Ensino Superior

Pós-graduação stricto sensu: crise ou transformação?

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A pós-graduação stricto sensu passa por um momento turbulento – seja pela pandemia de covid-19, falta de investimentos, crise econômica ou devido às transformações sociais causadas por uma geração de alunos cada vez mais conectada.

A professora titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e participante da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Débora Foguel, classifica a situação do setor como uma “crise generalizada”.

Já para a assessora da presidência da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (ABMES) e integrante da Comissão de Elaboração do Plano Nacional da Pós-graduação Stricto Sensu 2021-2030, Iara de Xavier, o momento é de uma transição paradigmática no setor.

Pós-graduação stricto sensu sofre com cortes dos investimentos governamentais e fechamento de programas em instituições privadas. Créditos: Pexels.

A importância da pós-graduação stricto sensu

A crise – ou transformação – da pós-graduação stricto sensu tem um caso emblemático. Neste ano, a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) ganhou o noticiário ao anunciar o fechamento de 12 programas de pós-graduação (PPGs). Alguns deles tinham as melhores notas do país nas suas áreas, segundo avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Em comunicado, a instituição informou que houve significativa queda do número de matrículas como resultado da crise econômica, da redução expressiva de financiamento público para o ensino superior e da pandemia. Na avaliação da Unisinos, o fechamento dos PPGs foi necessário para promover o seu equilíbrio financeiro.

Professora titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Débora Foguel.

Para Foguel, o contexto é lamentável. “Como dizia Carlos Chagas Filho, um dos fundadores do Instituto de Biofísica da UFRJ que hoje leva seu nome, ‘Aqui se ensina porque se pesquisa’. Ou seja, aqui se ensina com qualidade porque temos pesquisa e pós-graduação, que irrigam e enriquecem as nossas aulas. Isso se perde com o fechamento de cursos de pós-graduação que encerra muitas pesquisas”, afirma.

“É fato que a pós-graduação não visa dar lucro nem se autofinanciar. Entretanto, a existência desses programas qualifica o debate acadêmico e possibilita concretamente a inserção no mundo científico e intelectual. Assim, todos se beneficiam, principalmente os alunos dos cursos de graduação”, corrobora Xavier, da ABMES.

Segundo Xavier, apesar da qualidade geral da pós-graduação brasileira ser reconhecida – inclusive, internacionalmente -, o setor passa por um momento de reflexão em relação à demanda, assim como em relação ao modelo de mestrado e doutorado ofertado pelas IES.


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 Análise

Para a consultora especialista em stricto sensu, Daiane Folle, a trajetória recente do setor está dividida em dois momentos. O primeiro diz respeito ao passado recente, quando houve um forte aporte de recursos do governo federal em políticas públicas na área.

“Havia bolsas de estudo para alunos de mestrado, doutorado e pós-doutorado como nunca se tinha visto, além de inúmeros editais de fomento à pesquisa e inovação. Certamente, isso deu um fôlego para que a procura pela formação neste nível se ampliasse. Os recursos que eram diretamente destinados à graduação em IES privadas garantiu a sustentabilidade dos programas stricto sensu de todo o país”, analisa Folle.

O segundo momento envolve o cenário atual do ensino superior, onde o volume de recursos destinados para bolsas de pesquisa e financiamento da pós-graduação stricto sensu reduziu significativamente, assim como caiu o montante de recursos que antes era destinado para o financiamento dos estudos em graduação.

“Consequentemente, a procura pela formação em nível stricto sensu reduziu. Não é tarefa fácil para as IES públicas – e muito menos para as privadas – conseguir completar as vagas ofertadas anualmente”, pontua.

De qualquer forma, pondera a especialista, em nenhum dos cenários apresentados o stricto sensu se mostra sustentável. “A grande diferença é que antes havia recursos que permitiam sustentar o desenvolvimento de pesquisa e bolsas em número suficiente que viabilizaram o aluno a acessar a formação em nível stricto sensu”, comenta Folle.

De forma geral, a matemática é simples: o número de vagas ofertadas na pós-graduação anualmente é infinitamente menor do que o número de vagas ofertadas por um curso de graduação. O valor da mensalidade de um programa stricto sensu é menor do que muitos valores de mensalidades de cursos de graduação em IES privadas.

“Além disso, falamos de um grupo de docentes com vínculo em tempo integral e com uma carga horária significativa destinada exclusivamente para atuar no programa. Somado a isso, os programas stricto sensu, a depender das suas linhas de pesquisa, necessitam de altos investimentos anuais em laboratórios, insumos e infraestrutura. Mesmo sem mostrar os números, é evidente que a receita é muito menor do que as despesas. Por isso, a conta ao final não fecha”, explica a especialista.

As IES privadas no cenário nacional stricto sensu

No Brasil, a pesquisa ainda está mais associada às IES públicas. “São poucas as instituições privadas que investem em pesquisa e em pós-graduação. Muitas oferecem MBAs ou mestrados profissionais, que são cursos mais rentáveis”, comenta Foguel.

Segundo a professora, trazer a pesquisa e a pós-graduação para dentro das instituições privadas seria muito importante. Mas, para isso, seria necessário “deixar de visar tanto o lucro e mais sua contribuição para o esforço nacional que ainda precisamos fazer de formar graduados, mestres e doutores no país.”

Assessora da presidência da ABMES e integrante da Comissão de Elaboração do Plano Nacional da Pós-graduação Stricto Sensu 2021-2030, Iara de Xavier.

Na visão de Xavier, os egressos das IES privadas têm como objetivo principal a inserção imediata no mercado de trabalho, além de capacitações voltadas para competências e habilidades que os instrumentalizem para o exercício profissional pautado nas tecnologias digitais e no empreendedorismo.

“Nesse sentido, há um distanciamento profundo entre o modelo de pós-graduação e os interesses e expectativas dos egressos dos cursos de graduação, independentemente da área de conhecimento”, completa Xavier.

Caminhos possíveis para a pós-graduação

Para Xavier, os desafios estão colocados para todos os educadores e gestores, que precisam urgentemente conceber novas bases para a pós-graduação.

“É necessário estabelecer relações dialógicas com os demais níveis educacionais, com o mundo do trabalho, com as startups, com foco nos perfis dos cursos de graduação. Além disso, há a necessidade de ressignificar a política dos programas de pós-graduação, flexibilizando os currículos e centralizando o estudante como protagonista”, aponta.

Segundo ela, as universidades privadas precisam desenvolver programas stricto sensu inovadores, criativos e empreendedores “que contribuam na solução de problemas concretos inerentes à qualidade de vida da população brasileira, contemplando também a inserção internacional e que possibilite articulação dos níveis locais e globais.”


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