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O que aprendi com os modelos educacionais da Coreia do Sul e do Japão?

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Entre os dias 17 e 29 de maio, tive a oportunidade de participar da 14ª Missão Técnica do SEMESP, que aconteceu no Japão. Acabei aproveitando a longa jornada para conhecer algumas universidades da Coréia do Sul, na semana que antecedeu o início da missão. O propósito deste artigo é relatar um pouco da formidável experiência que tive pela segunda vez no continente asiático – em 2019 visitamos Singapura e Índia.

O sistema educacional dos países asiáticos tem se destacado nas últimas décadas. Analisando os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), Singapura, Japão e Coréia do Sul estão entre os top 5 países do mundo há algum tempo. No ensino superior, as universidades americanas e europeias ainda se destacam, mas as universidades chinesas, singapurenses, japonesas e sul coreanas vem ganhando cada vez mais destaque no cenário mundial.

Conhecendo o Ensino Superior da Coreia do Sul

A Coreia do Sul é um país conhecido por sua economia desenvolvida e sua rica cultura. Com uma população de aproximadamente 51 milhões de habitantes, possui uma das maiores densidades populacionais do mundo, com a maioria de seus habitantes concentrados em áreas urbanas, principalmente na região metropolitana de Seul (10 milhões de habitantes na capital e 25 milhões na região metropolitana). A expectativa de vida no país é uma das mais altas do mundo (83 anos) e a taxa de urbanização é significativa, refletindo a forte industrialização e desenvolvimento urbano que o país experimentou nas últimas décadas.

Nos últimos 40 anos, houve um investimento muito forte em educação. Hoje, 100% da população é alfabetizada e mais de 97% conclui o ensino médio. A história da Coreia é muito parecida com a de Singapura. Há algumas décadas, era um país muito pobre, destruído pela guerra, mas superou todas as dificuldades por meio de uma decisão governamental de transformar o país pela educação. Dito e feito.

Durante minha visita a Seul, tive a oportunidade de conhecer duas universidades:

Sungkyunkwan University (SKKU)

Sungkyunkwan University (SKKU)

É a universidade mais antiga da Coreia do Sul, fundada em 1398. Se destaca em estudos tradicionais coreanos, em ciências e negócios. Está em 145º lugar no ranking mundial da Times Higher Education e em 22º lugar no ranking asiático. Possui um dos campi mais bonitos que já conheci. Tem parcerias com mais de 600 universidades de outros países, sendo que com algumas delas permite que os alunos obtenham duplo diploma. O MIT é uma delas.

Korea University

Uma das mais prestigiadas instituições de ensino superior da Coreia do Sul.

Korea University

Fundada em 1905, a universidade é conhecida por sua excelência acadêmica, pesquisa de ponta e forte compromisso com a educação. Está em 30º lugar no ranking asiático da Times Higher Education. Possui mais de 6000 alunos estrangeiros e um forte programa de mobilidade acadêmica.

 

Além dos programas de mobilidade, essas duas universidades possuem uma forte conexão com o mercado. Na minha visita à Korea University, pude presenciar projetos das gigantes LG e Samsung sendo desenvolvidos dentro da universidade.

Inclusive, assisti uma pequena parte de uma aula de um curso in company da LG em que os alunos eram desafiados a propor soluções inovadoras para um problema específico apresentado pelo professor. PBL na veia! É muito provável que essa seja uma característica muito comum das universidades sul coreanas. A forte conexão com o mundo do trabalho.

Conhecendo o Ensino Superior no Japão

Já o Japão é a quarta economia do mundo, com uma população de aproximadamente 125 milhões, sendo o 11º país mais populoso do mundo. O país enfrenta uma significativa crise demográfica devido à baixa taxa de natalidade e alta expectativa de vida. Inclusive, esta é uma forte preocupação apontada pelo MEXT (Ministério da Educação do Japão).

A taxa de fertilidade do Japão é uma das mais baixas do mundo, situando-se em torno de 1,36 filhos por mulher, bem abaixo do nível de reposição populacional de 2,1. Em contrapartida, a expectativa de vida é uma das mais altas do mundo, com cerca de 84 anos. Essa combinação de fatores resulta em uma população envelhecida.

Mais de 28% da população japonesa tem 65 anos ou mais, o que coloca uma pressão significativa sobre os sistemas de previdência social e saúde. Além disso, a população em idade ativa está diminuindo, criando desafios para a força de trabalho e a produtividade econômica do país.

14ª Missão Técnica do SEMESP

A 14ª Missão Técnica do SEMESP foi aberta com chave de ouro, em Tokyo. Nossa primeira reunião foi no Ministério da Educação (MEXT), onde pudemos entender melhor o sistema de ensino superior japonês e seus desafios, considerando o cenário demográfico do país.

No mesmo dia, visitamos a universidade de Tsukuba e a Cyberdyne. Nessas duas visitas, pudemos compreender como a pesquisa aplica

da pode gerar soluções altamente inovadoras para a sociedade.

 

A Cyberdyne é uma empresa que hoje vale mais de um bilhão de dólares. Surgiu a partir das ideias do visionário professor da Tsukuba University, Dr. Yoshiuki Sankai, hoje CEO da Cyberdyne. Esse conceito já é disruptivo para nós aqui no Brasil.

Como um professor pesquisador de uma universidade pública, que continua atuando com o professor universitário, gerencia uma empresa bilionária? Segundo o professor Sankai, isso não é uma escolha, mas uma necessidade. Seus alunos de doutorado são funcionários da Cyberdyne. Ele só consegue tantas mentes brilhantes para trabalharem na empresa porque tem acesso aos melhores alunos da universidade. Por outro lado, a Cyberdyne é um laboratório gigante do mundo real onde várias linhas de pesquisa são desenvolvidas. Win win.

Aqui no Brasil, ainda nos esforçamos muito para conectar alunos da graduação aos reais desafios do setor produtivo. No Japão, isso é natural. O exemplo da sinergia existente entre a Tsukuba University e a Cyberdyne representa bem o bom trabalho que é feito nas universidades japonesas integrando pesquisa de ponta aplicada aos desafios do mundo real.

No dia seguinte, visitamos a Universidade de Tokyo, a melhor universidade do Japão (29º lugar no ranking mundial da Times Higher Education e em 5º lugar no ranking asiático). É a universidade mais prestigiada do país. Ingressar na UTokyo é muito difícil. Inclusive, antes da imersão, foi recomendado que assistíssemos a série “Dragão Sakura S2”, disponível na Netflix, que faz muito sucesso no Japão e que mostra o quanto os alunos têm que se dedicar se quiserem estudar na melhor universidade do país. Durante a visita, conhecemos um pouco do programa de fusão nuclear do governo japonês, que investe muito alto em pesquisas para que um dia a energia gerada pela fusão nuclear seja econômica e tecnicamente viável.

Os melhores pesquisadores do país estão na UTokyo desenvolvendo suas pesquisas. Visitamos os laboratórios da universidade e aprendemos um pouco sobre energia atômica, plasma em um projeto mundial que envolve centros de pesquisa em vários países.

Um parêntese cultural

Em Tokyo, ficamos hospedados no bairro de Asakusa, bem próximos ao templo Sejoi, um extraordinário templo budista. No dia que chegamos, estava começando o maior festival popular de Tokyo, uma espécie de Carnaval, chamado Sanja Matsuri. São três dias de muita festa, com mais de dois milhões de participantes que se fantasiam e desfilam pelas pequenas ruas e pelos becos do bairro, que fica lotado.

O festival tem a participação da Yakusa, a máfia japonesa, e pelo que dizem por lá, durante o festival, as autoridades fazem vista grossa para os membros da máfia, que desfilam tranquilamente pelas ruas do bairro exibindo suas tatuagens. Subir na Skytree, atravessar a rua no Shibuya Crossing (cruzamento com o maior tráfego de pedestres do mundo) e experimentar a rica culinária japonesa, que vai muito além do Sushi, são programas obrigatórios na capital japonesa.

Como são as universidades japonesas?

Nos dias seguintes, visitamos algumas universidades em Hiroshima, como a Universidade de Hiroshima e a Eikei. Na universidade de Hiroshima, pudemos conhecer de perto mais uma vez a integração entre setor produtivo e academia. Dentro da universidade, há um laboratório de inovação da Mazda, uma das maiores empresas automotivas do Japão, cuja sede fica em Hiroshima.

Exemplo perfeito de como o poder público, uma empresa e uma universidade podem trabalhar em conjunto, estabelecendo um conselho de administração com regras de governança bem definidas, a partir das quais parte dos recursos da academia são direcionados a buscar soluções inovadoras para diversos setores da sociedade. Isso comprova que o case Cyberdyne-Tsukuba não é um fato isolado. É a regra no Japão.

Na Eikei University, nos foi apresentado de uma forma muito clara como os currículos por competências são concebidos e avaliados. E como a aprendizagem baseada em projetos, entre outras metodologias ativas, permeia todo o currículo.

Através de um modelo de sala de aula invertida, os alunos têm acesso prévio ao conteúdo, utilizam o tempo de sala de aula para aplicar o conteúdo. Eles chamam de 100 minute classes for proactive learning, de tal forma que apenas 20% do tempo de sala de aula seja exposição e 80% seja aplicação do conteúdo.

Desde 2016, quando fiz meu programa de fellowship em Harvard, onde estudei a combinação das metodologias ativas, do ensino híbrido e da aula invertida, venho defendendo o a inversão da sala de aula como uma das alternativas para o futuro da educação. Particularmente, fico muito satisfeito quando vejo esse modelo funcionando nos quatro cantos do mundo. Felizmente, aqui no Brasil, esse movimento também está tomando tração. Precisamos aprimorar, mas já demos alguns passos importantes. Algumas IES do consórcio STHEM, por exemplo, têm experimentado modelos parecidos, com resultados bem interessantes.

Segundo parêntese cultural

A cidade de Hiroshima tem um clima peculiar. Não há como não se emocionar estando em um lugar onde 200 mil pessoas foram mortas em um único evento. A visita ao Museu do Memorial da Paz de Hiroshima (indescritível), a história da jovem Sadako com seus origamis de tsurus e o simples fato de caminhar pela cidade tentando imaginar o que aconteceu no dia 06 de agosto de 1945 são a maior prova de que a nossa sociedade ainda precisa evoluir muito.

Finalmente, fomos para Kyoto, cidade extraordinária, que foi a capital do Japão durante mais de mil anos. Lá, visitamos a Kyoto University of Advanced Science – KUAS e um centro de fomento às Startups da prefeitura de Kyoto, a Kyoto Startup Ecosystem. Mais uma vez, vimos excelentes exemplos de pesquisas aplicadas e da importância que o poder público dá para o incentivo à inovação e ao empreendedorismo. Tradição e inovação convivendo em perfeita sintonia.

Último parêntese cultural

Kyoto possui mais de dois mil templos e santuários (entre budistas e xintoístas). É impossível conhecer todos eles. Conheci dez. Destaque para o Kinkaku-ji, que é um templo budista feito de ouro (possui uma fina camada de ouro nas paredes externas) e o Fushimi Inari, que possui mais de 10 mil toris. Tori é aquele portal tradicional japonês, vermelho, símbolo do Xintoísmo. Cada Tori foi doado por uma pessoa, família ou empresa, como forma de agradecimento.

O mercado de Nishiki é outra atração imperdível. Trata-se de um mercado muito estreito, é um único corredor com cerca de 4 metros de largura e comprido com cerca de 500 metros, com dezenas de pequenas lojas que vendem comidas típicas como ostras, tempuras, gyosas, kobe beefs, enguias, lulas, polvos, sushis, yakisobas, que fazem juz à fama da inigualável cozinha japonesa. Tudo muito bem organizado e limpo. Por fim, conhecer a rua das gueixas e a Floresta de Bambu também são atrações imperdíveis para quem visita a antiga capital.

Eu poderia relatar aqui as inúmeras e inesquecíveis experiências que vivenciamos durante a missão. Como o passeio ao monte Fuji, visita a parques nacionais, gastronomia sem igual, sensação de analfabetismo, dificuldade de comunicação em inglês, trem bala que não é tão bala assim, voos inacabáveis dando a volta no planeta, karaokê, entre outras, mas precisaria de mais um artigo para isso.

O que eu levo desta experiência?

Encerro este relato compartilhando um pouco da minha visão e algumas opiniões que eu já tinha sobre qualidade e eficiência de um modelo educacional que foram fortalecidas ao conhecer um pouco mais dos sistemas educacionais da Coreia do Sul e do Japão. São considerações muito parecidas com as que fiz quando estive em Singapura. Aí vão:

  • Infraestrutura (física e tecnológica) facilita o processo educacional, mas não é fundamental para a aprendizagem.
  • Gestão é tão ou mais importante do que o volume de investimento em educação.
  • Um bom desenho de currículo, baseado em competências aderentes às demandas do mundo real (incluindo, como nunca, as soft skills) é fundamental. Temos que reduzir esta importante lacuna que ainda existe entre academia e mundo do trabalho. Podemos facilitar esse movimento trazendo as empresas para dentro das escolas, ajustando nossas metodologias de ensino e formando professores para este novo modelo. Os dois países fazem isso muitíssimo bem.
  • Isso vale não somente para a graduação, mas também para a pós-graduação. A Cyberdyne é um excelente exemplo de como programas de doutorado com pesquisas aplicadas podem render soluções comerciais bem interessantes, criando empresas com valor de mercado bilionário.
  • A qualidade do modelo educacional está intimamente relacionada à qualidade dos professores. Por isso, é imperativo investir na formação e na atração de pessoas altamente qualificadas para a carreira docente.
  • Países que não possuem um vasto território e que enfrentam a escassez de recursos naturais tendem a investir mais na formação de seus recursos humanos e acabam se tornando mais ricos do que países cujos recursos naturais são abundantes.
  • Sem dúvida, é muito importante compreendermos o que países como Singapura, Finlândia, Japão e Coreia do Sul fizeram para terem sistemas educacionais tão admirados. No entanto, é mais importante ainda buscarmos formas de “tropicalizar” essas práticas , com modelos escaláveis e replicáveis para países com realidades econômica, social, geográfica e, sobretudo, cultural tão distintas, como é o caso do Brasil.
  • Economia e educação são interdependentes e se retroalimentam.
  • Não se muda a qualidade da educação de um país em um único mandato político. Se não houver continuidade e visão de longo prazo, o os resultados tendem a ser medíocres.
  • Não basta ter um bom plano. A capacidade, a disciplina e a vontade de execução fazem toda a diferença.

É isso. Que venham novas experiências e, com elas, novos aprendizados.

Gustavo Hoffmann
Gustavo Hoffmann é diretor do Grupo A, membro do projeto SAGAH e do conselho editorial do portal Desafios da Educação, onde escreve mensalmente.

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    1 Comment

    1. Gustavo:
      Obrigado por compartilhar o relato tão atual e preciso das universidades da Coreia e Japão. O caminho está claro: competências, projetos, integração universidade e empresas. Os cursos são predominantemente presenciais?, híbridos? E os cursos a distância?

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