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Pós-pandemia: o projeto arquitetônico da escola como ferramenta de aprendizagem

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Vittra Telefonplan: projeto arquitetônico de escola na Suécia mostra que design também é ferramenta de aprendizagem. Crédito: divulgação.

Vittra Telefonplan: projeto arquitetônico de escola na Suécia mostra que design também é ferramenta de aprendizagem. Crédito: divulgação.

Quando a pandemia começou, imaginei que o período em que os prédios escolares estivessem fechados seria uma oportunidade para repensar a escola nos seus múltiplos aspectos. Quando tornasse a abrir, mudanças seriam implantadas. Seria uma oportunidade de criar uma escola com um projeto arquitetônico mais próximo daquilo que sonhávamos.

Mais de um ano se passou, a contaminação oscilou, houve picos de casos. Sistemas de saúde entraram em colapso. Ao fim, fecharam as escolas por mais tempo do que se pensava originalmente – o Brasil, inclusive, foi um dos países que mais demorou a retomar as aulas.

O retorno – com um número limitado de estudantes presencialmente, seguindo medidas sanitárias – só ocorreu mediante queda dos indicadores de infecções e mortes e, em várias regiões do Brasil, após judicialização do tema. Sem uma gestão nacional, as escolas país afora ficaram submetidas a um sistemático “abre e fecha”.

Diante de um cenário incerto e da fadiga generalizada, o simples ato de reabrir a escola e ter alunos presenciais representou uma conquista e um alívio para muitos alunos e suas famílias – embora também tenha despertado a desconfiança de outros.

Mas poderíamos avançar mais? E se pensássemos que a escola como funcionava antes da pandemia não pudesse mais voltar? Bem que a a escola do mundo pós-pandêmico poderia ser diferente.

Reordenar o espaço escolar apenas pelas medidas de distanciamento social, se limitando a ter menos alunos na sala, que segue organizada da mesma forma, significa perder uma grande oportunidade de transformar a escola nos seus diversos aspectos.

Projeto arquitetônico na escola

Os prédios escolares são reveladores do verdadeiro projeto educativo que orienta a linha pedagógica de cada escola.

Não tenho a pretensão de dar conta de todos os aspectos que envolvem tal afirmação. O que vou fazer é apenas apontar alguns aspectos, como gatilhos para que os interessados em arquitetura, design e educação busquem outras formas de inspiração. O objetivo é transformar os espaços físicos de cada escola em lugares de aprender com autonomia.

Começando pelos muros e portões.

Os muros – altos ou baixos, de segurança máxima ou apenas com um alambrado – revelam a conexão que a escola tem com a comunidade do entorno dela. Uma escola é parte da comunidade e precisa estar integrada ao espaço público, em diálogo com todas as demais organizações sociais e com a população em geral. A escola precisa ser um espaço integrado ao meio ambiente local e não ficar isolada.

Leia mais: Muros, paredes, salas de aula: qual é a imagem que sua escola transmite?

Na parte interna, as paredes do prédio escolar também revelam se a escola é feita com os alunos ou para os alunos. As cores utilizadas, os materiais adotados, a estética e a narrativa dos textos escritos – tudo isso informa como a escola lida com o conhecimento, com a participação estudantil e com a sustentabilidade.

Outro tema que vale a pena refletirmos é como a escola identifica seus lugares de aprender. Se entende que os alunos aprendem numa única sua sala de aula, organizada para que durante todo ano os alunos fiquem “internados” na mesma sala, com os mesmos materiais e com a mesma organização espacial, também revela como a escola entende que seus alunos aprendem ou podem aprender de forma mais significativa.

Se a estabilidade e a imutabilidade de cada sala de aula é um valor ou uma única forma de estabelecer as relações entre aqueles que aprendem e aqueles que ensinam, é hora de começar a duvidar de tal certeza. Porque a escola do século 21 precisa ser simples, aberta e integrada ao contexto e ao mundo. O que entra na escola precisa ser para abrir, conectar e não para isolar.

Uma escola que depois de passar por todas as restrições sanitárias, que abre com apenas 35% dos estudantes e que mantém a mesma configuração espacial da sala de aula está perdendo uma grande oportunidade de aprender com as delimitações impostas pela pandemia.

Leia mais: Lourdes Atié: “Isolamento é oportunidade de tirar a escola de ativismo sem sentido”

"A escola do século 21 precisa ser simples, aberta e integrada ao contexto e ao mundo", afirma Lourdes Atié. Crédito: Pexels.

“A escola do século 21 precisa ser simples, aberta e integrada ao contexto e ao mundo”, afirma Lourdes Atié. Crédito: Pexels.

Algumas inspirações

São muitos os rótulos que se criam para a educação no Brasil quando o assunto é escola. Nas redes sociais é possível encontrar diversos modelos de escolas identificadas como inovadoras, criativas, transformadoras etc. Porém o importante não é se enquadrar neste ou aquele modelo. Ou apenas sair copiando. Mas encontrar alternativas compatíveis com a realidade de cada escola.

Não se trata de ter situação econômica favorável. Estamos falando de clareza da proposta pedagógica, de muita criatividade e coragem para arriscar.

Nem adianta copiar modelos internacionais, se o currículo não for compatível com a proposta espacial. Escola não é cópia, hospital e nem circo. É lugar de aprender e para isso é importante que seja um ambiente estimulante, integrado e de liberdade. A escola pós-pandemia não pode ser a escola do medo, mas a escola da confiança.

A nova realidade que estamos vivendo, em função da pandemia, precisa ser construída a partir do que estamos aprendendo. Precisamos aproveitar este impulso e fazer da escola o lugar de estar e desfrutar de ambientes diversos, em que a convivência autônoma seja um valor inegociável.

Convivência na escola não pode ficar restrita aos horários de entrada, saída e recreio. Circular em espaços coletivos e ter acesso a espaços mais reservados para estudar com autonomia faz bem para o corpo e para a inteligência. Mobiliários simples, neutros, em formatos diversos também dão leveza ao ambiente e muito, mas muito verde. Escola pede natureza aberta e não cercada, para os alunos poderem desfrutar, admirar e pesquisar, integrando a natureza na construção.

A Vittra Telefonplan, na Suécia, é um colégio público do ensino fundamental onde o design traduz a proposta pedagógica. Lá, o foco é a autonomia estudantil para que cada criança e jovem se torne consciente de si mesmo e do mundo ao seu redor.

Conhecer é para aprender a participar e a construir um mundo melhor. A escola trabalha com o desenvolvimento de projetos vinculados aos objetivos globais da ONU para o desenvolvimento sustentável. O projeto arquitetônico da escola também é muito interessante, com vários ambientes de design moderno que faz com que seja um espaço de aprendizagem alinhada ao seu tempo contemporâneo, sem concessões.

As habilidades valorizadas no currículo escola são confiança, responsabilidade, perseverança, criatividade e cooperação. É um diálogo profícuo entre a proposta pedagógica traduzida pelo design que favorece as interações e ocupações espaciais construtivas, sem que haja necessidade de ter salas de aula estáveis e imutáveis.

Leia mais: Misturados na vida, separados na escola: a integração das idades dos alunos

Outra experiência que vale a pena pesquisar é a Escola Dels Encants, que fica em Barcelona, Espanha. Ela é gratuita e atende alunos do ensino fundamental. Seu projeto arquitetônico foi criado a partir de um trabalho conjunto de profissionais de várias áreas, que levaram sete anos criando o modelo que escola que sonhavam.

A proposta arquitetônica traduz o clima mediterrâneo, com o aproveitamento da luz natural com muita natureza integrada, criando um clima de calma, para que os estudantes possam trabalhar com tranquilidade.

O interessante dessa escola é que dividiu os andares por grupos etários. Não tem sala de aula por série, mas ambientes de aprendizagem, nos quais os alunos circulam com liberdade e autonomia para estudarem em grupo ou pesquisarem individualmente, de acordo com os combinados que são acertados com as professoras e professores.

A proposta pedagógica se baseia na Teoria das Inteligências Múltiplas, de Howard Gardner, entre outras contribuições conceituais. Por exemplo, o grupo de alunos de seis, sete e oito anos ficam no primeiro andar, acessando os seguintes ambientes: natureza, comunicação, construções, fazendo e desfazendo, ambiente simbólico, artístico, luz e sombra. Mas isso não impede de circularem em ambientes coletivos abertos para toda escola.

Outro destaque é a comissão de trabalhos mistos que integra professores, professoras, pais, mães, que planejam ações coletivas para a escola de forma global. Os pais também atuam na escola cotidianamente, seja cozinhando ou fazendo outras atividades. É o conceito de construção e valorização do sentido comunitário.

A tecnologia disponível nos permite pesquisar escolas pelo mundo que podem ser boas inspirações, mas não copias. Cito apenas duas apenas para que possam ver que é possível pensar o inimaginável.

Leia mais: A importância do aprender para além do prédio da escola

Sigo perguntando: E se…?

A escola antes da pandemia já tinha currículo sobrecarregado, rígido e muitas vezes inflexível. Tinha uma sobrecarga de tudo, tanto para os estudantes quanto para os professores. Com a pandemia, o medo de perder o controle daquela escola que havia, para as condições completamente diversa, fez crescer a burocracia e o controle.

Agora entre o “volta e não volta” para o seu prédio, é hora de escolhermos que escola seremos capazes de oferecer para os estudantes e suas famílias. É isso que vai determinar a relevância social da escola.

A nova normalidade precisa ser construída, a partir do que aprendemos na pandemia, aproveitando o impulso das dúvidas. Não pode ser a busca pelo passado, mas uma oportunidade de fazer mudanças significativas compatíveis com este tempo vivido.

É preciso revisar o prédio escolar com olhar estrangeiro de estranhamento. Rever o projeto educativo escolhido, utilizar metodologias que fomentem exploração, a indagação e a colaboração, em sintonia com a construção de um mundo mais igualitário. Mas tudo isso requer tempo e calma. O ponto de partida é começar se perguntando: e se…? Por que não?

Leia mais: Sobre dar voz e espaço aos estudantes (dentro e fora da escola)

 

Lourdes Atié
Lourdes Atié é socióloga com pós-graduação em Educação pela FLACSO, na Argentina, diretora da empresa Ideias Futuras e membro da comissão editorial da Revista Pedagógica Pátio – Ensino Fundamental e Ensino Médio. E-mail: lourdesatie@terra.com.br

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