Em Alta Floresta D’Oeste, município de Rondônia com cerca de 20 mil habitantes, a professora Waldilaine Fagundes, 26 anos, percorria quase 60 quilômetros para trabalhar. Da sua casa, na zona rural, até o perímetro urbano, fazia 10km de moto. Depois, pegava um ônibus e só então chegava à escola onde lecionava, a 47km do centro da cidade.
Se o acesso a uma instituição de educação básica no interior do Brasil muitas vezes só é viável por meio de uma logística exaustiva, quando se trata de ensino superior, a situação é ainda mais complexa. Afinal, poucos são os municípios pequenos, especialmente em regiões isoladas, com oferta de cursos de graduação.
Com a popularização da educação a distância (EaD), esse cenário vem mudando. No caso de Waldilaine, foi a modalidade que a possibilitou realizar um sonho: seguir a profissão do pai e concluir o curso de Pedagogia.
“À época, eu não queria ir para outra cidade para não ficar longe da minha família, e a Unopar contava com um polo de ensino a distância aqui. Da escola rural onde terminei o ensino médio, mais seis colegas cursaram Pedagogia comigo. Todos na modalidade online”, lembra ela, que se formou em 2020, em meio à pandemia.
Além de viabilizar o acesso à universidade, a EaD vem sendo uma alternativa para formar professores em municípios afastados dos grandes centros – e isso pode beneficiar diretamente essas localidades, uma vez que muitos acabam dando aulas nas cidades onde vivem.
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Ensino a distância cresce no País
Em 2021, o número de estudantes que concluíram cursos de graduação a distância no Brasil foi duas vezes maior que os de cursos presenciais, segundo o Censo da Educação Superior. Há 10 anos, o cenário era exatamente o oposto, conforme demonstrado no gráfico abaixo.
Na licenciatura, como foi o caso de Waldilaine e seus colegas, 60% dos professores formados entre 2010 e 2020 cursaram sua graduação a distância. O levantamento foi realizado pela ONG Todos Pela Educação. O estudo também indicou que essa diferença tende a aumentar nos próximos anos.
Democratizando a formação
Uma pesquisa do Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior do Brasil, aponta que o déficit de professores na educação básica pode chegar a 235 mil em 2040. E o desinteresse dos jovens pela profissão parece ser ainda maior quando se trata da modalidade presencial.
No caso das licenciaturas, a demanda por esses cursos caiu de 2020 para 2021, segundo o Censo da Educação Superior. E quem se favoreceu nesse cenário foram as instituições privadas: 85% dos alunos matriculados em uma formação de professores optaram pela EaD.
Entre esses cursos, o mais buscado é o de Pedagogia, contando com quase 800 mil estudantes, o que corresponde a quase 50% dos matriculados em licenciaturas no País.
Diretora da Associação Brasileira de Ensino a Distância (Abed), Rita Maria Lino Tarcia defende a EaD como uma forma de possibilitar que mais pessoas acessem o ensino superior. Muitas vezes, pessoas que não teriam essa condição por questões geográficas.
“Em diversas regiões do País, os jovens precisam sair de suas cidades e se manter durante o período da graduação em outros municípios, o que encarece ou inviabiliza a formação em cursos superiores”, argumenta. “Acredito que com a ampliação de cursos de graduação EaD estaremos democratizando a formação profissional para além dos grandes centros, viabilizando que as pessoas possam se qualificar e buscar novas frentes de trabalho”.
Exemplo dessa democratização, a professora Waldilaine Fagundes notou essa mudança no sistema educacional de seu município.
“Eu percebo que o polo de ensino a distância aumentou o número de profissionais na educação em Alta Floresta D’Oeste. O último edital de concurso público foi bastante concorrido, mais que nos anos anteriores”, afirma.
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O efeito pandemia
Em 2022, quando os dados referentes ao “boom da EaD” foram anunciados, o então presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Carlos Eduardo Moreno Sampaio, afirmou que a pandemia teve um papel fundamental na mudança.
“Mesmo sob um contexto extremamente delicado, a pandemia nos fez consolidar a compreensão de que a educação a distância pode ser eficiente, desde que seja de qualidade”, ressaltou.
Esse período também fez com que o público matriculado na modalidade mudasse: se antes era predominante a presença de estudantes mais velhos, no pós-pandemia, os jovens passaram a ocupar esse espaço, conforme demonstrado por levantamento da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes).
“A cultura do EaD se implantou e hoje o jovem já a busca como opção mais flexível, mesmo em carreiras mais tradicionais”, disse à CNN, à época, o presidente da Abmes, Celso Niskier. “Em um futuro próximo, não fará mais sentido falar em presencial ou EaD. Falaremos em educação superior mediada por tecnologia. Iremos para o pleno uso dos quadrantes híbridos da aprendizagem.”
O ensino a distância é eficaz na formação de professores?
O sucesso do formato EaD depende de diversas variáveis. E suscita discussões pertinentes. Para começar, é necessário refletir se funciona para todas as áreas de formação.
“É o modelo que queremos nos cursos de formação de docentes, por exemplo? Particularmente, acredito que, no caso de uma segunda licenciatura, pode ser muito eficiente, pois o profissional já teve a formação inicial e adquiriu experiência na prática pedagógica”, argumentou o então presidente do Inep Carlos Eduardo Moreno Sampaio, em 2022.
O posicionamento é semelhante ao do líder de políticas educacionais do Todos Pela Educação, Gabriel Corrêa. “É uma situação extremamente séria, que vai na contramão do que indicam estudos internacionais e da prática dos países que têm melhores indicadores educacionais. A boa formação de professores precisa estar voltada para a prática, para o ato de ensinar. Um curso a distância não garante isso”, disse em entrevista à Folha de S. Paulo.
Pelo menos oito a cada 10 dos professores entrevistados no levantamento do Todos Pela Educação perceberam alguma falha na sua própria formação. Já 60% deles defendem que a licenciatura não deve ser realizada totalmente a distância, sendo desejável, pelo menos, um modelo híbrido.
Para Rita Maria Tarcia, da Abed, é possível oferecer um bom curso a distância, desde que cumpridas as diretrizes do Ministério da Educação: “Pedagogicamente, cabe destacar que, além da obrigatoriedade legal, deve-se observar se as habilidades e competências esperadas em determinadas disciplinas podem ou não serem trabalhadas e desenvolvidas por meio de mediação tecnológica.”
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