De uns tempos para cá, especialmente com a ascensão das aulas assíncronas (gravadas), o modo rápido rompeu as fronteiras do entretenimento. É difícil obter dados específicos sobre a prática, mas parece haver um número crescente de alunos aderindo à aceleração.
Em maio de 2021, o WhatsApp começou a liberar um recurso que acelera áudios – o que permite ao usuário ouvir as mensagens em velocidade mais rápida do que o normal. Essa opção é oferecida desde 2018 pelo concorrente Telegram. Assim como pelas plataformas Netflix, YouTube e Spotify, que permitem tanto acelerar quanto diminuir a velocidade de vídeos e podcasts.
Os adeptos costumam dizer que o método facilita a vida de quem tem pouco tempo para estudar. Além disso, ajuda a reduzir o tempo de exposição à tela, revisar conteúdo, recuperar matérias e até mesmo aumentar a produtividade e o foco.
“Eu sinto que consigo focar mais [com os vídeos acelerados]. Às vezes, a forma de falar do professor é meio lenta e fica fácil perder a atenção”, disse Kaio Ayres Neri, estudante de Biomedicina e de Desenvolvimento de Sistemas, em entrevista ao portal Terra.
Quanto à produtividade, a questão é matemática: com o botão 2x, o tempo de duração de uma aula cai à metade. Uma palestra de uma hora, por exemplo, é exibida em 30 minutos. Na velocidade 1,25x, a lição dura 48 minutos; na 1,5x, 40 minutos.
Cabe dizer que a aceleração dos vídeos não é novidade. Há anos existem movimentos na internet que defendem e ensinam o truque para estudar em preparação para provas e concursos. Ou mesmo para assistir filmes e séries, como mostrou um estudo canadense.
A diferença agora é que, segundo a BBC News Brasil, o movimento (em inglês chamado de speed watching) ganhou fôlego porque a tecnologia se tornou a principal interface das pessoas com o mundo exterior. Isso mexeu diretamente na rotina – no lazer, no trabalho e, claro, no estudo.
Prós e contras do estudo acelerado
À primeira vista, o truque soa prejudicial à aprendizagem. E pode ser mesmo. “O estudo acelerado pode prejudicar o processo de apropriação do conhecimento, pois o cérebro precisa de um tempo para decifrar a mensagem e gerar a aprendizagem”, diz Thuinie Daros, autora do livro recém-lançado A Sala de Aula Digital: Estratégias Pedagógicas para Fomentar o Aprendizado Ativo, On-Line e Híbrido (Penso, 2021).
Falando especificamente sobre o impacto na criançada, Angeline Uenoyama, psicóloga do Espaço Clínico Ápice, acrescenta: “Se por um lado ajuda a ganhar tempo, por outro os vídeos acelerados podem acelerar uma criança ansiosa”.
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Pesquisas mostram, no entanto, que o resultado não é tão ruim assim. Um estudo da Universidade Stanford (EUA), realizado com 6 mil alunos de cursos virtuais, indicou que quem assiste videoaulas em modo 1,25x – isto é, 25% acima da velocidade original – obtém notas melhores, segundo a revista Veja.
O estudo mostrou ainda que aqueles que aceleraram as aulas registraram menor taxa de evasão e uso menos frequente da tecla de pausa, o que indica maior concentração e interesse. “Não são todos os que se adaptam, mas nossa experiência demonstrou que a maioria pode se beneficiar da economia de tempo, principalmente se empregar os minutos poupados para ler ou fazer uma revisão do conteúdo”, disse à Veja o americano David Lang, um dos responsáveis pela pesquisa.
Ou seja: se há ganho de conhecimento, não é necessariamente pela aceleração, mas pelo tempo que sobra para estudar mais.
Outro estudo conduzido pela Universidade de Waseda, no Japão, fez testes semelhantes ao de Stanford e chegou à conclusão parecida. Com um alerta aos estudantes: se o avanço da aula for rápido demais, o resultado cai. Recomenda-se que o limite máximo de aceleração do vídeo não ultrapasse 1,5x.
Aos professores, Thuinie Daros diz que, ao perceber que a aula está sendo constantemente acelerada, é preciso rever a abordagem pedagógica e introduzir a atividades de interação.
“É fundamental que o professor varie os recursos e estratégias. Com tantas possibilidades disponíveis, é inadmissível ofertarmos apenas a aula expositiva, tendo a memorização como único recurso de aprendizagem ao estudante”, diz Daros, que é co-fundadora da Téssera Educação e head de cursos híbridos e metodologias ativas da Unicesumar EaD.
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