O artigo a seguir é uma versão editada de Oficinas didáticas: ação-formação nas aulas de ciências, escrito por Taitiâny Kárita Bonzanini. O texto apresenta detalhes do projeto de extensão “A formação docente e os diferentes momentos de instrumentação para o exercício da profissão”, um dos três vencedores da 9ª edição do Prêmio Prof. Rubens Murillo Marques (PPRMM), da Fundação Carlos Chagas. A premiação ocorreu em novembro de 2019.
Por Taitiâny Kárita Bonzanini
Planejar atividades didáticas atrativas e que façam com que o aluno participe ativamente da aula não é uma tarefa simples – principalmente para professores em formação ou em início de carreira, que ainda não possuem muitas experiências e um repertório de metodologias e práticas.
No que tange ao ensino de ciências e biologia, esse desafio precisa considerar ainda que muitos conceitos científicos são abstratos, e necessitam ser transpostos para o contexto escolar. Daí a necessidade de selecionar recursos didáticos que fomentem maior interação do estudante com os conteúdos, organizar a aula para torná-la menos monótona, propor exercícios desafiadores para que o estudante queira buscar novos saberes e promover diálogos que demonstrem que o conhecimento científico contribui para interpretar o mundo onde vive.
Nesse cenário, o professor dessas disciplinas precisa ultrapassar o modelo livresco de ensino e trazer para a sala de aula a investigação, o questionamento e experiências práticas – características próprias dessa área de conhecimento, associadas a uma abordagem interdisciplinar.
Assim, desenvolver atividades ativas de ensino e aprendizagem é uma prática necessária para ensinar ciências. Tal questão foi debatida no decorrer de um projeto junto a estudantes dos cursos de licenciatura em ciências biológicas e em ciências agrárias do campus Esalq da Universidade de São Paulo.
O projeto “Instrumentação para o Ensino de Ciências e Biologia na Escola Básica” teve o objetivo de proporcionar, na formação inicial, uma maior relação entre teoria e prática – ou seja, uma maior aproximação entre a formação universitária e a prática de sala de aula. Para tanto, o projeto envolveu a elaboração e execução de oficinas didáticas, como uma proposta de ação-formação, tanto do professor como do estudante.
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O modelo de oficinas didáticas foi concebido para valorizar a participação ativa. Foram utilizadas diferentes recursos didáticos, contemplando teoria e prática e configurando situações de ensino. Diferentemente das aulas expositivas, palestras e seminários, esses recursos envolveram a atuação direta do aluno em aula e, assim, ele desempenhou um papel ativo na construção do conhecimento. Do professor foi exigido planejamento detalhado e a posição de mediador da aprendizagem.
Além disso, tal modelo foi concebido para provocar o futuro professor a pensar formas didáticas diferentes das aulas expositivas ou, ainda, do modelo aula teórica sucessiva de aula prática para verificação da teoria.
Ao organizar uma situação didática, a partir do modelo de oficina, muitas questões formativas, tanto com relação a prática docente, como a atividade do estudante, podem ser analisadas. Esse processo favorece reflexões sobre o ensinar e o aprender.
Aprendizagem para estudantes e professores
Para que o estudante participe ativamente da oficina didática, o planejamento deve considerá-lo como o centro do processo educativo. Nesse modelo não cabem explanações longas do professor, em que o estudante apenas ouve passivamente o conhecimento que está sendo transmitido.
Ao contrário dessa organização é preciso pensar em uma aula que apresente um questionamento ou um problema a ser resolvido pelo estudante e o leve a mobilizar suas explicações sobre o assunto. É preciso desafiá-lo, a ponto de entender a insuficiência de suas respostas e estimular a busca de novos conhecimentos.
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Dependendo da idade e ano escolar do estudante, as questões ou problemas precisam ser planejados, considerando que não podem apresentar grau de dificuldade muito simples ou muito complexo. Surge, então, a necessidade da observação atenta do professor e a seleção de elementos que possam ser inseridos na discussão para conduzir a atividade a partir de objetivos que se esperam para a aprendizagem.
A observação e registro sistemático da dinâmica da sala de aula pode revelar elementos interessantes para um planejamento mais condizente com as características e necessidades dos estudantes.
No projeto desenvolvido, as oficinas didáticas foram planejadas pelos futuros professores após observação sistemática de turmas de alunos, e a atividade era desencadeada a partir de questões ou problemas – resolvidos ou estudados durante o desenvolvimento de práticas didáticas que foram centrais na metodologia didática.
Dessa forma, o estudante ocupou o centro da atividade educativa, participando ativamente, observando, registrando, realizando inferências e propondo hipóteses. Nesse planejamento, foram valorizadas metodologias ativas, como a aprendizagem baseada em problemas.
Os problemas apresentados podem ser fictícios ou reais. O importante é que o estudante sinta-se motivado para buscar formas de solucioná-lo. Para tanto, o planejamento deve prever um tempo para os alunos debaterem sobre as possíveis respostas, proporem novos questionamentos e compartilharem os resultados.
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Um outro momento é para a síntese da atividade. Nessa organização, o professor atua como mediador do processo, incentivando a participação de todos, trazendo novos questionamentos que ampliem as discussões e retornando feedbacks sobre os processos e resultados.
Um exemplo dessa organização foi a oficina intitulada “insetos”, que iniciou com os seguintes questionamentos: “você conhece um inseto?” e “como ele é?”. Após algumas colocações, os estudantes foram convidados a realizar observações de seres vivos em insetários ou coleções, fixados em álcool, em imagens projetadas ou no ambiente natural.
Para tanto, foram utilizadas lupas, bem como observação de forma livre. Os estudantes foram conduzidos a comparar diferentes características dos seres vivos que foram apresentados, para registro e análise, a ponto de realizarem classificações entre o que poderia ser ou não agrupado como inseto.
Quando os estudantes conseguiam identificar características que eram comuns ao grupo dos insetos, novas perguntas eram inseridas. Como: “qual a importância dos insetos?” e “por que devemos estudá-los?”. Novas práticas eram apresentadas como estudo de um formigueiro gigante ou observação de uma a colmeia de abelhas nativas brasileiras sem ferrão.
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Em primeiro lugar, o planejamento da oficina “Insetos” considerou a viabilidade de aplicação em escolas de educação básica, porque utilizou materiais simples como imagens e observação direta – que pode ser realizada em um pátio escolar, em um pequeno jardim, em uma calçada. Já a metodologia utilizada levou o futuro professor a refletir sobre formação condizente com a necessidade de enfrentamento da complexidade, diversidade e dos problemas que se apresentam no exercício do magistério.
A abordagem investigativa foi o eixo condutor dessa oficina, à medida que os estudantes foram estimulados a observar, levantar hipótese, propor respostas para questões e analisar o que os colegas apresentavam. O aluno, portanto, não recebia passivamente conceitos ou informações, mas deveria expressar suas opiniões, buscar conhecimentos para responder questões e relacioná-las ao seu cotidiano.
Uma atividade desse tipo não apresenta novos saberes apenas para o estudante, mas também para o professor. Ao ouvir o que o aluno entende sobre o assunto, ao permitir que ele questione, levante hipóteses, o professor também coloca-se na posição de aprendiz de uma prática de ensino, de um exercício de mediação e promoção de discussões e debates.
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Tal atividade é interessante para a construção de saberes experienciais para o professor. Apesar de contemplar um planejamento detalhado e organizado, o professor precisa prever que os questionamentos dos estudantes e a interação com os materiais modificam a mediação que será realizada e apresentam demandas sobre as ações docentes nesse contexto.
A oficina configurou, portanto, um modelo de ação, aproximando estudantes de cursos de licenciatura de uma atividade prática de ensino, e também de formação, proporcionando a vivência, a execução de um planejamento, a análise de habilidades para condução de uma atividade didática e a oportunidade de colocar em prática os conhecimentos biológicos e pedagógicos, construídos durante a formação universitária.
O estudante da educação básica, por sua vez, também participa de uma atividade de ação-formação, à medida que interage com materiais e práticas que estimulam sua ação sobre os objetos apresentados, ampliando experiências – o que pode ser mais significativo para a construção de aprendizagens. As oficinas didáticas configuram, portanto, uma atividade pedagógica capaz de favorecer aprendizagens para estudantes e professores.
Ação-formação: construções da prática docente
O professor está em constante processo de formar e formar-se, à medida que ensina também aprende e à medida que aprende desenvolve novos processos e mecanismos para ensinar. As vivências nos contextos escolares são importantes fontes para construção de novos saberes, de reflexão sobre realidades socioculturais e de investigação sobre práticas. A vivência também favorece o pensar sobre a ação, fomentando a busca de novas formações e de exercícios fundamentais para a profissionalização docente e para construção da autonomia profissional.
Nesse sentido, a ação e a formação se entrelaçam e caminham juntas. A profissão docente requer, além da utilização de teorias com propriedade, um olhar crítico sobre a prática. Daí a importância do professor estudar, planejar, analisar a condução de uma atividade, debater com colegas os resultados e estudar esses resultados e novas propostas.
Essa ações configuram um processo cíclico que acaba desenvolvendo um mecanismo fundamental para uma prática docente moderna, dinâmica e mais condizente com os desafios de formar as gerações desse século.
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A escola deve ser local de construção, reconstrução e compartilhamento de aprendizagens relevantes, tanto para alunos como para professores. É um espaço que favorece o desenvolvimento de diálogos entre realidade individual e social, a participação ativa de seus atores, o convívio com as diferenças, a troca de significados e representações – questões fundamentais para estudantes e professores.
Por isso, pensar práticas docentes que configurem momentos de ação e formação para todos os envolvidos, como oficinas didáticas que diferenciam do modelo aula expositiva e, às vezes, sucessiva de aula prática para confirmação da teoria, podem ser profícuo para a construção de uma prática docente mais alinhada ao objetivo esperado para o ensino. Tal objetivo é desenvolver a criticidade dos educandos.
Assim, é preciso (re)aprender formas de organizar o espaço aula a fim de trazer a participação mais ativa do estudante e do professor e proporcionar momentos para exercitar diversos saberes. Nesse sentido, a organização de oficinas demonstrou alternativas interessantes para o agir-pensar-agir em oposição as explanações teóricas que contribuem para a passividade do estudante e uma atividade menos desafiadora para o docente. Além disso, utilizar atividades para problematização, investigação e para contextualizar um conteúdo privilegiam as características do ensino de ciências.
A prática docente se constrói em múltiplos contextos e diversos momentos, requer intimidade entre ação e formação, entre estudo e prática, entre fazer e pensar. O professor se forma para e pela prática, e se essa é fonte de dados e de novas aprendizagens uma vez que é dinâmica e desafiadora, cabe ao professor inspirar-se nessas características e planejar atividades didáticas que sejam também práticas, no sentido de serem fonte de motivação e inspiração para os estudantes.
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Sobre a autora
Taitiâny Kárita Bonzanini é professora da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), em Piracicaba.
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