Ingressar em uma instituição de ensino superior (IES) parece uma boa ideia. Mas, nos Estados Unidos e em outros países, essa escolha pode não ser a mais certa a se fazer.
A afirmação é de Becky Frankiewicz, presidente do ManpowerGroup North America e especialista no mercado de trabalho, e de Tomas Chamorro-Premuzic, cientista-chefe de talentos do ManpowerGroup e professor de psicologia de negócios da University College London e da Columbia University, que assinam juntos um artigo publicado em novembro na Harvard Business Review.
Ok, mas para onde seguir? Aí está. Frankiewicz e Chamorro-Premuzic não definem uma alternativa clara, nem sabem apontar o melhor caminho para reinventar o modelo de ensino superior. Mas sabem dizer por que essa mudança é necessária.
Habilidades e competências certas
Os americanos nunca estiveram em um momento melhor para encontrar emprego do que agora. A taxa de desocupação, que era de 9% em 2011, caiu para 3,6% em outubro de 2019 – 5,8 milhões de pessoas desempregadas. Mas não é para tanta comemoração: existe uma incompatibilidade entre os empregos que as pessoas querem e os que estão disponíveis.
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Nos Estados Unidos, existem 7,4 milhões de vagas em aberto. Só que essas oportunidades não são atraentes para graduados “superqualificados”. É por isso que o Walmart, por exemplo, chegou a ofertar vagas de motoristas de caminhão por US$ 108 mil anuais, quando a média de salário gira em torno dos US$ 55 mil.
Há também um desencontro entre as habilidades que as empresas querem e as que os candidatos oferecem.
Muitos empregadores relatam que os candidatos, mesmo aqueles com ótimo histórico escolar, não aprendem o que é exigido pelo mercado. A questão fica em aberto: as qualificações universitárias estão sendo traduzidas em trabalho?
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O cenário fica mais complicado ao considerar que muitas profissões nem sequer existem ainda. Mas, quando surgirem, uma coisa é certa: vão exigir habilidades bem diferentes das quais as IES estão oferecendo.
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Estudantes querem empregos, não títulos
Conseguir um bom emprego e ter estabilidade financeira são as principais razões pelas quais os alunos investem tanto tempo e dinheiro no ensino superior, escrevem Frankiewicz e Chamorro-Premuzic. Apesar disso, cerca de 40% dos graduados americanos trabalham em empregos que não exigem suas qualificações.
Resultado? A busca por bons empregos fez os alunos não valorizarem tanto o processo de aprendizagem quanto valorizam o diploma.
No Brasil a situação pode ser parecida. Uma reportagem da BBC Brasil, de 2016, mostrou que 80% dos formandos estudavam em seis ramos: comércio e administração; formação de professor e ciências da educação; saúde; direito; engenharia e computação.
Ao analisar esses dados – obtidos a partir do Censo do Ensino Superior e da Rais (Relação Anual de Informações Sociais), do Ministério do Trabalho, – o economista e professor da USP Hélio Zylberstajn afirmou que os cargos não existiam na mesma proporção dos diplomas.
Um exemplo, segundo a BBC, era o setor de Administração – que, em 2014, correspondia a 30% dos concluintes. Apesar da fatia expressiva, apenas 4,9% dos trabalhadores com graduação eram administradores de empresa. Outros 9,4% eram assistentes ou auxiliares administrativos, função necessariamente não exige faculdade.
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Os estudantes estão pagando cada vez mais para ter cada vez menos
Além dos planos médicos, nada subiu tanto nos Estados Unidos quanto o custo do ensino superior. Os americanos pagam 200% a mais do que pagavam há 20 anos atrás, por exemplo. Em uma espécie de dominó, a dívida estudantil aumentou 600%, atingindo um recorde histórico de US$ 1,4 trilhão. Esse total é maior que a dívida de cartão de crédito e a de financiamento de automóveis.
Ainda existe um ROI (retorno do investimento) para a maioria dos diplomas universitários. Até porque, geralmente, é melhor ter um do que não ter. Mas, para cada diploma de alguma IES de ponta que gera cerca de 12% do ROI anual, existem outras de menor prestígio que o saldo é negativo.
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Expectativas irreais
Independentemente de ranking global, todas as IES se comercializam como um mecanismo de crescimento, empregabilidade e sucesso. Isso acaba gerando nos alunos grandes expectativas, mas não é viável atendê-las em escala.
Nem todo mundo pode ser um líder, um CEO ou um gerente.
O mercado de trabalho passou das linhas de montagem monótonas e trabalhos rotineiros para carreiras flexíveis e significativas. Mas ele não consegue dar a todos o emprego dos sonhos. As aspirações profissionais superam as oportunidades disponíveis, e os talentos percebidos superam os talentos reais. Por isso existem tantos funcionários desmotivados.
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Foco em pesquisa, às custas do ensino
Em muitas instituições de prestígio, o ensino é considerado uma distração para publicações e obtenções de bolsas de pesquisa. Os principais professores possuem salários altos, mais liberdade e menor carga de ensino.
As pesquisas sãodo o meio, aqui, que nado ionavel.da vez mais dedicarem verbas para mercado, respeitando o meio, aqui, que n o motor do crescimento e da inovação, e isso explica a ênfase que várias das principais IES dão a elas. No entanto, isso não pode ser uma desculpa para negligenciar o ensino oferecido aos alunos, incluindo o preparo deles para o mundo real.
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Aumento da desigualdade
A questão fundamental é a seguinte: as IES não deveriam admitir as pessoas com as notas mais baixas nos vestibulares e transformá-las nos líderes de amanhã, em vez de admitir as pessoas com as notas e rendas mais altas, que provavelmente tomariam os cargos mais altos, independentemente dos três ou quatro anos de graduação?
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Há muitas questões para serem repensadas sobre o atual modelo de ensino superior. A certeza é que o amanhã pertencerá à empresas e indivíduos que estão abordando a educação em paralelo com o trabalho, com ciclos contínuos de aprendizado.
O sucesso no futuro não será definido em um diploma, mas no potencial e na capacidade de aprender, aplicar e adaptar.
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