Em junho de 2022, mais de 310 instituições da sociedade civil apresentaram a Agenda 227. O documento reúne 148 propostas que estabelecem a prioridade absoluta das crianças e adolescentes na formulação, execução e avaliação de políticas públicas. A iniciativa é direcionada aos candidatos à presidência da República nas eleições deste ano.
O nome do movimento é inspirado no artigo 227 da Constituição Federal, que diz o seguinte:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Para atender todas as demandas relacionadas à criança e ao adolescente, a Agenda 227 dividiu seus trabalhos em três blocos: Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); Inclusão, Diversidade e Interseccionalidades; e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.
Dessa forma, foi lançado o “Plano País para a Infância e a Adolescência“, documento que sintetiza todas as propostas. Na coordenação do movimento, estão 18 organizações da sociedade civil – entre elas, o Instituto Alana.
As articulações da Agenda 227
O processo de formulação da Agenda 227 começou a ser discutido em 2021. O Instituto Alana e a Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância) entenderam que as eleições presidenciais de 2022 seriam um momento propício para concretizar um plano com ações voltadas para essa população.
“O movimento nasce a partir de um cenário desafiador. No processo eleitoral, a sociedade está mais mobilizada e atenta. Portanto, vimos uma janela de oportunidade para disseminar a noção da prioridade absoluta dos direitos de crianças e adolescentes”, explica Renato Godoy, membro do grupo executivo da Agenda 227 e coordenador de relações governamentais do Instituto Alana.
O grupo de trabalho que articulou a construção da Agenda 227 convidou entidades do Centro de Referência de Educação Integral (CREI) para atuar na elaboração das propostas. São organizações que já faziam o acompanhamento da pauta e têm entendimento desta realidade no Brasil.
“Foi feito de uma forma genial e trabalhosa, com longas reuniões semanais e muito diálogo. As propostas representam essas instituições da sociedade civil e sua atuação na infância. Acreditamos que a educação deve ser integral, democrática e inclusiva”, conta Beatriz Benedito, analista de políticas educacionais do Instituto Alana.
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Educação é um direito da infância
Na Agenda 227, o eixo da Educação traz dez propostas de políticas públicas. São elas:
- Instituir e regulamentar o Sistema Nacional de Educação (SNE);
- Implementar políticas educacionais de formação inicial e continuada, gestão e infraestrutura, com financiamento adequado;
- Implementar políticas de oferta de matrículas, acesso e permanência;
- Definir critérios objetivos e transparentes para formulação e aplicação do orçamento público em educação nos três níveis de gestão (União, Estados, Municípios e Distrito Federal);
- Instituir e implementar políticas nacionais de valorização dos profissionais de educação;
- Fortalecer as instâncias de participação da sociedade civil – organizações, profissionais da educação, famílias, estudantes e comunidades – na formulação e implementação de políticas públicas de educação;
- Desenvolver e implementar medidas de enfrentamento à cultura de segregação escolar dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e superdotação/ altas habilidades;
- Implementar mecanismos permanentes e políticas públicas de equidade racial e de gênero na educação de todos os bebês, crianças e adolescentes desde a creche, especialmente para a população negra, as/os quilombolas e povos indígenas;
- Elaborar, implementar e fortalecer políticas públicas de Educação do Campo para as populações do campo, das florestas e das águas desde a creche, com garantia de dotação orçamentária, em todos os níveis da federação – União, Estados, Distrito Federal e Municípios;
- Definir diretrizes orçamentárias e de gestão para a implementação da educação integral e ampliação da jornada escolar em toda a Educação Básica, com especial atenção ao Ensino Fundamental.
O objetivo é promover um sistema educacional que atenda de fato as necessidades das crianças e adolescentes do país. “O marco do Brasil avançou muito, mas o modelo é por si excludente. Então, é preciso pensar que se a gente quer novos resultados, não podemos usar as mesmas ferramentas”, diz Pilar Lacerda, uma das coordenadoras do grupo de trabalho de Educação da Agenda 227.
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Um cenário desafiador
Um estudo, realizado pelo Ipec para o Unicef, revela que 11% dos jovens de 11 a 19 anos (11%) não estão frequentando a escola no Brasil. A porcentagem é equivalente a cerca de 2 milhões de crianças e adolescentes da rede pública de ensino nesta faixa etária.
A publicação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) 2021 e do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2021 também reforça o cenário crítico na educação brasileira. Para se ter uma ideia, a proporção dos estudantes do 2º ano do ensino básico nos três primeiros níveis, ou seja, que não conseguem sequer ler palavras isoladas, passou de 15,5% em 2019 para 33,8%, em 2021.
A pandemia ainda distorceu os dados do Ideb. Isso porque um dos indicadores que ajudam a medir a situação do ensino no país é o número de reprovações. Mas, durante a pandemia, por orientação do Conselho Nacional de Educação (CNE), alguns estados adotaram a aprovação automática dos alunos.
Contudo, especialistas em educação, como Lacerda, destacam que esse parâmetro não faz mais sentido para definir qualidade no ensino. “Há uma mentalidade que só aprendemos quando somos reprovados. É mentira, estudos mostram que isso é falso. Então, já passou da hora de deixarmos esse entendimento para trás. Por isso, eu penso que as movimentações por mudanças são muito importantes”, ressalta.
Iniciativas como a Agenda 227 são necessárias não apenas para pressionar governos, mas também para que seja enfatizado melhorias inerentes ao desenvolvimento da sociedade, por meio da educação. “A falta de investimento na educação é um problema. Mas a coordenação e a gestão também ajudam a aumentar a crise que estamos passando no país”, afirma Benedito.
As perspectivas para o ensino no Brasil, por meio da Agenda 227, aponta para a construção constante de uma educação de qualidade e que consiga chegar a todas as crianças. “Isso precisa ser reafirmado e reinserido nos programas governamentais, nos orçamentos e nas leis anualmente. A publicação deve servir como uma espécie de guia para o gestor de políticas públicas implementar”, explica Renato Godoy.
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