Claudia Costin, sobre o novo marco da EaD: “É preciso garantir a diversidade de oferta no ensino superior”

Redação • 11 de agosto de 2025

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    Regulamentada em maio de 2025 pelo Decreto nº 12.456, a Nova Política de Educação a Distância trouxe uma série de desafios para as instituições de ensino superior (IES) — da infraestrutura dos polos à transição para modelos que exigem maior carga presencial. Entretanto, a mudança também pode ser uma oportunidade para qualificar a formação universitária.


    É o que pensa Claudia Costin, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) e fundadora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (Ceipe). Para a especialista, que já atuou como diretora sênior de Educação do Banco Mundial e como presidente do Instituto Singularidades, o chamado novo marco regulatório da EaD é um avanço necessário, mas que só será efetivo se os professores também desenvolverem competências digitais.


    Em entrevista ao portal Desafios da Educação, Costin falou sobre a aplicabilidade do modelo semipresencial, a importância da prática nas licenciaturas e os impactos da inteligência artificial (IA). Confira!

    Como a senhora avalia as mudanças trazidas pelo marco regulatório em relação à presencialidade?


    O novo marco regulatório representa um avanço significativo, pois estabelece com clareza quais profissões não podem ter uma formação 100% EaD. Na área da Saúde, isso faz todo o sentido. Desde o primeiro ano da graduação, os futuros médicos já devem estar conectados com um hospital universitário, observando procedimentos. Aprendendo, sim, teoria, fisiologia humana, bem como a história da Medicina, mas em conexão com a prática. Isso se aplica a Enfermagem e demais cursos da Saúde. 


    Fico um pouco em dúvida com relação ao campo do Direito. Acredito que poderia haver uma carga mais intensa de EaD. Tenho, inclusive, a impressão de que parte das mudanças tem a ver com pressões corporativistas, de defesa do espaço de trabalho dos profissionais. 


    Para mim, está muito claro que o modelo semipresencial, com um mínimo de 30% de presencialidade, incluído o estágio, é associado às licenciaturas — embora aqui a conexão entre teoria e prática também seja relevante. Como já dizia Darcy Ribeiro, a profissão de educador é uma das mais complexas. Então, precisamos olhar com atenção para isso. 


    Na sua visão, quais os principais riscos decorrentes dessa regulamentação?

     

    É importante assegurar a diversidade no ensino superior como um todo — ou seja, garantir que existam instituições em que se combina pesquisa acadêmica e pesquisa aplicada junto com o ensino, mas também uma oferta de IES para pessoas que precisam trabalhar e, ao mesmo tempo, querem continuar com seus estudos. O ideal é que esses estudantes possam fazer pelo menos parte das aulas em casa ou onde quer que estejam — inclusive no seu próprio trabalho, se tiverem autorização para isso. Seria bom não perdermos essa diversidade. 


    Se o setor que oferece EaD entrar em crise, a oferta de vagas ficará limitada. Por outro lado, entendo que deve ocorrer uma depuração da oferta, porque há cursos a distância que não contam com atividades síncronas para os estudantes e nem polos com estrutura para realizar provas presenciais. Nesse sentido, o Ministério da Educação (MEC) fez bem em dar um prazo de dois anos para que as IES possam se ajustar.


    É fundamental zelar pela qualidade do ensino superior. Caso contrário, estaremos vendendo uma farsa para os alunos, que, muitas vezes, se endividam para pagar um curso que não entrega o mínimo. O resultado é que esses estudantes acabam não tendo nem a empregabilidade que gostariam, nem a aprendizagem de que necessitam. 



    E quais são as oportunidades proporcionadas pelo novo marco?

     

    Essas oportunidades se conectam com a ideia do que os norte-americanos chamam de lifelong learning, ou aprendizagem ao longo da vida, que consiste em permitir que o adulto que já concluiu seus estudos possa se reinventar — ainda mais com o advento da inteligência artificial e a extinção acelerada de postos de trabalho. Ou até aqueles que não têm curso superior e que depois de alguns anos no mercado entendem que já está na hora de iniciar uma graduação. Temos que expandir não só o acesso, mas sobretudo a conclusão do ensino superior. Infelizmente, a taxa de desistência é bastante elevada no Brasil. Nas licenciaturas, por exemplo, chega a 60%.


    A senhora defende que a formação de professores não funciona 100% a distância. Nesse caso, o semipresencial é o formato adequado?


    Eu entendo que esse formato pode ser uma alternativa para as licenciaturas e para Pedagogia. Um modelo que eu acho interessante é o do Chile, que conta com cerca de 20% de carga horária a distância. Isso ocorre não só para que o estágio seja presencial, mas por causa de algo que é chamado de homologia de processos. Ou seja, ao formar o estudante — e futuro docente da educação básica —, o professor universitário deve adotar uma pedagogia (ou andragogia, que é o conceito usado para falar em educação de adultos) similar ao que esse aluno usará quando ingressar na profissão. Então, o estudante aprende não somente a partir do conteúdo que o professor lhe passa, mas também com a forma de ensinar que esse professor adota. 



    Diante dos avanços da tecnologia, como assegurar a qualidade da formação sem engessar a evolução da EaD?


    A tecnologia avança de várias maneiras. Uma delas é substituindo postos de trabalho. Michael Osborne e Carl Benedikt Frey, dois pesquisadores da Universidade de Oxford, estimam que milhões de postos de trabalho serão extintos até 2030, o que é bastante assustador. Sim, outros postos serão criados, mas vão demandar competências muito mais sofisticadas. E essas competências não poderão ser repassadas por meio de arquivos de PDF ou vídeos assíncronos.


    Para competirmos com robôs, ou seja, com a IA, temos que valorizar aquilo que nos faz humanos. Pensando especificamente nas licenciaturas, é importante lembrar que não há como ensinar de forma assíncrona competências socioemocionais, bem como as competências do século XXI, sem que o próprio professor as desenvolva. E não estamos falando aqui de professores de competências socioemocionais, mas de professores de Matemática com competências socioemocionais, de professores de História com competências socioemocionais, que possam ser persistentes, resilientes e abertos ao novo. E isso só pode ser feito com interação humana. 


    Ao pensar em um cenário em que a tecnologia avança de forma acelerada, também é preciso prestar atenção na presencialidade. Podemos oferecer certas atividades a distância? Podemos. Mas, para termos êxito nisso, é essencial desenvolver as competências digitais dos próprios docentes. Uma parte desse trabalho pode ser feita a distância e outra no presencial — como, por exemplo, em grupos nos quais os educadores interagem e aprendem a usar os recursos digitais como ferramentas pedagógicas. A verdade é que os professores hoje dominam o meio digital, mas não necessariamente para o processo de ensino. E isso é algo que precisa mudar com urgência.

    Por Redação

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