Passamos por tempos inimagináveis, nos quais os modelos que dominávamos sobre o ensinar e o aprender exigiram mudanças radicais. Para a maioria dos professores, os efeitos da pandemia significou trabalhar como nunca haviam experimentado.
Foi um grande desafio criar um modelo de aulas remotas – utilizando recursos digitais, a partir da casa dos estudantes, enquanto os prédios escolares eram fechados. Agora, perto de completar três meses de suspensão das atividades presenciais, o que se tem é uma rotina extenuante das aulas remotas.
De um lado, estão alunos cansados, com saudade dos amigos e ansiosos para voltar à escola. Do outro, professores esgotados pelo excesso de tarefas – ou ainda preocupados com os estudantes que não foram contatados, que estão “abandonados pela escola”, impossibilitados de acessar o conteúdo digital.
Na iminência de uma reabertura das escolas no Brasil, seria importante aproveitar o ensejo e repensar a formação docente.
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Em tempos de amplo distanciamento físico – resultado da pandemia -, o foco da formação docente, em regime de emergência, centrou-se basicamente em treinamentos para o uso de tecnologias digitais. Compreensível, já que a escola saiu do modo presencial para um formato a distância.
Mas aprendemos com a singularidade da situação que possivelmente estamos caminhando para um novo modelo de funcionamento da escola. Devido à necessidade de novos protocolos de distanciamento, ensinar e aprender vão exigir novas configurações tanto do ponto de vista físico quanto metodológico.
A nova rotina dos professores
Como estão os professores enquanto as escolas seguem fechadas? Numa rápida pesquisa pelo YouTube é possível verificar inúmeras aulas em que os professores gravam para seus alunos – e que estão disponíveis para serem acessadas para quem tiver interesse.
Nas minhas noites insones, tenho feito algumas viagens pelo mundo digital e constatado o imenso esforço dos professores que tentam, com muito pouco recursos, ensinar algo para os alunos. Alguns tentando quebrar o desconforto de ter que ensinar de modo remoto, se empenham em prender a atenção dos estudantes da melhor maneira possível. Uns têm sucesso, outros nem tanto. Mas todos estão comprometidos em exercer seu ofício da melhor forma que conseguem.
É consenso que os professores estão trabalhando muito mais em casa do que quando iam à escola para ensinar. Principalmente agora que muitas escolas exigem avaliações por parte dos professores a respeito da aprendizagem dos seus alunos, em tempos tão difíceis.
O problema é que, apesar do ineditismo destes tempos, seguimos conduzindo a educação da mesma forma.
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Professores são cobrados para desenvolverem um ativismo excessivo, com pouco tempo para reflexão e descanso, focados basicamente no fazer, fazer e fazer ainda dentro da concepção de que para aprender é preciso muito, sempre muito. Passar muito mais horas preparando aulas remotas. Ocupar um tempo exagerado dos alunos frente ao computador. Passar muitas tarefas. Acompanhar 24 horas seus alunos. Cobrar muitos exercícios.
Antes da pandemia, sabíamos que para aprender é preciso tempo, reflexão, indagações e cuidado. Mesmo assim, seguimos no modelo acelerado de aprendizagem, agora de modo remoto, com muitas escolas exigindo que os professores cumpram seus planejamentos pré-pandemia, como se nada estivesse acontecendo. Faz sentido isso?
Por outro lado, as famílias, entendendo que a escola é apenas uma prestação de serviço, exigem que ela faça jus ao valor pago nas mensalidades, no caso das redes privadas. E todos correm para cumprir o prometido, tendo em vista o medo que os pais têm de que seus filhos parem de aprender e fiquem atrasados frente aos filhos dos seus amigos, que estudam em escolas diferentes dos seus. Temem que a concorrência para acesso às melhores universidades do país fique ainda mais acirrada, mesmo que seus filhos ainda estejam nos anos iniciais da educação básica.
Isso sem falar na imensa frustração daqueles professores que trabalham em alguma rede pública e que até o momento não conseguiram contatar todos seus alunos. E não são poucas redes municipais e até mesmo estaduais em que milhares de estudantes encontram-se completamente abandonados. Resta saber se a escola, quando abrir, conseguirá trazê-los de volta. Se é que esta é uma preocupação dos dirigentes educacionais.
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Enfim, voltando para minhas noites de insônia viajando pelo YouTube, examinando em especial a educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamental, constato de forma estarrecedora que são muitos os vídeos que ensinam conteúdos que considerava que não eram mais ensinados, depois de tudo que aprendemos com o construtivismo.
São muitos os vídeos que ensinam o desnecessário, que falam com os pequenos estudantes de maneira infantilizada, com muitos diminutivos nas frases como tentativa de falar com as crianças, com conteúdo de trinta anos atrás, impondo um clima de artificialidade absoluta, em cenários inacreditáveis.
Não quero aqui desmerecer o imenso esforço das professoras, porque tenho certeza de que tentam fazer o melhor. Se empenham muito para acertar.
O que observo, no entanto, é que mesmo com muitos conteúdos disponíveis para formação docente os professores seguem reproduzindo aquilo que pertence a um passado. Por quê?
Por outro lado, o modelo que possuem para apresentação de atividades para as crianças pequenas é o que assistem na tv, por meio de programas infantis, imitando atrizes e atores que tentam ser, sem saber. Não possuem outro repertório: ou é sala de aula como ensinava ou simulacro de cenário de programa de TV.
Esta constatação que me preocupa, me remete a questão da formação docente. Sem querer acusar ninguém ou qualquer instituição, é hora de indagamos que tipo de formação docente o Brasil vem desenvolvendo com seus professores que, em um tempo tão confuso, emerge o mais tradicional? O que podemos aprender com esta experiência que nos possibilita refletir sobre como aprendem os professores?
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Já faz muito tempo que insistentemente venho discutindo que precisamos mudar nosso entendimento de como estamos desenvolvendo as ações de formação voltadas para os docentes, que na sua maioria, ainda predomina o modelo prescritivo em que toda ação é planejada para os professores e não com os professores. É sempre a perspectiva do que precisam saber e nunca do que já sabem.
Ainda se acredita que basta acessar modelos de bons planos de aula para que os professores consigam ser profissionais mais competentes.
No entanto, sabemos que não passam de receitas que servem apenas para serem copiadas, sem desenvolver autonomia crítica por aquele que precisa saber ensinar. Ou ainda a extensa bibliografia que tenta “facilitar” seu ofício, dando o passo a passo para conseguir ter sucesso na profissão. Sem o envolvimento dos professores, eles são colocados no lugar de meros executores daquilo que foi pensado por “especialistas” e que precisam trabalhar. A consequência é o que podemos constatar nos vídeos.
Sabemos que vamos precisar repensar todo o funcionamento da escola, respeitando os protocolos de distanciamento, quando ainda não temos uma vacina de combate ao vírus da covid-19. Essa escola que será construída, e que já vem sendo pensada por muitos educadores, representa também uma oportunidade para que os professores exerçam um protagonismo necessário para que se sintam desafiados e confiantes de que tem condições de fazer uma escola necessária para novos desafios.
Para isso, a pandemia serviu para repensar a formação docente, entendendo que não se pode partir de zero, como se fossem depósitos vazios, como tão bem Paulo Freire nos ensinou quando escreveu a respeito da educação bancária. A formação docente necessária é a reflexiva, aquela que parte das experiências concretas dos professores, questionando a própria prática, por meio de ambiente colaborativos. É formação com os docentes.
O que precisam aprender os que ensinam não se faz com receituários prescritivos. É um processo complexo, em permanente mudança, em que mediações tradicionais não dão conta mais da sua complexidade.
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Precisamos aprender com o que estamos passando no isolamento social, pois não podemos mais restringir as formações a espaços formais. Estamos vivendo um tempo em que constatamos que vivemos em um mundo digital, altamente conectado e que aprender extrapola espaços e tempos.
É preciso que entendamos que os professores aprendem em relações entre saberes, não apenas conteúdos conceituais, mas também por meio de afetos e corporeidades. Aprender a ensinar significa também aprender a se cuidar, conhecer seus limites e possibilidades, significa estar “encarnados” para poderem promover diversos encontros – consigo mesmos e com outros educadores, por meio de redes colaborativas que ajudam a construir aprendizagens.
É urgente repensar a formação docente verdadeiramente necessária para este tempo de pandemia, com destino a um futuro que nada sabemos. Só assim poderemos construir um protagonismo docente, a partir da reflexão sobre a experiência vivida.
Sem isso, a escola brasileira seguirá em busca de respostas para resolver apenas o “como” se faz isso ou resolve aquilo, sem verdadeiramente avançar e assim demonstrar a relevância da sua existência. Escola com sentido é aquela em que todos os alunos conseguem aprender porque tem um professor ou uma professora que exerce seu protagonismo com autonomia, resultado de sua formação reflexiva permanente.
Por onde começar a pensar nesta formação docente necessária? Partindo das seguintes indagações: como aprendemos a ensinar neste tempo de pandemia? E o que aprendemos com esta experiência? É fundamental registrar e disponibilizar estas experiências biográficas, transformando-as em ferramentas de investigação, para expandir a formação docente para além das instituições formais, criando novos arranjos colaborativos. Está na hora de mudarmos esta história.
Nossa! Há muito penso dessa forma, que a formação de professores, principalmente a contínua, desconsidera- nos como sujeitos da práxis docente.
Penso que o tradicional traz conforto em meio à tanta insegurança que o momento e as condições de exercício docente trouxeram. Por isso, muitos professores, na tentativa de garantirem o aprendizado, retornam ao que é mais conhecido.
Muitas anos de uma tradição formativa que secundarizou e mesmo anulou a atuação profissional nos espaços de formação, terceirizando-a e agora cobram e esperam ineditismo, autonomia e criatividade.
Concordo plenamente, precisamos começar dos fundamentos, iniciando da concepção de trabalho docente!
Excelente reflexão! Parabéns!
A escola espera que o professor tenha habilidade para superar qualquer obstáculo pedagógica que possa atrapalhar o processo de ensino e aprendizagem. O aluno, continuamente, adéqua-se ao ambiente social em que vive e a escola não acompanha essa mudança. Tudo isso, remete ao professor uma transformação de postura e uma reconstrução no ambiente escolar. Contudo, não existe incentivo por parte da escola e nem vontade por parte do professor em buscar uma formação que possa oferecer subsidios para acompanhar toda essa evolução. Nesse sentido, a autora Lourdes Atié esta de parabéns por trazer para debate um assunto tão importante neste momento.
Penso que a escola foi sempre um depósito de ideias pre-estabelecidas e que na busca em ensinar usou-se uma metodologia por vezes autoritária que mais beneficiava o professor do que o aluno. Houve uma certa evolução no sentido pedagógico por por parte de algumas instruções , porem, isso deveria ser geral. A pandemia terminou por obrigar a se repensar os modelos e não estávamos preparados para isso. Entendo que criar neste momento uma grande motivação em poder ensinar com novas atitudes irá fortalecer o futuro de nossa educação no Brasil. Não se aprende somente sendo mero ouvinte e necessário engajamento e isso faz parte de quem coordena as ações. E como num esporte. O técnico ensina ,orienta,corrige mas o atleta tem que estar engajado e executar com inteligência e interesse.
Pandemia veio para nós reeducar , com novos abtos e inovações.