Em 2021, a indústria de games movimentou US$ 175,8 bilhões. A Epic Games, uma das gigantes do setor, faturou US$ 9,16 bilhões entre 2018 e 2019 apenas com o Fortnite, um jogo online de sobrevivência em terceira pessoa que conta com mais de 350 milhões de jogadores ativos.
No mercado do entretenimento, os games têm superado até o cinema. Para se ter uma ideia, em 2018, na semana de lançamento de “Vingadores: Guerra Infinita”, uma das estreias mais esperadas do ano, o Fortnite angariou US$ 290 milhões, enquanto o filme lucrou cerca de US$ 260 milhões.
Parte da vida de uma geração nativa digital que chega ao ensino superior sedenta por experiências tecnológicas e imersivas, os jogos eletrônicos entraram no radar das universidades. Além de recurso pedagógico, o Fortnite, por exemplo, é motivo para concessão de bolsas de estudo em universidades dos Estados Unidos.
Fortnite: mais que um jogo
As bolsas colegiais e universitárias para esportistas são parte da cultura dos Estados Unidos. Estima-se que, anualmente, mais de 150 mil estudantes-atletas recebam US$ 2,9 bilhões em bolsas esportivas no país. Agora, além de esportes tradicionais como o Basquete e o Futebol Americano, os e-sports fazem parte do segmento.
Recentemente, Matheus Guimarães Montenegro, um brasileiro de 20 anos, foi aprovado em 28 universidades norte-americanas por suas habilidades no Fortnite. Em agosto, ele inicia o curso de Ciência da Computação na Oklahoma Christian University, com uma bolsa de 75%.
Segundo uma reportagem do portal G1, além de registros jogando Fortnite, o jovem teve que apresentar boas notas no ensino médio, cartas de recomendação de professores e atividades extracurriculares e redações. Montenegro também realizou um teste de inglês e uma entrevista, onde foi questionado sobre sua experiência acadêmica e em campeonatos do jogo.
No ano passado, outro brasileiro, Guilherme Mannarino, de apenas 17 anos, foi aprovado em 32 universidades graças ao Fortnite. Mannarino vai receber uma bolsa integral para estudar e representar o time de e-sports da Universidade da Flórida Central.
Basta pesquisar “Fortnite+Educação” na plataforma Google Acadêmico para entender porque o Fortnite se tornou game oficial no ensino médio e superior nos Estados Unidos. Há centenas de pesquisas mostrando, por exemplo, como o jogo pode ser usado para potencializar ensino de matemática e favorecer práticas de letramento através da construção de comunidades.
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Desenvolvendo soft skills
O Fortnite é um jogo online do gênero battle royale. Funciona mais ou menos assim: um grande número de jogadores inicia a partida em um cenário – ou mapa, na linguagem gamer – que vai diminuindo de tamanho conforme o tempo passa. Ganha o último jogador ou equipe sobrevivente.
Pode parecer só mais uma forma de entretenimento. Mas, ao propor a exploração e a busca por recursos diante de situações em constante transformação, jogos como o Fortnite podem favorecer o aprendizado contínuo e o desenvolvimento de soft skills.
Um estudo do ManpowerGroup analisou 11 mil de games de 13 gêneros para identificar quais soft skills são estimuladas nos jogadores e como elas podem ser aplicadas na vida profissional. O Fortnite foi associado ao aprimoramento da percepção social e de habilidades visuais e espaciais, características fundamentais em carreiras das áreas de Ciência e Engenharia.
“Os jogadores que desenvolvem soft skills trazem à mesa das organizações boas competências digitais e, principalmente, o pensamento crítico aprimorado, a criatividade, a inteligência emocional, a capacidade de aprender e resolver problemas complexos”, diz o estudo.
Nesse sentido, o games também podem chegar à sala de aula. No ano passado, o Fortnite foi incluído no programa educacional de 5 mil escolas do Brasil. Conforme a PlayMatch, edtech responsável pelo projeto, o objetivo é usar o jogo como atividade de ensino complementar para as áreas de Ciências, Tecnologias, Humanidades, Engenharia e Matemática.
Além disso, trazer elementos da rotina dos estudantes para o processo pedagógico aumenta o envolvimento com o conteúdo. Trata-se, portanto, de uma alternativa para construir uma aprendizagem duradoura e significativa.
“Hoje, existem muitos estudos sobre os benefícios dos games em educação e, geralmente, a literatura é muito positiva sobre esse assunto”, afirma João Mattar, que é professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e autor do livro “Games em educação: como os nativos digitais aprendem”.
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Desafios
Por outro lado, segundo Mattar, o desafio é incorporar os games como objetos de aprendizagem nos currículos. É preciso considerar um contexto educacional no qual o jogo faça sentido e contar com apoio institucional para o uso desse tipo de ferramenta.
Além disso, os games esbarram em outra barreira: a formação docente. Os professores devem saber usá-los para, de fato, conseguir tirar proveito deles. Inclusive, o Massachusetts Institute of Technology (MIT) tem um programa para docentes sobre esse tema.
“O uso de games comerciais na educação superior é uma tendência, mas deve ser usado de forma crítica, refletindo sobre a narrativa embutida neles”, aconselha Mattar. “O importante não é jogar o jogo, mas a reflexão que você faz depois.”
O docente da PUC-SP alerta que, quando se fala em jogos comerciais, não se pode deixar de abordar a violência embutida nas ações dos jogadores, por exemplo. Afinal, muitas missões envolvem capturar, matar ou subjugar os oponentes.
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Gamificação x Games
Existem, dois tipos de games digitais na educação: os educacionais e os comerciais. E, mesmo sem contar com a tecnologia, algumas características dos jogos podem ser usadas em sala de aula.
Assim, é preciso diferenciar gamificação e game:
Game: é um jogo eletrônico, uma atividade lúdica formada por ações e decisões que resultam numa condição final. Tais ações e decisões são limitadas por um conjunto de regras e por um universo. O universo contextualiza as ações e decisões do jogador, fornecendo a ambientação adequada à narrativa do jogo, enquanto as regras definem o que pode e o que não pode ser realizado, bem como as consequências das ações e decisões do jogador. São elementos fundamentais de todos os jogos: representação, interação e conflito.
Gamificação: basicamente, trata-se de usar princípios usados na elaboração de um game para propor atividades. São exemplos a resolução de problemas, a capacidade de imersão, a cooperação em equipes, o uso de placar e o uso de narrativas. Os objetos imersivos, como laboratórios virtuais ou mesmo vídeos em 3D, são exemplos do uso da gamificação em materiais pedagógicos.
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