O ensino médio costuma ser uma fase de transição para os adolescentes. Em meio às transformações biológicas, que trazem confusão por si só, aumentam as cobranças em relação ao presente e ao futuro.
Para Camila Scarrone Osório, publicitária hoje com 30 anos, esse momento também foi marcado pela descoberta de uma condição que a acompanharia pelo resto da vida: o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).
Desde o ensino fundamental, Camila tinha problemas com matérias que envolviam cálculos. “Precisei fazer aulas particulares para conseguir entender os conteúdos. Foi então que o professor contratado conversou com os meus pais, pois suspeitava que eu tivesse algo além do que simplesmente dificuldades em estudar”, relembra a publicitária.
Ao ouvirem o conselho do educador, os pais de Camila a encaminharam a uma psicóloga, que de fato a diagnosticou com o transtorno, caracterizado por sintomas como desatenção, inquietude e impulsividade. De acordo com a Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA), o número de casos varia entre 5% e 8% em nível mundial.
Essa condição pode ser identificada ainda na infância, especialmente quando o indivíduo é observado em espaços educacionais. O transtorno faz com que o estudante tenha um pouco mais de dificuldade para aprender, o que requer estratégias específicas de ensino.
O papel dos professores
O artigo 205 da Constituição Federal Brasileira expressa que todo cidadão tem direito ao acesso à educação de qualidade. Mesmo assim, Camila relata que em sua época de escola passou por muitas dificuldades.
“Entre todos os sintomas que acompanham o TDAH, o que mais me afetou foi a baixa autoestima. Sofri bullying por não conseguir acompanhar o ritmo dos meus colegas. Os professores também não tinham a preparação adequada para lidar com a minha condição”, diz.
O papel dos docentes na inclusão e no auxílio de alunos com o transtorno é fundamental para seu desenvolvimento. “Levar o estudante com TDAH em consideração na estruturação de uma aula é promover o acolhimento daquele indivíduo. Isso também reverbera nos demais discentes de maneira positiva”, explica a doutora em Educação, especialista em Psicopedagogia e professora do Instituto Singularidades, Marta de Oliveira Gonçalves.
Ela ainda ressalta que a falta de atenção por parte dos professores com os alunos com TDAH é uma consequência de falhas em sua própria formação. “Os cursos de licenciatura não possuem abordagens sobre inclusão. Isso dificulta que eles consigam trabalhar sob esses parâmetros”, destaca.
Em 2021, foi publicada a Lei 14.254, que dispõe sobre o acompanhamento adequado aos estudantes com TDAH. A legislação determina a obrigatoriedade de estratégias de ensino e monitoramento para permitir o desenvolvimento de alunos com esse ou outros transtornos de aprendizagem.
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Tudo é uma questão de estratégias e inclusão
Um meio eficaz para estimular o aprendizado dos estudantes com TDAH é o uso de metodologias ativas, como a aprendizagem baseada em projetos, também chamada de project-based learning (PBL). O método envolve atividades práticas e resoluções de problemas, algo que pode ser benéfico para casos em que a hiperatividade é o fator mais acentuado.
“Colocar o aluno como protagonista do seu processo de aprendizagem faz com que ele possa tomar as rédeas de situações consideradas difíceis, algo que estimula a autonomia e a criatividade”, propõe a professora Marta Gonçalves.
No caso de Camila, o TDAH está mais relacionado ao déficit de atenção. O PBL também pode ser uma solução para situações como essa. Isso porque, diferentemente da fórmula ensino, repetição, premiação ou punição, essa metodologia promove o ensino por meio de experiências e descobertas. Assim, o estudante precisa se esforçar para criar, explorar e testar as hipóteses a partir de sua própria vivência.
“É importante saber que cada pessoa com TDAH tem diferentes tipos de manifestações do transtorno. Então, é imprescindível conhecer a personalidade do aluno antes de seu diagnóstico para entender seus desafios e potencialidades”, orienta Marta.
Hoje, além de ser formada em Publicidade e Propaganda, Camila é mestra em Ciências da Comunicação. Ao relembrar os desafios que enfrentou no ensino médio até alcançar essas conquistas, ela entende que sua jornada poderia ter sido um pouco mais leve.
“As dificuldades desencadearam outros problemas, como a ansiedade. Atualmente, faço terapia. O transtorno não afetou significativamente o meu mestrado, porque com o tempo fui aprendendo a lidar comigo mesma. Mas sei que, se eu tivesse recebido um acompanhamento adequado, muita coisa poderia ter sido diferente na minha vida”, reflete.
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