*Por Alex Sandro Gomes, Thaisa Sampaio e Rosane Alencar
Desde a revolução industrial, ambientes físicos de edificações escolares e, mais recentemente, ambientes digitais ou virtuais para a educação são projetados e utilizados sem adequação dos reais sentidos das práticas para seus usuários. No Brasil dos anos 1950, Anísio Teixeira desenvolveu uma escola inovadora para a época.
Naquele contexto, propôs um novo modelo que combinava ambientes e formas de aprendizagem diferenciadas, imbuídos de um sentimento de brasilidade embrionário. Ele vislumbrava uma emancipação dos modelos educacionais tradicionais.
Foi um marco histórico para o desenvolvimento das gerações nascidas a partir do século 20 no Brasil (BASTOS, 2009), e representou um conceito de escola essencialmente brasileiro.
Apesar desse momento virtuoso, nas décadas subsequentes observou-se o declínio progressivo da qualidade do ensino público, e a concentração de soluções inovadoras em escolas privadas.
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No Brasil, as políticas públicas nacionais vêm repetindo há décadas a proposição de modelos arquiteturais padronizados, baseado apenas em critérios de dimensionamento mínimo, impedindo qualquer flexibilização dos ambientes escolares.
Importantes agentes governamentais ainda investem na reprodução de conceitos padronizados de espaços de aprendizagem (SARMENTO et al. 2020), seguindo os princípios racionalistas e modernistas. E, ainda, desconsidera ajustes climáticos e socioculturais, mesmo em um país tão amplo, para efetiva percepção da educação contemporâneas.
No final do século 20, volumosos investimentos foram direcionados à inserção de tecnologias computacionais em escolas brasileiras. Entretanto, há poucas evidências da efetividade dessas soluções e escassas reflexões sobre os métodos projetuais utilizados para sua apropriação.
Assim como em projetos arquitetônicos escolares, o design de tecnologias educacionais também costuma desconsiderar formas de participação dos usuários durante seu processo de projetação, descolando-se do objetivo principal: corresponder aos sentidos e significados das práticas dessas comunidades.
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Historicamente, os espaços de aprendizagem físicos e digitais são produzidos por meio de metodologias idiossincráticas de concepção, também denominadas ad hoc. Com relação à apropriação de espaços digitais de aprendizagem observa-se, com frequência, a prescrição de soluções importadas de outros países, reproduzindo práticas coloniais.
Podemos citar, como exemplo, a adoção massiva do ambiente virtual de aprendizagem Moodle, concebidos na Austrália, pela quase totalidade dos projetos brasileiros de educação aberta e a distância (BRASIL, 2007).
A apropriação acrítica desses modelos revela a reificação de uma identidade colonial brasileira. Isso é evidente no design de arquiteturas escolares, no design de ambientes virtuais de aprendizagem e no design integrado de espaços mundanos e digitais.
Sugere ainda não haver uma tomada de consciência do papel dos designers na concepção de inovações que potencializem os saberes locais e promovam bem-estar nas sociedades atendidas. Trata-se de perceber a prática do design como epistemologias culturais. Que efeitos colhemos dessas escolhas no setor educacional?
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Na concepção de ambientes físicos e digitais de aprendizagem, as metodologias projetuais podem partir das condições reais de uso das soluções desenvolvidas. Reis (2013) e Morais (2013) concordam que o design deve ser compreendido como parte fundamental da cultura material contemporânea o qual permeia a vida social e produtiva de seus usuários finais.
Paradigmas emergentes de design surgem com novo fôlego, para promover inovação e valorizar elementos culturais, em particular nos referimos às abordagens decoloniais de design. As relações de colonialidade nas esferas econômica e política não findaram com a destruição do colonialismo (QUIJANO, 1989), mas a continuidade dessas formas de poder ainda influencia pessoas e instituições.
Segundo Grosfoguel (2008), os estados-nação periféricos e os povos não-europeus vivem hoje sob o regime da “colonialidade global” importando modelos, ideias e inovações em diferentes áreas do conhecimento.
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O conceito de brasilidade colocado por Darcy Ribeiro (REF), que se articula com o giro decolonial (Maldonado-Torres, 2005), movimento que vem se desenhando nos últimos anos em países ex-colônias, permite que o design desenvolva referências próprias para educação.
Não se trata de rejeitar a produção humana do Norte Global, mas construir uma concepção de design específica à educação brasileira em seu caráter constitutivo heterogêneo da diversidade climática e cultural das regiões (BALSAMO, 2011). Significa superar métodos projetuais instrumentais para promover intervenções articuladas aos sentidos das práticas para seus usuários.
O design antropológico é um exemplo de corrente que integra práticas etnográficas e sensoriais ao design (PINK, 2015; INGOLD, 2014) propondo abordagem fenomenológica e permitindo que designers e usuários participem conjuntamente de um processo contínuo de transformação.
Incorporar a participação dos usuários, ou tentar colocar-se na sua condição, consegue-se, consistentemente, uma compreensão de suas experiências, dos significados, dos sentimentos e emoções envolvidas (SMITH & KJAERSGAAARD, 2014).
As abordagens decoloniais são formas de afirmação identitária que buscam substituir soluções importadas e de épocas passadas, por soluções autênticas para o setor da educação básica. Como citado por Ballestrin (2013), é hora de treinar o desprendimento intelectual, ampliar aberturas, quebrar amarras e desobedecer a ‘normas’, como estratégia para a decolonização epistemológica da educação.
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Referências
BALSAMO, A. Designing culture: The technological imagination at work. Duke University Press, 2011.
BALLESTRIN, L. América Latina e o giro decolonial. In: Revista Brasileira de Ciência Política, nº11. Brasília, maio – agosto de 2013, pp. 89-117.
BASTOS, M. A. J. Escola-parque: ou o sonho de uma educação completa (em edifícios modernos).
Rev. AU Arquitetura e Urbanismo, ed. 178, 42-45pp., 2009. BRASIL, M. E. C. Referenciais de qualidade para educação superior a distância.
Secretaria de Educação a Distância. Ministério da Educação. Disponível em< http://portal. mec. gov. br/seed/> Acesso em, v. 15, 2007. INGOLD, T.
That’s enough about ethnography! In: HAU: Journal of Ethnographic Theory, v. 4, n. 1, 383–395pp., 2014.
GROSFOGUEL, R. Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. In: Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 80, p. 115-147, 2008.
SMITH, R. C.; KJAERSGAARD, M. G. Design Anthropology in Participatory Design from Ethnography to Anthropological Critique? In: PDC ’14 Companion, 2014, Windhoek, Namibia Proceedings… Windhoek: ACM, 2014. Oct. 2014, 217-218pp.
PINK, S. Doing sensory ethnography. London: Sage, 2015.
MORAES, Dijon de. Multiculturalismo como cenário para o design. In: MORAES, Dijon de (org.). Design e multiculturalismo, Cadernos de estudos avançados em design. 2ª ed. Ed: UEMG, 2013.
REIS, A. A. dos. A materialidade do design. In: MORAES, Dijon de (org.). Design e multiculturalismo, Cadernos de estudos avançados em design. 2ª ed. Ed: UEMG, 2013. QUIJANO, Aníbal. Modernidad, identidad y utopía en América Latina. Lima: Ediciones Sociedad y Política, 1988.
SARMENTO, T. S.; VILLAROUCO, V.; GOMES, A. S. Arranjos espaciais e especificações técnicas para ambientes de aprendizagem adequados a práticas educacionais com blended learning. Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 20, n. 1, p. 365-390, jan./mar. 2020
Sobre os autores
Alex Sandro Gomes, atua há 20 anos com design de ambientes de aprendizagem. Professor do CIN/UFPE, líder do grupo CCTE (Ciências Cognitivas e Tecnologia Educacional), e idealizador da plataforma de aprendizagem. asg@cin.ufpe.br
Rosane Maria Alencar da Silva, professora Associada do Departamento de Sociologia/UFPE, líder do grupo Educação e Sociedade e do grupo CCTE (Ciências Cognitivas e Tecnologia Educacional). Trabalha há 20 anos com formação inicial e continuada de professores dos diversos segmentos educacionais. rmas3@cin.ufpe.br
Thaisa Sampaio Sarmento, mestre em Arquitetura e Urbanismo pela UFAL e doutora em Design pela UFPE. É professora da Universidade Federal de Alagoas desde 2006, tendo atuado no Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFAL, Campus Arapiraca entre 2006 e 2014. Coordenadora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFAL. É Líder do Grupo de Pesquisa IDEA – Interseções entre Design e Ambiente Construído – FAU/UFAL/CNPq, e pesquisadora do Grupo de Pesquisa ErgoAmbiente – UFPE/CNPq. thaisa.sampaio@fau.ufal.
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