O Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) é um programa governamental para viabilizar o acesso de pessoas de baixa renda ao Ensino Superior em instituições privadas.
Seu funcionamento é aparentemente simples: o governo “empresta” o dinheiro das mensalidades, valor pago diretamente à instituição de ensino. Depois de formado, o aluno beneficiado paga a dívida.
Para ter direito a essa política de assistência, em tese, é necessário cumprir alguns requisitos, entre eles:
- Ter realizado a prova do Enem após 2010 e obtido nota igual ou superior a 400 na redação e média igual ou maior a 450 pontos;
- A renda familiar mensal deve ser inferior a três salários-mínimos por pessoa.
Vale ressaltar que há, ainda, a exigência de atingir determinada nota de corte para ter acesso ao financiamento – mas ela não está presente na Lei do Fies (Lei nº. 10.260/2001) e, sim, na portaria nº 38, de 22 de janeiro de 2021.
Ressaltar essas informações é importante, pois recentemente uma estudante de Medicina conseguiu o direito ao Fies na Justiça mesmo com nota insuficiente no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), de acordo com o portal jurídico Conjur.
A aluna da UNIBH, de Minas Gerais, moveu uma ação contra a Caixa Econômica Federal, a União e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) – mantenedor do FIES. Na ação, a estudante alegou que não possuía os recursos necessários para a sua permanência na universidade e que, durante o tempo em que esteve na instituição, vendia marmitas para custear os estudos.
Na UNIBH, o valor da mensalidade pode chegar a R$ 10,8 mil.
O que alegou o advogado?
O advogado responsável pela ação alegou que seu cliente possui hipossuficiência financeira nos termos da lei. Por isso, deveria ser contemplado pelo Fies.
Ele considerou que a portaria a qual determina uma nota de corte mínima para ingresso no programa de financiamento não deve prevalecer sobre a Constituição – que expressa a educação como um direito de todos e dever do Estado.
Assim, da mesma forma que seria inconcebível estabelecer critérios para acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS), a nota de corte seria uma afronta ao direito constitucional à educação, além de contrariar o objetivo do próprio Fies, pois impede a redução das desigualdades de acesso ao ensino superior.
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Como o magistrado avaliou o pedido?
O desembargador que atuou no caso deferiu o pedido de antecipação da tutela recursal, ou seja, acatou o pedido do advogado para “assegurar à parte demandante o direito à formalização do contrato de financiamento estudantil, com recursos do Fies, relativamente ao curso superior em que se encontra matriculada, independentemente das restrições descritas nos autos, até o pronunciamento definitivo da Turma julgadora”, conforme consta na decisão.
Ele considerou que, para isso, além dos critérios básicos para a concessão do Fies outros pontos deveriam ser levados em conta. Dentre eles, a renda familiar per capita proporcional ao valor do encargo educacional do curso pretendido e outros requisitos, bem como as regras de oferta de vagas.
O magistrado também alegou que o Fies é uma das maneiras de promover o acesso à educação, conforme previsto na Constituição: “O financiamento estudantil consiste em propiciar, sem qualquer limitação, o livre acesso ao Ensino Superior, sintonizando-se com o exercício do direito constitucional à educação e com a expectativa de futuro retorno intelectual em proveito da nação”.
Dessa forma, a decisão abre precedentes na jurisprudência para a concessão de antecipação de tutela do Fies para estudantes que preencham os requisitos mínimos previstos na Lei nº 10.260/2001, mas que não tenham obtido a nota de corte mínima.
“É uma decisão extremamente importante não só porque garante a continuidade da aluna no curso de Medicina, mas que pode beneficiar outros estudantes em situação semelhante”, concluiu Lucas Macedo Castro, advogado responsável pela ação com pedido de liminar.
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