Com um ano de atraso, a Lei de Cotas foi aprovada na Câmara dos Deputados em agosto. A legislação garante a reserva de vagas nas universidades e institutos federais para estudantes negros, pardos, indígenas, com deficiência e de baixa renda da escola pública.
O Senado Federal aprovou, no dia 24 de outubro, as mudanças no texto, que segue para sanção presidencial.
A Lei 12.711/12, que criou o sistema de cotas, já previa a reformulação da política após dez anos de implantação — o que deveria ter ocorrido no ano passado, mas foi adiada para 2023.
Originalmente proposto pela deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), o Projeto de Lei nº 5384/20 foi aprovado com o texto do substitutivo da relatora, a deputada Dandara (PT-MG). Para se tornar lei, o PL ainda precisa passar por discussão no Senado antes de seguir para sanção presidencial.
As alterações na Lei de Cotas foram avaliadas de forma positiva por pessoas que vêm acompanhando o tema das ações afirmativas de perto. O projeto é uma tentativa de movimentar a educação superior na direção da inclusão e do combate às desigualdades. “O mais importante de todo esse processo era a permanência de uma política efetiva de reparação histórica”, afirma a deputada federal Daiana Santos (PcdoB-RS) ao Desafios da Educação.
As mudanças da Lei de Cotas
Ampla concorrência
A nova lei determina que os estudantes cotistas terão suas notas avaliadas primeiro para a ampla concorrência e somente depois para as cotas. A mudança tenta corrigir uma distorção provocada pela legislação anterior, que tornava a disputa para cotistas mais acirradas do que na ampla concorrência.
Dessa forma, os alunos terão uma opção a mais para acessar a universidade e não um limitador do acesso. Pelos critérios da legislação atual, a nota mínima para aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é mais alta para cotistas de determinados grupos do que para candidatos inscritos no sistema de ampla concorrência, como os de escola particular.
Renda de até 1 salário-mínimo
Metade das vagas de estudantes cotistas serão reservadas para pessoas negras com renda familiar de até 1 salário-mínimo (R$ 1.320) per capita. A lei em vigor destina a mesma quantidade de vagas, mas o requisito era de um salário-mínimo e meio por integrante do núcleo familiar.
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Quilombolas
A nova Lei de Cotas também prevê a inclusão de estudantes quilombolas nas cotas para instituições federais de ensino. O texto anterior, aprovado em 2012, dizia apenas que deveria existir a reserva de vagas para autodeclarados pretos, pardos e indígenas — medida que chega meses após a repercussão dos dados sobre os quilombolas no Censo 2022, que, pela primeira vez, recebeu um reconte específico dessa população.
Prazo da lei
O texto estabelece que a Lei de Cotas seja avaliada a cada dez anos, com ciclos anuais de monitoramento e atualizada quando necessário. Também estabelece que o governo federal e as instituições de ensino criem ferramentas para sistematizar dados que mostrem os impactos da lei.
A nova legislação deve criar mecanismos de acesso aos dados dos estudantes para que se possa acompanhar melhor os resultados da política.
Lei de Cotas na pós-graduação
Uma das principais mudanças que a nova lei prevê é a adoção de ações afirmativas para o ingresso de pessoas cotistas também na pós-graduação. Entretanto, o texto não estabelece que tipo de medidas deve ser tomadas pelas universidades.
Dessa forma, a legislação tenta garantir flexibilidade às instituições. Também se espera que, com a nova Lei de Cotas, os programas de inclusão já existentes nas pós-graduações sejam mais efetivos.
Anna Venturini, diretora de políticas de ações afirmativas do Ministério da Igualdade Racial, defende a autonomia das cotas na pós-graduação. “O projeto de lei estabelece como regra a proposta de ações afirmativas com flexibilidade para que cada universidade possa propor e executar suas políticas afirmativas de maneira a atender às suas especificidades e às diferenças em seus processos seletivos”, diz.
De acordo Venturini, mais da metade dos programas de pós-graduação acadêmicos das universidades públicas do País adotavam, até dezembro de 2021, diferentes modalidades de ações afirmativas em suas seleções. A nova Lei de Cotas deve aumentar ainda mais esses números.
Prioridade para bolsas estudantis
Outra novidade na legislação é que agora os estudantes beneficiados com as ações afirmativas também terão prioridade para acesso a bolsas de permanência e demais formas de auxílio estudantil. A medida vale para faculdades, institutos federais e programas de pós-graduação.
O histórico da lei
Embora sancionada em 2012, a Lei de Cotas é resultado de um conjunto de lutas sociais que ocorreram décadas antes da sua promulgação.
Em 2002, a Universidade Estadual da Bahia (UNEB) e a do Rio Janeiro (UERJ) foram precursoras na implementação de ações afirmativas para o ingresso de pessoas negras no ensino superior. No âmbito federal, a política de cotas foi adotada pela primeira vez dois anos depois pela Universidade de Brasília (UNB).
Em um país desigual, as políticas afirmativas no Brasil nasceram a partir da ideia de reparação histórica, cultural e social. Dessa forma, a Lei de Cotas foi projetada para reduzir a exclusão social de grupos com pouca — ou nenhuma — representatividade.
De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2022, 42,8% dos brasileiros se declararam como brancos, 45,3% como pardos e 10,6% como pretos. Ainda que a maioria da população brasileira seja representada por não brancos, a ocupação e representação dessas pessoas nas instituições de ensino superior (IES) são minoria.
É diante desse cenário que a Lei de Cotas visa compensar e equiparar a representação de pretos, pardos, indígenas com deficiência e de baixa renda da escola pública nas universidades e instituições federais. Mas ainda há um caminho longo para percorrer. “É preciso políticas públicas eficientes desde a base educacional até o mercado de trabalho”, diz a deputada Daiana Santos.
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