Metodologias de Ensino

Quando (e como) mudar o formato de currículo da sua IES

0
Quando (e como) mudar o formato de currículo da sua IES

Alterações na grade curricular são essenciais para mantê-la alinhada com as demandas e tendências do setor (Crédito: Freepik)

Manter o currículo atualizado é um processo obrigatório para qualquer instituição de ensino superior (IES) que pretenda oferecer uma educação de qualidade. Entretanto, com tantas transformações culturais e tecnológicas em andamento, esse pode ser um trabalho particularmente desafiador para gestores e professores.  

Para começar, qual é o momento oportuno para uma atualização? E o formato a ser adotado? 

Neste texto, o Desafios da Educação apresenta os principais tipos de currículo e, com a ajuda da coordenadora de Negócios da +A Educação, Raphaela Novaes, traz algumas dicas para as IES entenderem quando e como promover essa transição. 

Tempo x timing 

A mudança de currículo requer um planejamento cuidadoso, que considere diretrizes institucionais e regulamentações educacionais. Também pode ser motivada por novas exigências mercadológicas. 

Algumas IES preferem fazer modificações dentro de ciclos pré-determinados a cada quatro ou cinco anos, por exemplo. Para garantir uma transição menos impactante, o ideal é programá-la para períodos de baixa demanda acadêmica (entre semestres) e implementá-la com novas turmas de ingressantes, evitando, assim, prejuízos à continuidade dos alunos já matriculados. 

Mas o grande desafio em relação ao momento de fazer a mudança se refere muito mais ao timing do que ao tempo cronológico. Ou seja, é preciso conhecer a realidade dos estudantes para saber quando é hora de propor inovações curriculares que façam sentido para eles. 

Pensando além das diretrizes 

Evidentemente, o novo currículo deve estar alinhado às Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs). Essas normas, aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), são responsáveis por orientar o planejamento dos sistemas de ensino e os conteúdos previstos.  

Raphaela Novaes, coordenadora de Negócios da +A Educação, vê a inovação curricular como uma oportunidade para expandir o ensino personalizado no ensino superior (Crédito: Divulgação/A+ Educação)

Nesse sentido, as DCNs têm um papel relevante, pois estabelecem parâmetros pedagógicos de qualidade para o ensino superior. O problema é que grande parte das IES acaba se limitando ao cumprimento de requisitos mínimos.

“Muitas instituições adotam o mesmo currículo há 10, 15, 20 anos, e só se atualizam quando surgem novas DCNs. Elas atendem ao básico, mas não fazem uma revisão do que é interessante para os estudantes de hoje. Só que o currículo não pode ser estático, mas algo vivo”, afirma Novaes.

5 sinais de que o currículo deve ser atualizado 

Rever o currículo é uma decisão estratégica que deve ser baseada em evidências. Identificar o momento certo para isso exige monitoramento constante e sensibilidade a mudanças culturais, no mercado de trabalho e no perfil dos estudantes.  

Alguns sinais de que o currículo de uma IES precisa ser atualizado são: 

  1. Desconexão com o mercado: quando as atividades profissionais demandam competências e conhecimentos que o atual currículo não contempla, é urgente atualizar a formação dos alunos para prepará-los para as novas realidades; 
  2. Feedback negativo: baixos índices de satisfação, evasão elevada ou queixas frequentes sobre a aplicabilidade do conteúdo sinalizam que o currículo precisa ser revisto;
  3. Baixo desempenho: resultados insatisfatórios em avaliações e falta de engajamento podem ser indícios de que o currículo está desatualizado ou desconectado dos interesses dos estudantes;
  4. Inovações tecnológicas e pedagógicas: a introdução de novas tecnologias e metodologias de ensino exige uma reformulação curricular, para integrá-las de maneira eficaz e melhorar a experiência de aprendizagem;
  5. Avaliações internas e externas: análises periódicas de desempenho institucional e benchmarking (processo de comparar práticas e resultados com os de outras organizações para identificar boas práticas e oportunidades de melhoria) podem revelar defasagens no currículo. 

Que formato de currículo adotar? 

Identificada a necessidade de mudar o currículo da IES, surge um novo desafio: escolher o novo formato. Existem vários modelos, cada um com características distintas. A escolha deve estar alinhada com a missão da IES e o perfil dos estudantes.  

Conheça os principais formatos de currículos: 

Currículo tradicional 

Até pouco tempo atrás, esse era o formato vigente na grande maioria das instituições de ensino. Sua abordagem é centrada no professor, com cada matéria sendo ensinada de forma isolada em aulas expositivas. 

Currículo por competências 

Modelo focado no desenvolvimento de competências e habilidades específicas que os alunos devem adquirir ao longo do curso. Sua abordagem busca estimular a aplicação prática do conhecimento, com ênfase em resultados e avaliação do desempenho dos alunos. 

Clique aqui para entender o que é preciso fazer para oferecer uma formação mais “mão na massa”.

Currículo integrado 

Combina diferentes áreas do conhecimento e explora temas que exigem a intersecção de disciplinas para uma compreensão mais holística. O objetivo é promover um aprendizado abrangente e contextualizado. 

Currículo modular 

O conteúdo é estruturado em módulos, que podem ser estudados separadamente. Dessa maneira, o formato proporciona flexibilidade para o aluno avançar em seu próprio ritmo. 

Currículo híbrido 

Esse modelo mescla métodos utilizados no ensino presencial e na educação a distância (EaD). O uso de ferramentas digitais visa promover um aprendizado flexível e adaptável, enquanto a presencialidade busca garantir mais interação. 

Continue lendo sobre ensino híbrido.

Currículo por eixos temáticos 

Organizado em torno de temas centrais ou eixos que integram diversas disciplinas, o formato propõe uma abordagem mais abrangente de determinados conteúdos. Dessa forma, incentiva a discussão e o aprofundamento em temas complexos, como sustentabilidade, cidadania ou inovação. 

Currículo progressivo 

Modelo que estrutura o aprendizado em níveis de complexidade crescente. Os conteúdos se desenvolvem de forma sequencial, proporcionando uma construção gradual do conhecimento, com ênfase em habilidades e conceitos que se acumulam. 

Currículo flexível 

Permite que os estudantes escolham disciplinas e atividades de acordo com seus interesses e necessidades. É um formato que proporciona mais autonomia na formação, já que se molda às preferências dos alunos e dá ênfase em trajetórias de aprendizado personalizadas. 

Currículo interdisciplinar 

Muito semelhante ao currículo integrado. O foco aqui está na colaboração entre professores e na construção conjunta de conhecimento sobre um mesmo tema, mas com diferentes perspectivas disciplinares. 

Etapas para a transição de currículo 

Uma vez definido o novo currículo, a implementação deve ser gradual e acompanhada de um processo constante de avaliação. Esse trabalho envolve a aplicação de novas disciplinas ou métodos de ensino, assim como a coleta de feedback dos alunos e professores para monitorar a eficácia das mudanças.  

Confira, a seguir, as principais etapas para transição de currículo: 

  1. Análise do atual currículo: nessa etapa, a IES tomará conhecimento do que precisa ser aprimorado ou evitado no processo. O diagnóstico pode ser feito com base em pesquisas sobre o mercado de trabalho, feedback de estudantes e docentes e indicadores de desempenho do currículo vigente. Além disso, é recomendável fazer consultas com stakeholders, como empresas parceiras e conselhos profissionais, para alinhar o novo currículo às atualizações do mercado.
  2. Planejamento estratégico: ao tomar conhecimento das mudanças necessárias, a IES deve definir como integrar novas tecnologias ou adotar competências específicas. Também é essencial criar uma equipe para conduzir essa transição.
  3. Desenvolvimento: primeiramente, é preciso elaborar um esboço do novo currículo, com base em tendências de ensino e novas demandas do campo profissional. O ideal é que esse modelo seja apresentado à comunidade acadêmica, que poderá dar um feedback crítico e sugerir eventuais melhorias.
  4. Regulamentação: o novo currículo deve receber o aval de instâncias acadêmicas superiores e órgãos reguladores, para assegurar que esteja em conformidade com as diretrizes da IES e as normativas do Ministério da Educação (MEC).
  5. Implementação e adaptação: de preferência, o novo currículo deve ser lançado para turmas ingressantes, permitindo que os alunos em cursos já iniciados continuem no modelo antigo com a opção de migração, quando viável. É necessário oferecer treinamento para os docentes, adaptando metodologias e conteúdos ao novo formato.
  6. Monitoramento: as instituições devem estabelecer métricas de sucesso, como taxas de conclusão, satisfação e empregabilidade dos egressos. Dessa forma, fica mais fácil revisar e ajustar o currículo continuamente com base em avaliações internas e feedback dos envolvidos. 

Equilíbrio é a chave  

Inspirada pelo dinamarquês Knud Illeris especialista em lifelong learning e autor do livro Teorias contemporâneas da aprendizagem Raphaela Novaes acredita que o processo educacional deve primar pelo equilíbrio entre conteúdo, incentivo e interação. “Sem um desses elementos, a aprendizagem não acontece”, justifica.  

Esse entendimento foi fundamental quando a gestora passou pela experiência de ajudar instituições de ensino superior a promoverem mudanças de currículo. Ela lembra que, ao orientar o processo junto aos coordenadores de uma IES, o primeiro passo foi optar pela implementação de metodologias ativas. A seguir, foi definida a mudança estrutural no currículo. 

Como embasamento teórico, Novaes adotou o ensino com base em competências proposto pelo sociólogo suíço Philippe Perrenoud, autor de diversos livros publicados pelo selo Penso. “Incentivamos diferentes habilidades e recursos que o estudante deveria aprimorar para resolver problemas complexos. E, para isso, associamos o currículo por competências com aprendizagem baseada em projetos”, explica Novaes. 

A metodologia da IES consistia em estimular que os estudantes desenvolvessem três competências ao longo do período, cada uma em um projeto. Além disso, a separação por disciplinas foi abolida, com o conteúdo integrado em um único eixo.  

Ao explorar esses diferentes métodos, a educadora chegou à conclusão de que, para um currículo atender aos estudantes da melhor forma possível, não poderia se fechar em uma única “caixinha”. 

“Criou-se uma cultura de que se você estiver utilizando um novo modelo pedagógico no caso, metodologias ativas   não poderá dar mais aulas expositivas, apenas apresentar estudos de caso. Só que daí estamos trocando uma caixinha por outra”, argumenta. “Isso é o que tínhamos há 50 anos: um cenário no qual as pessoas eram formadas para atuar em processos repetitivos. Hoje, precisamos justamente do contrário, um modelo de educação que transforme as pessoas e as estimule a pensar.” 

Mudança de mentalidade  

Independentemente do formato escolhido, a mudança de currículo deve ser resultado de uma decisão institucional. Segundo Raphaela Novaes, a adoção da nova abordagem de forma “solitária” por um ou outro professor pode confundir os estudantes. Porém, quando ela é adotada pela IES como um todo, fica mais fácil fazer a transição de formato. 

O segundo passo é capacitar o corpo docente. Muitas vezes, os professores não estão preparados para essa mudança e temem o uso de novas tecnologias e metodologias. 

Segundo a gestora, uma boa forma de quebrar essa barreira é abrir espaço para experimentações. “Não existe aprendizagem sem erro. Para avançar, tanto professores quanto alunos precisam sair de suas zonas de conforto”, defende. “Mas, é claro, as instituições de ensino precisam oferecer capacitação e subsídios tecnológicos para isso.” 

Leia mais:

Redação
A redação do portal Desafios da Educação é formada por jornalistas, educadores e especialistas em ensino básico e superior.

    You may also like

    Comments

    Leave a reply

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

    Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.