Nunca se falou tanto sobre inteligência artificial (IA). Ainda mais depois do advento do ChatGPT. De novembro para cá, a sensação é de que a IA tem evoluído com velocidade. A todo momento surgem novas ferramentas de IA. E também incertezas sobre o futuro de diferentes áreas – entre elas, a educação.
Com o objetivo de entender esse novo cenário, e também celebrar o Dia da Educação, comemorado em 28 de abril, a Plataforma A convocou especialistas para debater o real impacto da IA no ensino-aprendizagem.
Promovido na quinta-feira (27), o webinar “Inteligência Artificial no Ensino Superior” contou com a participação de:
- António Moreira, professor Associado, Universidade Aberta (Portugal);
- Ronaldo Mota, diretor acadêmico do Instituto de Tecnologia Turing/ITuring e membro da Academia Brasileira de Educação;
A mediação foi de Igor Sales, gerente de Inovação de Conteúdo na +A Educação.
O que a IA representa para o ensino
Na abertura do webinar, Ronaldo Mota reconheceu que o momento é de ruptura. Apesar de os debates a respeito da inteligência artificial ocorrerem há décadas, as tecnologias atuais são bem mais complexas e avançadas.
“Pela primeira vez, temos a oportunidade de usar as máquinas não só para cumprir um conjunto de rotinas e tarefas pré-agendadas, mas também para embutir nelas a capacidade de aprender continuamente. Isso, definitivamente, não é pouca coisa”, observou.
Segundo Mota, que no passado foi reitor e chanceler na Estácio, a metacognição – capacidade humana de refletir sobre sua própria cognição, ou seja, de “aprender a aprender” – será o principal ponto de impacto educacional nos próximos anos. E esse processo está diretamente relacionado com as competências socioemocionais, qualidades únicas do ser humano.
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António Moreira lembrou que os processos de inserção da tecnologia no ensino foram acelerados pela pandemia, mas que o surgimento do ChatGPT foi o impulso que faltava para repensar as tendências da área.
O diretor da Universidade Aberta destacou que tanto o Plano de Educação Digital da União Europeia quanto o relatório da Unesco, divulgado recentemente, propõem a criação de um ecossistema de educação voltado para a área.
“Precisamos deixar de pensar na IA como uma ferramenta. Ela precisa ser vista como um ator do processo – assim como temos atores humanos, teremos também os não humanos”, defendeu. “A solução é buscar um equilíbrio, já que ambos os agentes terão relevância dentro de um modelo pedagógico colaborativo.”
Como incorporar a IA nos currículos?
Para aqueles que resistem aos avanços tecnológicos, Mota foi direto ao ponto: “Os gestores educacionais precisam entender que as instituições estão formando profissionais para o futuro, não para o passado”.
Para ele, concepções como as diretrizes curriculares devem se tornar cada vez mais defasadas. “As transformações trazem um cenário de incerteza, em que não é possível saber qual será o espaço de atuação dos futuros profissionais.”
A saída seria o aprimoramento de competências que podem ajudar os profissionais a enfrentar os desafios do mundo digital. Nesse sentido, o educador elencou algumas habilidades que fundamentais nesse cenário:
- Domínio de concepções de método;
- Domínio de conceitos básicos do método científico;
- Raciocínio analítico;
- Pensamentos abstratos;
- Sensibilidade;
Mas o desenvolvimento de competências socioemocionais não se restringe a criar disciplinas sobre o assunto. Para Ronaldo Mota, as soft skills têm a ver com o modo que gestores escolares e educadores entendem o processo educacional.
“Anteriormente, as instituições de ensino davam prioridade ao conteúdo de forma bruta, pois era isso o que a sociedade exigia. Agora, o modo como o estudante aprende melhor, quais ferramentas prefere e o contexto em que seu desempenho é otimizado podem ser tão importantes quanto o conteúdo em si”, afirmou.
Moreira acredita que os educadores precisam pensar na dimensão de criatividade, inclusive tendo uma visão artística de quais competências querem desenvolver nos alunos. Para o educador português, quatro elementos serão fundamentais nesse processo:
- Crítica;
- Comunicação online;
- Colaboração;
- Criatividade.
A IA seria um assistente no desenvolvimento dessas habilidades, agindo como mais um elemento de comunicação no processo educacional.
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Questões éticas da IA
A IA generativa, tecnologia por trás do ChatGPT, é bastante poderosa. Mas comete equívocos. Ronaldo Mota lembrou que a tecnologia chegou a dar respostas eticamente inaceitáveis para algumas perguntas – uma delas foi que, para dar fim ao aquecimento global, a solução seria acabar com a humanidade.
Para tirar a máxima eficiência da ferramenta, o especialista sugere que as pessoas o desenvolvimento de quatro letramentos:
- Linguístico: capacidade de entender e escrever textos complexos. Se o aluno copia o texto do ChatGPT, por exemplo, o professor deve explorar a capacidade dele de entender textos mais complexos;
- Matemático: entender estatísticas e probabilidades. Pessoas com uma boa formação matemática têm menos chances de acreditar em fake news;
- Científico: capacidade de entender métodos, o que evita questionamentos despropositados, como a defesa de que a Terra é plana, por exemplo;
- Digital: hoje em dia, é impossível formar profissionais que não sejam capazes de ler imagens, dominar o ambiente digital e trabalhar em plataformas online.
O grande desafio, destacou Mota, é fazer com que os jovens não copiem as máquinas. “Compaixão, trabalho em equipe, capacidade de apreciar e produzir arte estão entre os aspectos que vão diferenciar os seres humanos da inteligência artificial e garantir que as pessoas tenham chances no mercado de trabalho”, pontuou.
Acesso à IA no ensino superior
Outro fator que gera debates sobre inteligência artificial na educação é seu papel na democratização do ensino. Para António Moreira, quem não tiver acesso a tecnologias como o ChatGPT ficará excluído de uma realidade global, o que só aumenta as desigualdades.
“É preciso entender as assimetrias globais e criar condições para que haja um acesso universal ao conhecimento e à educação”, argumentou. Cabe, então, aos governos a resolução de questões de infraestrutura e acessibilidade digital.
Para os dois especialistas, não há dúvidas de que a inteligência artificial pode contribuir para a democratização do acesso ao ensino superior. O desafio é evitar que, em vez de uma aproximação, se crie um abismo social ainda maior entre quem está inserido nessa realidade e quem sequer ter uma rede de conexão aceitável.
Mota diz que a solução é criar canais digitais, aumentar a acessibilidade tanto nas escolas quanto nas residências (urbanas e rurais) e, claro, produzir conteúdo de alta qualidade. “Essa é a maneira pela qual as tecnologias digitais podem colaborar com um mundo de mais igualdade de oportunidades”, resumiu.
De opinião semelhante, António Moreira acha que haverá um momento em que não teremos mais distinções entre as inteligências humanas e artificial. “Elas estarão integradas e vão contribuir para uma sociedade melhor e para a construção do conhecimento.”
O webinar está disponível na íntegra no YouTube da Plataforma A.
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