A possibilidade do anúncio de reajuste nas bolsas de pós-graduação e iniciação científica trouxe nova luz ao debate sobre a importância da pesquisa acadêmica no Brasil.
Nos últimos anos, as universidades brasileiras enfrentam sérias dificuldades. E não apenas por causa dos efeitos da pandemia da Covid-19, mas também devido à crise econômica do País ou mesmo pelas transformações sociais aceleradas provocadas pela revolução digital.
Neste cenário de turbulência, as áreas de pós-graduação não possuem salvo-conduto. Pelo contrário, as notícias sobre cursos de PPGs que encerraram suas atividades – alguns deles portadores das melhores notas em suas áreas, de acordo com a avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) – deixaram de ser novidade.
Esse quadro se deve à expressiva queda do número de matrículas, consequência da diminuição do poder aquisitivo da população, e da drástica redução do financiamento público para o ensino superior.
“O Brasil teve vários problemas fiscais de 2016 para cá e entramos em uma recessão – e a ciência foi a área que os governos decidiram cortar, o que é um erro grave, porque, na hora da crise, é onde mais se precisa de verba”, afirma o economista Paulo Feldmann, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e pesquisador na Universidade Fudan, da China, em entrevista à revista Exame.
Como reverter esse quadro?
Uma das saídas possíveis para a situação atual é ampliar a parceria das universidades com a iniciativa privada. Um estudo sobre o futuro da educação superior feito pela consultoria Ernst & Young, em 2022, mostrou que as pesquisas comercializadas poderão representar uma alternativa viável para bancar os custos da pós-graduação.
Ao projetar o cenário do ensino superior em 2030, a pesquisa aponta que as instituições do setor devem ter acesso a financiamentos de fundos de private equity e participarão de estúdios de inovação, facilitados por ventures studios.
Desse modo, as inovações gestadas poderão acelerar o crescimento econômico das regiões nas quais elas estão inseridas. “Universidades que abraçarem seu papel no ecossistema da inovação podem se tornar hubs, que juntarão startups e empresas já consolidadas no mercado, aumentando, assim, sua relevância para a comunidade”, destaca o relatório.
Onde isso já está acontecendo
Nos Estados Unidos, universitários trabalham para desenvolver tecnologia de saúde, em conjunto com entidades como o Center for Integration of Medicine & Innovative Technology, organização que reúne 13 das maiores instituições de saúde de Boston.
Igualmente, a Universidade de Utah vem desenvolvendo ao longo do tempo tecnologias que entraram no radar de empresas de inovação de Seattle e do Vale do Silício, o que permitiu ao estado de Utah alcançar um crescimento econômico de 80% nos últimos 20 anos.
Na Austrália, recentemente, foi anunciado um programa pelo qual as universidades deverão investir AU$ 247 milhões na criação de hubs de pesquisa, incentivando os pesquisadores a trabalharem em conjunto com empresas para enfrentar problemas nacionais nos setores de defesa, energia limpa e produtos relacionados à saúde.
E no Brasil?
Nos últimos anos, há bons exemplos também por aqui, como a parceria da Feevale, de Novo Hamburgo (RS), com indústrias calçadistas como a Arezzo, no projeto Calçado que Cresce – a proposta do produto é um calçado de baixo custo, que se adapte ao tamanho do pé à medida que a criança cresce, variando até três tamanhos.
Para Paulo Feldmann, enquanto em outros países, como Alemanha, China e Estados Unidos, o investimento em pesquisa é feito, sobretudo, pelas empresas privadas, “aqui temos um problema sério nessa questão, porque o investimento em ciência e tecnologia fica centralizado somente no governo, então, as empresas não contribuem para isso”.
É uma realidade que precisa ser alterada, e com urgência, para que as áreas de pesquisa das universidades brasileiras possam sobreviver e, mais do que isso, ajudar a desenvolver econômica e socialmente o País.
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