“Incerteza” costuma ser uma palavra muito associada aos rumos do século 21. Isso mesmo antes da pandemia, que virou o mundo de cabeça para baixo e eliminou noções de previsibilidade. A educação, por exemplo, perdeu algumas de suas bases mais sólidas, como a presencialidade.
Imagine ser um professor no meio desse furacão. A cobertura do Desafios da Educação mostrou como a crise sanitária agravou antigos dilemas e dificuldades dos docentes. A importância da resiliência e o cuidado com a saúde mental não saíram de pauta até hoje.
Enquanto a vacinação avança, eles ainda precisam lidar com o acumulo de tarefas, a falta de recursos e treinamento para dar aulas remotas e engajar seus alunos em um ambiente desfavorável. Ao mesmo tempo, acompanham ansiosos as mudanças pelas quais a profissão passa.
Para a diretora do Instituto Reúna e fundadora do Grupo Mathema, Katia Smole, muitos esforços serão necessários para entender o que vivemos na educação durante a pandemia. Levando em conta, é claro, o cenário de onipresença da tecnologia e de hiper acesso à informação. Smole lembra, entretanto, que não é de hoje que a incerteza dita a rotina dos professores.
“Quando decidimos ser professores, optamos por conviver com a insegurança de ter diante de nós o desafio de formar as gerações que podem mudar o destino do país”, afirma.
Para usar outra palavra da moda, mas que há muito permeia a carreira docente, resiliência será fundamental – mais uma vez. “Não será fácil, mas nada no mundo vale mais a pena do que a sensação do quer ver alguém olhando o mundo com outros olhos porque aprendeu com você, com apoio da sua aula”, diz Smole.
A formação docente no século 21
A coordenadora do curso de pedagogia do Instituto Singularidades, Cristina Nogueira Barelli, afirma que, daqui para frente, a formação docente precisa partir do contexto de evolução tecnológica e de mudanças comportamentais.
Ela lista algumas habilidades e competências que julga serem prioridades na formação e atualização dos professores:
- Ser flexível;
- Saber gerir o tempo e as mudanças repentinas;
- Ter autonomia com responsabilidade social;
- Desenvolver em si e nos aprendizes o foco e a atenção plena;
- Saber trabalhar em colaboração e com as diversidades.
Smole acrescenta a necessidade de se adaptar a cultura digital e desenvolver a capacidade de resolução de problemas, mas destaca o papel da colaboração. “Fica cada dia mais evidente a importância do engajamento do professor em comunidades de práticas docentes.”
Cabe as instituições de ensino e aos gestores fomentar a formação continuada das suas equipes. Isso significa valorizá-los social e profissionalmente, gerando melhores condições de trabalho e apoiando o professor em suas ações cotidianas.
“É preciso uma formação continuada que tenha foco no conhecimento pedagógico do conteúdo, que seja desenvolvida a partir de métodos ativos de aprendizagem, que garanta a participação coletiva dos docentes e que auxilie o educador a mudar sua prática docente”, explica Smole.
Para o doutor em educação, professor e membro do Instituto para Inovação em Educação da Unisinos, Paulo Fochi, no pós-pandemia, será fundamental observar as especificidades de cada etapa de ensino na formação docente.
Na educação infantil, o desafio será criar ambientes para que as crianças sigam questionando e buscando explicações para o mundo. No ensino fundamental e médio, os professores terão que ajudar os adolescentes a lidar com o excesso de informações, apoiando a construção das suas identidades.
Com isso, não é apenas o jeito de ser professor que se modifica. A escola também deve se transformar, deixando de ser vista como um centro de saber. O saber, Fochi defende, estará em desenvolver uma escola – ou universidade – capaz de criar processos humanitários, democráticos e respeitosos.
O mesmo vale para a formação docente, que tem que estar conectada ao chão das instituições de ensino, percebendo e respondendo às suas dores. “O desafio é trabalhar de forma articulada entre áreas do conhecimento, trazendo para o adulto a mesma pedagogia que a gente reivindica para a criança. A saber, uma pedagogia participativa, colaborativa e criativa”, afirma.
Leia mais: 5 atitudes para professores se adaptarem ao ensino digital em 2021
Um novo olhar para a incerteza
Barelli, do Instituto Singularidades, reconhece que trabalhar como docente no contexto atual de rápidas mudanças na profissão é complexo – o que, paralelamente, a torna cada vez mais importante. Adotar uma postura que entenda as dificuldades como desafios pode ajudar. “O professor deve se colocar como um pilar das transformações em curso. E não somente ser uma consequência delas”, ela propõe.
Já para aqueles que se sentem inseguros diante de tantas transformações, Fochi convida a fazer um retorno às palavras de Edgar Morin. O pensador francês dizia que conhecer e pensar não é chegar a uma verdade absoluta, mas dialogar com a incerteza.
“Perceber o terreno e aprender a se movimentar nele é uma habilidade dos professores, que fazem isso todos os dias dentro da escola”, afirma Fochi. “Diria para que não abandonem a sua função social e política de transformar a sociedade. Esse é um papel que segue inalterado”, completa.
Em tempo: hoje é 15 de outubro, Dia do Professor. Aos profissionais, nós do Desafios da Educação deixamos o nosso carinho e gratidão!
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