os jovens

Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2019, mais de 700 mil pessoas morreram por suicídio. Todos os anos, mais pessoas morrem por suicídio do que de HIV, malária ou câncer de mama – ou guerras e homicídios.

Entre os jovens de 15 a 29 anos, o suicídio foi a quarta causa de morte mais prevalente, atrás apenas de acidentes no trânsito, tuberculose e violência interpessoal. A maioria dos casos nessa faixa etária coincide com o período de estudos e a transição entre adolescência e vida adulta.

Leia mais: Crise de ansiedade em escola de Recife reacende debate sobre saúde mental dos estudantes

Fatores de risco no Ensino Superior

Entrar em uma universidade é o sonho de muitos jovens. Conseguir uma boa colocação no mercado, conhecer novas pessoas e até mudar a vida da família são alguns dos resultados esperados por quem ingressa em uma instituição de ensino superior (IES).

Porém, nem sempre a trajetória é fácil. O início do curso costuma ser o período mais alarmante do ponto de vista da saúde mental. Os motivos de preocupação neste período são a distância da família, a inserção em um ambiente cultural e social diferentes, dificuldades financeiras, preconceitos, estresse e pressão por boas notas, aumento do consumo de álcool, tabaco e outras substâncias psicoativas, entre outros.

Somam-se a esses fatores, já na etapa final, a pressão para concluir o curso dentro do prazo previsto e preocupações com o ingresso no mercado de trabalho ou na pós-graduação, por exemplo.

Além disso, nas graduações da área da saúde, existem características que acentuam os problemas de saúde mental, como as aulas em turno integral, a longa duração do curso e uma pressão ainda maior para o desenvolvimento de uma série de habilidades.

“Muitos [cursos] vão exigir que o aluno responda de forma mais adaptativa e nem todo mundo tem recurso pra conseguir lidar com esses estressores”, pondera o psicólogo, doutor em Psicologia e professor do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Leonardo de Oliveira Barros, em entrevista ao jornal Correio 24h.

Piora com a pandemia

Com a pandemia, o ensino universitário passou por várias adaptações. Essas mudanças, somadas ao cenário de incertezas e luto, trouxeram novos fatores para desenvolvimento de estresse e ansiedade em estudantes.

Uma pesquisa feita pela edtech  Anthology, com 2.572 líderes universitários e 2.725 alunos, entre março e abril deste ano, em dez países, mostrou que os três principais desafios vivenciados pelos estudantes em 2021 foram relacionados à capacidade mental ou emocional. São eles: bem-estar (43%); financiamento da sua educação (39%); e encontrar um emprego ou estágio (35%).

A organização Chegg.org, ligada à empresa americana Chegg, também fez um estudo sobre o tema, entrevistando 17.170 estudantes de graduação com idades entre 18 e 21 anos, em 21 países (incluindo o Brasil), entre 4 e 25 de janeiro de 2022.

O levantamento mostrou que os universitários se sentem impactados na saúde mental e nem o retorno ao modelo presencial foi capaz de trazer mais satisfação. Para 32% dos entrevistados, a saúde mental piorou – e para 38% o retorno aos campi não fez diferença.

Dos alunos cuja saúde mental piorou após retornar ou começar as aulas no campus, 43% atribuíram (no todo ou em parte) à experiência diferente na faculdade/universidade, 52% à perda de confiança/habilidades sociais durante o distanciamento social e 31% a preferência de estudar em casa.

Leia mais: Como engajar os estudantes depois de uma pandemia?

Caminhos possíveis

Barros, da UFBA, que foi um dos autores de uma pesquisa recente sobre a sintomatologia depressiva em estudantes brasileiros de pós-graduação, defende uma mudança de cultura nas universidades. Na prática, pressão, competitividade e hierarquia devem dar, na opinião dele, lugar ao acolhimento e à colaboração.

Na entrevista ao Correio 24h, o especialista destaca que, de forma mais imediata, as universidades poderiam investir em bons serviços de apoio pedagógico e sociológico, além de políticas mais efetivas de auxílio e permanência dos estudantes. Também entra na lista treinamento para os professores, focando na construção de uma postura mais positiva em sala de aula.

“Existe uma prática de sucesso em alguns lugares que é ter professores tutores, uma figura de referência que conseguiria fazer a identificação de algum problema e um encaminhamento para esse estudante buscar um serviço mais especializado ao longo do curso”, aponta Barros.

Leia mais: É preciso cuidar da saúde mental dos professores. Saiba por quê – e como

Setembro Amarelo

Como um sério problema de saúde pública, o suicídio demanda atenção – daí a importância da campanha Setembro Amarelo. A prevenção é possível e envolve uma série de atividades, que variam desde as melhores condições para a criação das crianças e dos jovens, passando pelo tratamento efetivo dos transtornos mentais, até o controle dos fatores de risco ambientais, aponta a Organização Mundial da Saúde (OMS).

O suicídio não é o resultado de um evento ou fator único. Sua causa é uma interação complexa de vários fatores, como transtornos mentais e doenças físicas; abuso de substâncias; problemas familiares; conflitos interpessoais; e situações de vida estressantes.

De acordo com os dados da cartilha “Informando para prevenir”, publicada pela ABP e pelo CFM, 96,5% dos casos de suicídio registrados estão associados com histórico de doenças mentais, que podem ser tratadas. No site do Setembro Amarelo, é possível encontrar uma lista de profissionais que disponibilizam atendimento.

O que fazer se uma pessoa próxima estiver passando por um episódio de ideação suicida

  • Não deixe a pessoa sozinha;
  • Tire de perto armas de fogo, álcool, drogas ou objetos cortantes;
  • Leve a pessoa para uma assistência especializada;
  • Ligue para canais de ajuda (188 é o telefone do Centro de Valorização da Vida. Também é possível receber apoio emocional pelo site, e-mail, chat e Skype 24 horas por dia).

Leia mais: Por que depressão e ansiedade afetam cada vez mais universitários

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