0

“Nada do que foi será, de novo, do jeito que já foi um dia.”

A letra de Lulu Santos reflete com precisão o estado atual da educação. As mudanças tecnológicas mudaram a forma como fazemos muitas coisas. O modo de ensinar não é exceção.

A geração Z está substituindo rapidamente os millennials nas universidades. São jovens que nasceram em um mundo onde as informações estão prontamente disponíveis. Não é de admirar que muitos estejam questionando a importância do ensino superior.

Se acham um professor monótono, logo encontram alguém mais envolvente no YouTube, capaz de transmitir os mesmos conteúdos com mais apelo visual. Mas não é só isso.

Um relatório do grupo ECMC concluiu que 56% dos adolescentes esperam uma experiência discente que combine habilidades do pensamento acadêmico com a preparação prática para o mercado de trabalho.

Logicamente, o papel do professor não é mais o mesmo. Se por muito tempo o ensino esteve focado na transmissão do conhecimento, agora é a interação que ganha espaço, colocando o aluno como agente ativo da aprendizagem.

Talvez por isso seja cada vez mais comum adotar o edutainment (edutenimento, na tradução em inglês) — uma forma de entretenimento projetada tanto para educar quanto para divertir. O conceito, aliás, começa a orientar os currículos das principais redes de ensino do País.

Essa fusão entre educação e entretenimento já começa a moldar os currículos das principais redes de ensino no Brasil, mostrando que aprender pode ser tão envolvente quanto divertido.

Uma sala de aula diferente

Durante a pandemia, o grupo Ser Educacional, dono de dez instituições de ensino superior (IES) nas regiões Norte e Nordeste, fez uma aposta ousada. Entre os investimentos para a retomada da receita, surgiu a criação de um streaming próprio para o segmento da educação.

A plataforma conta com aulas rápidas, tutoriais, instrumentos de orientação de carreira e estudos de caso. O projeto faz parte de um sistema integrado que promete transformar o ensino, unindo recursos digitais, tecnológicos e acadêmicos. A expectativa é impulsionar o desenvolvimento de competências interpessoais e aproximar os alunos de profissionais renomados. “É uma nova forma de produzir conteúdo educacional, com foco na experiência do aluno”, explica Simone Bérgamo, diretora-acadêmica do grupo Ser Educacional.

O que eles gostam de aprender?

Um estudo feito em 2018 com mais de 1,4 mil estudantes de todo o Brasil já apontava para a importância de usar recursos como vídeos, desenhos, esquemas e cores para engajar os alunos. Organizada por professores da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), a Pesquisa Geração Z, contudo, mostrou que indivíduos nascidos entre 1995 e 2010 gostam de estudar apenas aquilo que têm interesse.

“Eles querem saber o porquê de estudar tal conteúdo. Querem saber em que situações irão utilizá-los e como podem levar o conhecimento para o dia a dia”, explica Gustavo Borba, um dos coordenadores do estudo. Tal mudança de paradigma acende o alerta para a necessidade de atualização constante por parte do corpo docente.

Por mais que o entretenimento esteja presente, obviamente ele não é o objetivo do processo de aprendizagem. O professor Gustavo Reis, fundador do projeto Estude Matemática, sintetiza o que centenas de milhares de estudantes desejam: aprender matemática de nível médio no conforto de casa.

Confira um dos vídeos do professor:

Somando mais de 1 milhão de seguidores nas principais redes sociais, o educador não acredita em “mágica” e, embora saiba como tirar proveito do mundo digital, desconfia de tudo o que reluz no universo tecnológico.

“Algumas plataformas tentam criar um denominador comum para que o conhecimento seja construído sem nenhuma fricção. Mas aprender, de verdade, dói”, afirma Reis. “É ingenuidade acreditar que vai haver uma solução ‘tamanho único’ para todos.”

O ceticismo em relação ao uso de ferramentas e conteúdo de entretenimento educativo inclui a ideia de que os alunos se acostumaram tanto a produtos chamativos e rebuscados que correm o risco de se tornarem dependentes de tais modelos.

Edutainment: vale a pena?

Experiências de edutenimento revelam impacto positivo no aprendizado. Mas há desconfiança em relação à dependência da tecnologia para adquirir conhecimento.

Prós

  1. Os alunos podem aprender em qualquer lugar, pois a tecnologia é portátil;
  2. Divertir-se enquanto aprende pode ajudar o estudante a se envolver verdadeiramente com o material;
  3. Misturar estilos de instrução tradicionais com tecnologia torna a aula menos previsível e o ambiente de aprendizado mais dinâmico;
  4. O aprendizado prático inspira a imaginação e estimula os alunos.

Contras

  1. O uso de dispositivos pode distrair alguns estudantes do aprendizado;
  2. Nem todos os universitários terão igual acesso à tecnologia dentro ou fora da sala de aula;
  3. Implementar e projetar jogos de computador, programas de televisão, vídeos etc. pode ser caro e difícil;
  4. Mais confiança na tecnologia e gamificação pode levar a uma diminuição da conexão humana interpessoal.

Dominando as tecnologias educacionais

O uso de metodologias ativas — como a sala de aula invertida e a aprendizagem baseada em projetos — pode ser uma boa saída para convidar o aluno a construir seu próprio conhecimento. Mas os ventos de mudança também requerem políticas públicas para que cada vez mais professores tenham acesso a oportunidades de continuar a sua formação.

“É preciso investimento não apenas na aquisição de dispositivos tecnológicos ou ambientes virtuais de aprendizagem, mas, também, na formação de docentes críticos e comprometidos com a experimentação e a avaliação de suas práticas pedagógicas”, lembra Livia Rodrigues, docente do Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada (EDM) da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP).

É fato que existem ofertas de dispositivos e plataformas suficientemente intuitivas, com diversas funcionalidades, como monitoramento de participação, gráficos de acompanhamento e relatórios de desempenho. Porém, o ponto focal não é a tecnologia em si.

A mudança técnica e de pensamento exige uma maior compreensão sobre a convergência entre o conteúdo e os meios de interação. A intenção é contribuir para a formação de profissionais que possam navegar e agir neste mundo de incertezas de forma autônoma, responsável e crítica.

Diante da nova realidade, Gustavo Borba, atual decano da Escola da Indústria Criativa da Unisinos, defende a inclusão de disciplinas obrigatórias para o desenvolvimento de capacidades socioemocionais nos programas de formação docente: “É preciso levar em consideração competências emergentes como mediar uma conversa, escutar os alunos e saber como conectá-los”.


Leia mais:


A tônica do ensino é outra

Um semestre de aulas com uma prova final não faz mais sentido para as mentes rápidas das novas gerações. Os estudantes precisam de desafios menores que permitam conquistas ao longo do percurso. Por isso, os professores devem manter os olhos abertos para as tendências internacionais mais inovadoras e eficazes na educação universitária.

Na maioria dos sistemas de gestão de aprendizagem, profissionais da docência e instituições de ensino são os que detêm o controle do conteúdo educacional. No entanto, a Learning Experience Platform (LXP), por exemplo, permite que os estudantes façam parte do processo, criando uma experiência mais personalizada, ativa e motivadora.

Com recursos aprimorados de relatório de dados, os professores também podem obter uma visão melhor do progresso dos alunos e identificar quaisquer lacunas de conhecimento ou habilidade. Esses insights podem ser usados para melhorar a qualidade do conteúdo ao longo do tempo.

O que impulsiona a inovação na educação

Existem seis pilares que devem ser monitorados por governos e pela sociedade a fim de garantir melhorias significativas no processo de ensino e aprendizagem. São eles:

  1. Recursos humanos: um ecossistema de inovação na educação depende das habilidades de professores, gestores e demais representantes do meio educacional;
  2. Organizações educacionais: a inovação está diretamente ligada à forma como o trabalho é organizado e à capacidade das IES absorverem e criarem novas práticas e conhecimentos;
  3. Novas tecnologias: a transformação digital também deve ser aceita no meio universitário. O uso do Big Data promete uma grande inovação na educação;
  4. Regulação e sistemas de ensino: novas ideias devem ser implementadas nos currículos e na organização do ensino superior. Para isso, é necessário que os atores envolvidos tenham espírito empreendedor e recebam financiamento da iniciativa privada e de governos;
  5. Pesquisa: a inovação na educação também depende de investimentos em pesquisa científica;
  6. Desenvolvimento educacional: assim como em outros segmentos, o meio educacional deve investir no desenvolvimento de ferramentas e processos que promovam melhorias para o dia a dia de estudantes e professores.

Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Mudanças necessárias

Mesmo nos cursos de formação nos quais o ensino é total ou predominantemente presencial, é preciso utilizar computadores ou dispositivos móveis para variados objetivos de comunicação. Mas de nada adianta colocar a infraestrutura tecnológica a serviço do modelo de educação tradicional, centrado na transmissão de informação.

O plano de ensino deve levar em conta a crescente valorização da preparação para o mercado de trabalho. É por esse motivo que o processo de reestruturação e expansão das IES costuma focar no desenvolvimento de soft skills; resolução de problemas, gestão de conflitos, trabalho em equipe, criatividade e tomada de decisão são algumas das características que compõem a paisagem da Educação 5.0.

“Os professores precisam desenvolver uma escuta sensível e um olhar atento para aqueles que são a razão da docência”, explica Gustavo Borba, da Unisinos. Mais do que isso, essa cultura pedagógica centrada no estudante deve ser falada, vivida e repetida diariamente. “Do contrário, não vai se perpetuar, cedendo lugar à falta de engajamento de alunos”, complementa.

As universidades que criam um ambiente seguro e agradável, inclusive, diminuem as taxas de abandono de curso. A verdadeira meta, portanto, deve ser ampliar o diálogo no processo ensino-aprendizagem. Para tanto, é preciso alternar os estilos de aprendizagem, empregar novas formas de avaliação e incentivar a comunicação.

Até o mobiliário e o desenho das salas é importante. Classes e cadeiras com rodinhas, paredes riscáveis e divisórias que ampliam a área, por exemplo, ajudam a romper com estruturas verticais e hierarquizadas que não cabem nos dias atuais. “Uma sala flexível permite que a turma tenha uma interação mais forte, que possa escrever em todos os cantos, desenvolver trabalhos em grupo, formar ilhas ou semicírculos. A mobília apoia esse processo todo”, afirma Borba.


Leia mais:

*Colaborou Renata Cardoso

You may also like

Comments

Leave a reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.