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Recuperação de informações: a importância da memória na aprendizagem

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Imagine a cena: um caçador encontrado inconsciente numa lavoura é levado às pressas a um hospital. Os homens que o socorreram presumiram que ele tivesse tropeçado e batido a cabeça, mas o neurocirurgião identificou uma protrusão cerebral – resultado de ferimento à bala. Mesmo depois de recuperar a consciência, o caçador não fazia ideia do que tinha acontecido.

A principal hipótese era que alguém havia disparado, de longe, com uma espingarda. A vítima teve sorte: o projétil perdeu força e se alojou a poucos milímetros da parte interna do cérebro. Mas a situação ainda era complicada, pois envolvia um grande canal venoso responsável por drenar o cérebro. Examinando o ferimento, o médico percebeu que a bala e um osso estavam alojados na veia, agindo como uma espécie de plugue.

No momento da remoção da bala, pedaços do osso acabaram se soltando e o sangue jorrava sem parar. Sem tempo a perder, o cirurgião teve de recorrer a uma técnica que ele mesmo desenvolvera em outras cirurgias. Com isso, estancou a hemorragia e dias depois deu alta ao paciente, sem nenhuma sequela.

A história é descrita com mais detalhes no livro Fixe o conhecimento: a ciência da aprendizagem bem-sucedida, escrito pelos norte-americanos Peter Brown, Henry Roediger III e Mark McDaniel. O que se leva da experiência do médico com o caçador, dizem eles, é que existe um tipo de aprendizagem que vem da reflexão da experiência pessoal. Ao entrar no bloco cirúrgico, o cirurgião seguiu um protocolo ao qual já estava familiarizado.

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Instintivamente, ele agiu de reflexo, recorrendo ao que havia aprendido em sala de aula, em leituras e especialmente em experiências próprias.

Como aprendemos e lembramos

O caso é narrado no capítulo Para aprender, recupere as informações, que deixa clara a importância da memorização para a resolução de problemas. Afinal, ela pode responder pela diferença de desemprenho das pessoas nas mais variadas tarefas.

Através de mecanismos de codificação, retenção e recuperação, a memória se configura como um sistema em que a informação adquirida é armazenada – funciona como um HD de computador, podendo ser acionada a qualquer momento. Na situação do médico com o caçador, a recuperação de informações adquiridas previamente estabeleceu um link com a memória, permitindo que ele compreendesse o momento sob a perspectiva de experiências próprias.

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Sob a ótica dos métodos de aprendizagem, a recuperação de informações ainda é pouco compreendida por professores e alunos. Conhecido como efeito do teste, esse método vale-se da aquisição, da formação e da conservação de informações. “No fundo, gravamos o que aprendemos e lembramos o que gravamos”, escrevem os autores.

Desse modo, desacelerar o processo de esquecimento é um desafio que pode melhorar o aprendizado. Mas isso só é possível se houver prática: a repetição permite que a aprendizagem seja fixada com mais efetividade do que a simples reexposição ao material original. “A recordação repetida parece ajudar a lembrança a se consolidar em uma representação coesa no cérebro”, escrevem Brown, Roediger e McDaniel.

Os autores observam que o estudo intensivo (ou, como eles chamam: “meter a cara nos livros”) até pode levar a uma maior pontuação em testes imediatos, mas acaba em esquecimento mais rápido se comparado à recuperação de informações.

Motivo: a recuperação da memória oferece novos conhecimentos e habilidades – uma ferramenta de retenção mais duradoura. Aqui, a recordação fortalece e multiplica rotas neurais pelas quais os conhecimentos são recuperados. É assim que habilidades adquiridas se transformam em reflexos – e podem salvar vidas, como vimos.

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Aplicação em sala de aula

Em sala de aula, a simples inserção de um teste pode resultar em melhores notas nas provas finais. À medida que a quantidade de testes aumenta, melhor tende a ser o desempenho dos alunos. Estudantes testados ao longo de um curso inteiro têm dupla vantagem em relação a quem foi testado uma ou duas vezes, pois adquirem maior noção do que sabem.

Além disso, postergar a prática de recuperar informações é mais efetivo para reforçar a retenção do que a prática imediata – porque exige mais esforço. A ideia serve inclusive para feedbacks: retornos postergados costumam ser mais efetivos que aqueles feitos momentos depois de um evento específico.
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Ficha técnica

Título: Fixe o conhecimento: a ciência da aprendizagem bem-sucedida
Autores: Peter C. Brown, Henry L. Roediger III e Mark A. McDaniel
Editora: Penso
Ano: 2018
Nº de páginas: 256
Preço médio: R$ 69

 

Redação
A redação do portal Desafios da Educação é formada por jornalistas, educadores e especialistas em ensino básico e superior.

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