Com 2020 às portas, muitas escolas estão na corrida para realizar as adequações para o novo ensino médio, aprovadas na Lei nº 13.415/2017. Todas as instituições públicas e privadas do país têm até 2022 para entrar em conformidade com as regras.
Guiada pela nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e pelas novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), homologadas em 2018, a reforma instituiu o ensino médio em tempo integral, ampliando de 800 horas de aula por ano (4 horas por dia) para um mínimo de 1 mil horas anuais (5 horas por dia).
“O modelo traz mudanças profundas e rompe com toda a estrutura do ensino tradicional”, afirma Fábio Baião, consultor da Hidra Educacional, que assessora o processo em escolas de Minas Gerais.
As alterações são de responsabilidade dos estados da federação, que precisam submeter um plano de implementação à análise do Conselho Nacional de Educação (CNE).
Ocorre que existem diversas dúvidas sobre o modo de executar as mudanças, especialmente em relação aos itinerários – as cinco áreas em que o aluno poderá se aprofundar (ciências da natureza; ciências humanas e sociais aplicadas; linguagens; matemática; e formação técnica e profissional), além das disciplinas obrigatórias. Por isso os estados estão em diferentes etapas do processo.
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Minas Gerais começará um projeto piloto com o novo ensino médio em 281 escolas a partir de 2020. O mesmo deve ocorrer no Rio Grande do Sul com 300 instituições. No Amazonas a implementação já está presente em 147 escolas, e a previsão é que se estenda para toda a rede no próximo ano.
No Espírito Santo, a opção foi dividir o estado entre a Região Metropolitana, onde há maior concentração de escolas, e o interior, onde as cidades têm em média um colégio de ensino médio.
Em Pernambuco, o currículo ainda está em fase de definição – até metade de 2020, a secretaria de educação planeja colocar as propostas em consulta pública e promover seminários regionais sobre o novo ensino médio.
O começo da implementação foi impulsionado pelo Programa de Apoio ao Novo Ensino Médio, instituído pelo Ministério da Educação (MEC) em julho de 2018. A adesão dos governos estaduais ao programa, voltado a dar apoio técnico e financeiro à criação de escolas-piloto, começou a ser feita de forma parcial em 2019. Até o momento, 23 dos 27 estados aderiram.
As exigências para participar desse processo e receber os repasses do governo federal mudaram a partir das novas diretrizes para o Programa de Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral (EMTI), lançadas no início de dezembro.
Agora, as instituições precisam ter 40 alunos matriculados no primeiro ano, três dos seis itens de infraestrutura (biblioteca, seis salas de aulas, quadra poliesportiva, vestiários, cozinha e refeitório) e 200 matrículas no ensino médio ao fim de três anos de implementação do novo modelo. O objetivo seria impulsionar o ritmo das adequações e tornar mais constante o contato entre o MEC e os estados.
É tanta mudança que será preciso investir em capacitação docente, impasse principalmente na rede pública. Até por isso a formação dos professores deve ser atualizada a partir de 2020, com as definições do Forma Brasil Docente – em fase de debate público.
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Como deve ser o currículo
As escolas têm autonomia para escolher suas propostas pedagógicas. A lei define que o currículo seja dividido em duas cargas horárias, guiadas pela BNCC e separadas em áreas de conhecimento.
Os estudantes cursarão 600 horas anuais de disciplinas de linguagens (português e língua inglesa) e matemática, obrigatórias nos três anos do ensino médio. As demais, como geografia, história e biologia, podem ser abordadas de forma interdisciplinar em todos ou em alguns anos.
O restante da carga horária trata dos itinerários formativos, com aprofundamento nas áreas de conhecimento e/ou na formação técnica e profissional. Pode ocorrer por meio de disciplinas, projetos, oficinas, núcleos de estudo, entre outros, somando 1.200 horas.
A atualização das DCNs para o Ensino Médio indica os quatro eixos estruturantes: investigação científica, processos criativos, mediação e intervenção sociocultural e empreendedorismo.
A ideia é fazer com que o estudante seja ativo no processo de aprendizado, ao possibilitar que direcione o ensino para a área em que tem interesse. Se deseja cursar Medicina, por exemplo, o aluno poderá escolher participar de projetos que focam em matemática e ciências da natureza, as mais cobradas no vestibular.
Uma dúvida recorrente entre os profissionais envolvidos nas adequações é justamente sobre como será feita a seleção e a distribuição dos itinerários entre as escolas de uma mesma região.
Uma possibilidade é o uso dos resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). “Em escolas que vão bem em matemática, podem utilizar os projetos que já existem e transformar em itinerários nessa área”, explica o consultor Baião.
As DCNs apenas definem que os sistemas de ensino devem garantir a oferta de mais de um itinerário formativo em cada município, em áreas distintas. Afinal, os adolescentes apresentam diferentes necessidades e interesses.
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Há outro problema: como e quando será aplicado o Enem com base nos itinerários formativos.
Para garantir a competitividade justa entre os alunos de diferentes regiões do país e dos próprios estados, todos devem ter acesso aos mesmos conhecimentos. Não há, no entanto, um documento oficial padronizando o conteúdo em nível nacional. Foi isso que travou o avanço da implementação no estado de Pernambuco.
“O programa tem que articular com o Enem e o Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica)”, diz Frederico Amâncio, chefe da Secretaria de Educação de Pernambuco.
Baião, da Hidra Educacional, teme que os estudantes das escolas particulares tenham vantagem em relação aos das públicas. “Além de ter uma estrutura melhor, as instituições privadas permitem uma oferta mais rápida do novo ensino médio. Se o ensino for desigual ou não atrativo, a desigualdade vai aumentar.”
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Exemplos da implementação
Desde 2007, antes mesmo da reforma, Pernambuco já buscava um ensino médio mais atrativo para os estudantes, priorizando o ensino integral. Por isso, já em 2020, 62% das escolas devem estar seguindo o modelo, com o mínimo de 1 mil horas anuais exigidas pela reforma.
“A novidade é que, desde o ano passado, incluímos [o aumento da carga horária] nas escolas regulares”, conta o secretário Amâncio.
Um grupo foi destacado para trabalhar o novo currículo em Pernambuco. Amâncio antecipa que, atualmente, o estado propõe quatro itinerários fixos e combinações entre as áreas de conhecimentos que abordam, mas não descarta “um ajuste de acordo com o Enem”.
No Rio Grande do Sul, onde a implementação do novo Ensino Médio está mais adiantada e promete atender 300 escolas em 2020, o currículo foi elaborado de acordo com as demandas de determinadas comunidades escolares. Agora, a consulta será estendida para as demais escolas estaduais – 1086, no total.
O governo gaúcho propõe aos alunos itinerários divididos em dez áreas: sustentabilidade, tecnologias, relações interpessoais, expressão cultural, cidadania, gênero, empreendedorismo, saúde, esporte e profissões.
O Colégio Israelita, escola particular localizada em Porto Alegre, está prestes a dar início ao processo. As disciplinas que não são obrigatórias em todos os anos devem ser oferecidas de forma “semestralizada” a partir de 2020, segundo Rafael Korman, coordenador do ensino médio da instituição. “Teremos aulas de ciências humanas apenas no primeiro semestre e ciências da natureza apenas no segundo.”
Em uma tarde por semana, o Israelita oferecerá itinerários nas áreas de design, empreendedorismo, inovação e tecnologia. Para abordar problemas reais, a escola fechou parceria com empresas e organizações.
Também em uma tarde semanal serão oferecidas disciplinas de modalidades como artes (música, artes, dança ou teatro) e educação física (futsal, handebol, basquete, vôlei e, fitness – educação do corpo e nutrição).
O método de avaliação também deve mudar no Colégio Israelita. “O que o aluno precisa saber é se ele desenvolveu a habilidade esperada ou não. Por isso, teremos momentos de feedback”, explica Korman.
O coordenador alerta que as adequações do Israelita não necessariamente funcionarão para outras escolas. “O currículo precisa fazer sentido para a comunidade de alunos. E o corpo escolar precisa acreditar nas mudanças para que funcionem.”
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