A maioria das pessoas nasce com genes para enxergar, defender-se, comer e andar. Mas não para ler. A leitura precisa ser aprendida – o que geralmente ocorre nos anos iniciais do ensino fundamental.
Autora do livro O cérebro no mundo digital: os desafios da leitura na nossa era (Editora Contexto, 2019), a neurocientista Maryanne Wolf diz que a ação de ler é uma conquista evolutiva. Leituras profundas, onde interpretamos sentenças inteiras, faz o cérebro andar em todas as direções possíveis, conectando áreas diferentes e aumentando a memória de longo prazo.
Mas o desenvolvimento dessa habilidade pode ser um desafio. Não é fácil fazer com que as crianças leiam de maneira orgânica e natural. Especialmente no Brasil, país com 11 milhões de analfabetos absolutos (6,6% da população) – sendo que esses 11 milhões são pessoas com idade acima de 15 anos. Alguém com 14 anos ou menos, que não consegue ler, nem sequer entra na estatística oficial.
Esse quadro, diga-se, pode ter piorado por conta da atual pandemia. Afinal, o distanciamento físico alterou a maneira de ensinar. Os professores agora adotam novos métodos de incentivo à leitura através de aulas e atividades virtuais. Se já era difícil estimular a leitura presencialmente em sala de aula, imagine fazer isso a distância?
Os desafios da leitura
Depois dos familiares que convivem com a criança, o professor é o que mais influencia a formação de leitores. Para a renomada pesquisadora Magda Soares, fundadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale) da UFMG, os docentes deveriam receber uma formação que os habilitasse a orientar adequadamente a aprendizagem dos alunos da educação básica.
“No caso do ensino da leitura e da escrita, não basta conhecer sobre a língua, conhecer teorias de leitura e de produção textual e teorias literárias. É preciso conhecer também como a criança aprende a ler e a escrever, como se forma um leitor, um produtor de textos, como desenvolver gosto pela leitura”, disse ela em entrevista publicada em 2017 pela Revista Pátio.
Tão importante quanto fazer com que a criança entenda o princípio alfabético, através de exercícios apropriados para a idade, é incentivar o hábito da leitura. Há quem defenda que isso ocorre através de métodos que aumentam o interesse pelas letras, frases e histórias ao longo da infância.
Os que têm hábito de ler geralmente também têm um bom histórico de alfabetização e cultura social. O problema, aqui, é que o brasileiro lê cada vez menos. Uma pesquisa mostrou que, de 2015 a 2019, o país perdeu 4,6 milhões de leitores. Especialistas creem que quase metade dos brasileiros não seja leitor regular. Entre os motivos apontados estão a falta de tempo e de paciência para ler.
É por isso que um professor do ensino fundamental (e mesmo do ensino médio, considerando o efeito cascata) pode encontrar dificuldade no fomento à leitura. Os últimos dados da Avaliação Nacional de Alfabetização, de 2016, mostram que apenas 45,3% das crianças aos 8 anos de idade tinham aprendizagem adequada em leitura e 66,1% em escrita.
No ano passado, acrescentou-se os efeitos da pandemia aos antigos desafios da leitura em sala de aula. Tais empecilhos, claro, não são os mesmos para todos. Escolas públicas tendem a ter mais dificuldades. Mas muitos professores, heróis em tempos de peste, não se dobram a elas.
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O incentivo à leitura
Existem muitos caminhos de incentivo à leitura. Tornar a leitura mais fácil e prazerosa para os pequenos leitores deve ser a meta. Isso vai além de decifrar os significados das palavras. É preciso instigar a relação dos textos com as experiências de vida e perspectiva dos alunos.
A partir dessa ideia, fazer jogos com palavras relacionadas ao vocabulário tende a ajudar. Quanto mais rico o léxico, afinal, mais fácil é ler e escrever.
Atividades de interação também ajudam nesse processo. Até porque, não custa lembrar, brincar é a principal atividade de desenvolvimento da infância. É interagindo com os outros, observando-os e participando das brincadeiras que as crianças se apropriam de processos básicos constitutivos.
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Outro recurso divertido de incentivo à leitura são os gibis. “A leitura de histórias em quadrinhos forma leitoras que gostam de todo o tipo de leituras, com a vantagem de criar também uma cultura de leitura infantil e comunidades leitoras de grande abrangência”, disse Valéria Aparecida Bari à revista Pesquisa Fapesp.
Bari é autora da tese O potencial das histórias em quadrinhos na formação de leitores: busca de um contraponto entre os panoramas culturais brasileiro e europeu, defendida em 2008.
“É preciso lembrar que a formação do leitor só chega ao amadurecimento se a pessoa gostar de ler. O vínculo emocional é um elemento fundamental. Nesse sentido, as histórias em quadrinhos, além da facilidade de mostrar conteúdos complexos para leitores iniciantes, também amadurecem a relação emocional entre o leitor e sua leitura.”
Há muitas outras possibilidades de incentivo à leitura. As escolas podem adotar bibliotecas virtuais, criar clube de leitura, sugerir aos pais e responsáveis que leiam com os pequenos ou coloquem livros em lugares de fácil acesso para eles.
De acordo com a BNCC (Base Nacional Comum Curriular), a leitura na Educação Infantil contribui para o “desenvolvimento do gosto pela leitura, do estímulo à imaginação e da ampliação do conhecimento de mundo”. Seja depois ou mesmo enquanto avança o processo de alfabetização, oportunidades regulares farão toda a diferença para o desenvolvimento da leitura independente e orgânica nas crianças.
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