O governador João Doria planeja reabrir creches, escolas e universidades públicas e privadas de São Paulo em 8 de setembro. Isso pode significar o retorno das atividades para 13,3 milhões de estudantes e 1 milhão de profissionais da educação – o que representa 32% da população do estado.
Espera-se que o governo paulista anuncie mais detalhes do plano de reabertura no dia 4 de setembro. A expectativa é de que os estudantes não retornem às salas de aula cinco dias por semana. Em vez disso, haverá uma combinação de aulas presenciais e a distância.
A pressão pela retomada decorre de algumas preocupações. Além do prejuízo emocional e de aprendizagem, acredita-se que a economia possa não se recuperar completamente até que os pais que trabalham possam enviar seus filhos à escola.
São Paulo é um dos 11 estados com data marcada para o retorno das atividades – segundo levantamento divulgado em 6 de julho pela Fenep, a Federação Nacional das Escolas Particulares.
Até a publicação desta reportagem, apenas a rede privada de ensino de Manaus (AM) estava autorizada a reabrir no Brasil. A cidade de Duque de Caxias (RJ) chegou a retomar as aulas presenciais no dia 6 de julho, mas uma decisão da Justiça suspendeu as atividades. Em ambas as redes, o retorno foi marcado pela baixa adesão. Segundo o jornal O Globo, os estudantes ficaram em casa para evitar o risco de pegar ou transmitir o novo coronavírus.
É seguro reabrir escolas?
O baixo engajamento não surpreende. À medida que os governos anunciavam os planos de reabertura, um número crescente de pais e alunos escreviam ao Desafios da Educação questionando as decisões, considerando-as prematuras.
Mesmo que sejam adotados protocolos de distanciamento, de higienização de sala de aulas e corredores, além do monitoramento das tendências locais de infecção, pais e alunos ainda não acham seguro reabrir escolas e universidades. Muitos dizem esperar por uma vacina, o que pode demorar um ano ou mais.
Os dados do Brasil também não ajudam. Segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins, o país teve 1,6 milhão de casos confirmados de covid-19. Até 7 de julho, 65 mil pessoas haviam morrido pela doença.
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Por essas e outras razões, a reabertura das instituições de ensino em meio à pandemia não é questão fechada – nem entre a comunidade escolar (pais, alunos, professores, diretores), tampouco entre pediatras, infectologistas, epidemiologistas e autoridades de saúde.
Por exemplo: nos Estados Unidos, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) recomenda a continuação do ensino remoto, enquanto a Academia Americana de Pediatria (AAP) orienta que os alunos estejam fisicamente nas instituições de ensino o máximo possível.
— O que dizem os que defendem a reabertura
Um dos signatários das diretrizes da AAP é Sean O’Leary, especialista em doenças infecciosas em pediatria da University of Colorado Anschutz Medical Campus. Ele é pai de dois filhos, de 12 e 16 anos, e sobrevivente da covid-19 – O’Leary contraiu o vírus em março.
Em entrevista ao New York Times, O’Leary disse que o Sars-Cov-2 é diferente da maioria dos vírus respiratórios com os quais os especialistas estão acostumados a lidar todos os anos.
“As crianças em idade escolar claramente desempenham um papel importante no aumento das taxas de influenza nas comunidades. Esse não parece ser o caso da covid-19. Nos países em que reabriram as escolas, ele desempenha um papel muito menor na promoção da propagação de doenças.”
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Epidemiologista do consórcio Kaiser Permanente, Lisa Herrinton acrescentou, também em entrevista ao jornal: “As crianças são relativamente seguras. Eu me preocuparia com os professores”.
A afirmação de Herrinton – de que crianças são relativamente seguras – vai ao encontro de um estudo da London School of Hygiene and Tropical Medicine, divulgado em junho. Segundo um modelo matemático, com base em informações de 32 locais de seis países, pessoas de até 19 anos são bem menos suscetíveis ao coronavírus do que adultos e idosos.
“O estudo constatou que não apenas as idades mais jovens (10 a 19 anos) são menos propensas a apresentar sintomas clínicos de infecção como também têm menor probabilidade de serem infectadas”, disse a chefe do estudo, Rosalind Eggo.
— O que dizem os cautelosos
“Embora seja improvável que as crianças sofram consequências graves (pela covid-19), elas podem servir como vetores e espalhar o vírus para outras pessoas. Isso deve ser evitado”, afirmou a epidemiologista Tali Elfassy, da Universidade de Miami, ao New York Times.
O epidemiologista Robert J. McCarter, da Universidade George Washington, também disse ao jornal: “Eu não tenho filhos em casa, mas meu conselho seria esperar um tratamento eficaz e/ou uma vacina. É difícil para as crianças manter um distanciamento seguro ou usar máscara”.
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O infectologista Leonardo Weissmann, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), faz outro lembrete: “Muitos alunos enfrentarão o transporte público, muitas vezes lotado, para chegar à escola, o que também é uma situação de alto risco para a infecção”, disse ao portal Metrópoles.
“A pandemia ainda não está controlada”, continua Weissmann. “Não temos testes diagnósticos para avaliar frequentemente os alunos e professores, como foi feito em outros países, no momento em que as escolas foram abertas.” Por isso, segundo ele, “não se pode afirmar que o ambiente escolar seja seguro o suficiente para evitar o contágio”.
Como tomar uma decisão
Desde que cientistas e autoridades de saúde ao redor do mundo começaram a falar sobre um novo coronavírus, em janeiro, passaram-se sete meses. Após todo esse tempo, ainda persistem mistérios importantes sobre a doença. Quantas pessoas foram infectadas? Por que uns ficam mais doentes do que outros? E, afinal, qual é o papel das crianças na propagação do vírus?
Ainda não se sabe. Dados disponíveis, contudo, sugerem que o risco de complicações em crianças é realmente baixo. Segundo o portal G1, apenas 1,1% das hospitalizações por coronavírus no Brasil são de bebês e crianças de até 5 anos de idade. Na faixa de 6 a 19 anos, as internações representam 1%. Ainda que as estatísticas sejam baixas, mais de 100 crianças e jovens morreram pela covid-19 no país.
Embora sejam pequenas as chances de crianças e jovens ficarem doentes pelo coronavírus, a preocupação quanto aos efeitos que uma retomada das aulas pode provocar é compreensível. Como tomar uma decisão?
“Depende do nível de risco para cada pessoa”, diz Sean O’Leary, da AAP. “Sabemos agora algumas coisas que não sabíamos quando fechamos as escolas em março. Uma é que as máscaras realmente parecem funcionar (para reduzir as taxas de contágio). Elas são muito eficazes. Segundo: o distanciamento físico também funciona. Se as escolas estão tomando o máximo de precauções possível, acho que o risco é bem baixo.”
Como o Desafios da Educação mostrou, em junho, mesmo que as aulas presenciais retornem no segundo semestre, é improvável que todos os estudantes voltem de fato.
Além disso, aqueles com alguma doença que os inclua no grupo de risco para o novo coronavírus devem continuar no ensino remoto. Alunos e os pais inseguros, com medo que um filho possa se tornar um vetor ou se infectar com o vírus, possivelmente poderão optar pela continuação dos estudos em casa pela internet.
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