Considerada a rede social do momento, com mais de 1 bilhão de usuários ao redor do mundo, a plataforma chinesa TikTok se tornou também um espaço para a publicação de conteúdos educativos. Entre danças, trends e todo tipo de vídeo, é possível encontrar materiais que abordam disciplinas como História, Matemática e Português – e até mesmo a rotina de um professor.
O TikTok deu seus primeiros passos no Brasil em 2018 e abriu seu escritório de representação no ano seguinte. Mas foi durante a pandemia de Covid-19 que a rede caiu nas graças dos brasileiros, principalmente do público jovem. Atualmente, conta com mais de 82 milhões de usuários mensais ativos no País, segundo o DataReportal.
TikTok no ensino superior dá os primeiros passos
A pandemia foi o estímulo que faltava para o professor universitário Rafael Belli, de 37 anos, entrar para as redes sociais. Morador de São Paulo, ele atua na educação há 18 anos, é formado em Pedagogia e atualmente ministra aulas nos cursos de Licenciatura, Pedagogia para Licenciados e Pós-graduação em Libras. “A pandemia me obrigou a olhar para as redes sociais de uma outra forma”, afirma.
A conta de Rafael no TikTok começou a viralizar após ele publicar um vídeo com o trecho de uma aula. A partir daí, o professor viu uma oportunidade de utilizar a plataforma para apresentar um outro lado da vida de um docente aos usuários. Hoje, ele conta com mais de 1,4 milhão de seguidores.
Apesar dos conteúdos publicados serem idênticos no Instagram e no TikTok, Rafael ressalta que existe uma diferença entre os públicos das duas redes.
“No TikTok eu tenho muito mais jovens e adolescentes, enquanto no Instagram vejo mais pessoas que já cursaram o ensino superior”, compara. Como consequência, alguns conteúdos específicos viralizam mais em uma rede do que em outra. É o caso de vídeos mostrando, sempre com muito bom humor, os “perrengues” e bastidores da vida de um professor, que alcançam um grande número de visualizações no TikTok.
Outro tipo de conteúdo que faz sucesso nas redes de Rafael são os vídeos sobre os diferentes cursos de graduação. Nesse caso, o público-alvo é composto por alunos que estão nos últimos anos do ensino médio ou tentando ingressar em uma universidade.
Para ele, o TikTok permite ao docente universitário conhecer os assuntos que estão em alta no momento e o repertório de mundo dos jovens. “Eu levo o que está viralizando ali para a sala de aula, articulando com os alunos e conversando com eles. Assim eu entendo melhor como funciona a cabeça dos estudantes.”
Rafael acredita que os professores podem utilizar a plataforma como uma ferramenta para valorizar a educação. “Ultimamente eu recebo muitos vídeos de gente dizendo ‘não faça ensino superior, ele não te garante futuro nenhum’. O TikTok me ajuda a mostrar que a educação é importante na formação do sujeito, e precisamos fomentá-la para ter uma melhora na sociedade.
@belli_rafa É mais ou menos assim 😂😂😂 #tcc #professor #alunos #faculdade #fypシ
Inspiração para uma nova geração de educadores
Com apenas 23 anos, a professora de Sociologia na rede privada da cidade de Vinhedo (SP) Júlia Pavão já conta com mais de 85 mil seguidores no TikTok. Sua trajetória nas redes sociais começou antes mesmo de entrar na área da educação, administrando e produzindo conteúdos para um brechó online.
“Já estava acostumada a criar conteúdo e gostava disso. Depois de uns seis meses na escola, pensei: por que não tentar fazer o que eu fazia no brechó, só que na educação?”, relata Júlia.
Quando começou a utilizar o TikTok profissionalmente, os conteúdos produzidos pela professora eram voltados para a área de Ciências Sociais. Atualmente, os vídeos têm como objetivo incentivar a formação de novos educadores. É o caso deste vídeo, em que Júlia recomenda um livro para os seus seguidores.
“É um caminho um pouco solitário quando você entra na educação. Você não tem o suporte de outros educadores, familiares ou amigos. O pessoal não costuma olhar com bons olhos”, lamenta.
Essa dificuldade que os educadores encontram ao longo de sua trajetória é uma das principais pautas abordadas por ela. Júlia acredita que a formação de novos professores está defasada no Brasil, e seus vídeos são uma forma de motivar os acadêmicos a conhecerem novas metodologias e preencherem lacunas presentes nas graduações.
A escolha pela plataforma chinesa se deu por preferência pessoal. “Eu uso o TikTok mais do que qualquer outra rede social”, diz. Além disso, com o passar do tempo ela começou a perceber que o algoritmo facilitava alcançar o seu público-alvo, assim como a viralização dos seus conteúdos.
Sob outra perspectiva, o formato de vídeos de até três minutos acaba limitando o aprofundamento das informações. Mesmo assim, Júlia vê pontos positivos no limite de tempo, que gera um maior repertório de conteúdos na rede.
“Você acaba encontrando conteúdos mais superficiais, mas tem uma variedade muito grande de assuntos e ideias que vão te ajudar. Acho que essa é a melhor parte do TikTok.”
@ju.pavao eles tbm são todos incríveis #prof #professor #proftiktok #escola #colegio #aula #educacao #ensino
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A realidade para professores da nova geração
Ser professor e atuar no ambiente digital por meio de videoaulas e redes sociais já era um objetivo para Gabriel Silva Santos, de 24 anos, quando ainda estava no início da faculdade. Conhecido nas redes como “Biel”, ele se interessou pelo nicho e tentou gravar aulas, mas acabou recebendo críticas dos colegas de curso no Instituto Federal de São Paulo (IFSP).
O sucesso na internet veio após a conclusão da graduação em Química em 2021. Biel decidiu postar um trecho de aula no Instagram, e acabou alcançando 3 mil visualizações. Mesmo assim, o professor ainda era reticente em relação ao TikTok. “Eu tinha um certo preconceito”, admite. Hoje ele conta com mais de 22 mil seguidores na rede social, na qual investe em mostrar experimentos químicos, curiosidades e a rotina de professor, tudo de forma leve e bem humorada.
Ele acabou baixando o aplicativo para fazer um teste e publicou um vídeo de experimento, que rapidamente registrou 500 visualizações. Foi o empurrão que faltava para entrar de vez para plataforma.
Biel comenta que utiliza os vídeos em suas aulas como uma maneira de introduzir o conteúdo que será abordado. Além da facilidade, ele destaca que a plataforma ajuda a promover o consumo de conteúdos educativos. “Eu percebo que alguns usuários que comentam nos meus posts criam contas só para o estudo. Me deparo com perfis como ‘estudos 2023’”, aponta.
@quimicacombiel Experimento simples que dá para fazer em casa. Reação de oxidação da dipirona utilizando água sanitária. #experimentoscaseiros #ciencianotiktok #quimicanotiktok
“Recuperei o amor pela profissão”
Em 2020, quando as aulas estavam paralisadas ou ocorrendo de maneira remota, alguns educadores passaram a ver o TikTok como uma oportunidade de se reaproximar dos estudantes. Foi o caso da professora de Português Simone Porfiria, de 41 anos, que atua na rede pública estadual em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Ela estava se sentindo desanimada com a profissão quando o período de isolamento social a privou do contato com os alunos.
“Em meio a essa saudade da escola me veio a ideia de começar a postar algumas dicas de Língua Portuguesa”, relata a professora, que aposta em uma linguagem simples, vídeos legendados e listas com dicas de como resolver problemas gramaticais, além de sanar dúvidas que muitas vezes não afligem só os jovens ou universitários.
Logo nos primeiros vídeos publicados, Simone começou a ganhar um número expressivo de seguidores (a quem ela prefere chamar de “alunos”) e gerou um grande engajamento. “Depois disso eu recuperei o amor pela profissão”, revela. Hoje, a docente conta com mais de 243 mil seguidores na rede de vídeos curtos.
Quando as aulas voltaram presencialmente, ela continuou alimentando seu perfil no TikTok, mesmo com a falta de tempo da rotina escolar. “Foi muito bacana retomar e ver que meus alunos tinham encontrado meu perfil.”
Mesmo com a maioria dos estudantes seguindo sua conta na rede social, a professora não costuma utilizar seus vídeos durante as aulas. Segundo Simone, o limite de tempo na plataforma não permite um aprofundamento do conteúdo como é necessário em sala de aula.
Mesmo assim, as publicações estimulam a curiosidade dos alunos, que fazem questionamentos e pesquisam sobre os assuntos na internet. É o caso de Romeu Gonçalves, jovem de 15 anos que conheceu o trabalho da professora por meio de um vídeo no Instagram. A forma simples como Simone explica questões e tira dúvidas sobre a língua fez com que ele passasse a acompanhar sua conta no TikTok.
Gonçalves relata que prefere utilizar a plataforma para estudos por ter vídeos mais curtos, o que, na sua opinião, facilita o aprendizado. “No YouTube, por exemplo, para ver um conteúdo de educação eu preciso procurar o vídeo, que às vezes é muito longo para explicar assuntos básicos. Isso não acontece no TikTok. Lá é muito mais simples e rápido”, argumenta.
@simoneporfiria Vc já tinha SALVADO esse vídeo? Sim, ele precisa ser SALVO! #CarnavalTikTok #estudenocarnaval #aprendanotiktok #dicadeportuguês
Um estudo publicado na Revista Novas Tecnologias na Educação mostra que esse pensamento é recorrente entre os mais jovens. A pesquisa registrou um aumento de 25% no engajamento dos alunos em atividades após a utilização de vídeos gravados no TikTok.
Seja para ajudar discentes no processo de aprendizagem ou apoiar professores na sua rotina, ampliar as possibilidades ou retomar o amor pela profissão, a rede social vai além da futilidade e cumpre com sua proposta de apresentar conteúdos com leveza e agilidade. O desafio é extrair o máximo do potencial dela e, ao mesmo tempo, promover o seu uso responsável para as novas gerações de estudantes.
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*Colaborou Renata Cardoso
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