A busca por realização profissional entre as mulheres está reconfigurando o mercado de trabalho. No Brasil, as vagas ocupadas pelo gênero feminino aumentaram 8,1% entre 2012 e 2018. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são mais de 40 milhões de mulheres em atividade laboral.
Dessas, pelo menos 400 mil atuam na educação superior pública e privada. A participação das mulheres no ensino superior cresce, em média, 5% ao ano, de acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Isso tem feito com que a ocupação feminina nos cargos de liderança tenha se tornado mais comum.
Paula Pontara, por exemplo, há quatro anos está à frente da direção-geral da Faculdade de Telêmaco Borba (Fateb), no Paraná. Formada em Psicologia e uma das fundadoras da instituição, atuou primeiramente como diretoria administrativa e financeira. “Eu não conhecia gestão educacional, mas percebi que ganharia respeito e credibilidade se dominasse tudo que era necessário”, lembra.
Para o cargo, Pontara cursou MBA em Gestão Empresarial. A especialização, segundo a psicóloga, foi essencial para entender os diversos setores e processos inerentes à gestão de uma instituição de ensino superior (IES), como logística, legislação trabalhista e organização financeira.
“Quando assumi a direção-geral, em 2014, estava plenamente segura para desempenhar a função. E nunca senti resistência ou preconceito por ser mulher”, diz Pontara, que não é a única mulher em um cargo de liderança na Fateb.
Hoje, todas as diretoras pedagógicas da faculdade são do gênero feminino. Na coordenação da IES, dez dos 16 integrantes são mulheres. E dos 14 líderes administrativos, 11 são mulheres. “Não é por feminismo, mas por competência. Não importa a raça, o credo, a cor ou a orientação sexual, mas a capacidade das pessoas. Apenas precisamos saber extrair o que cada um tem de melhor”, resume a diretora.
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Liderança e segurança
O estudo “Empoderamento e Gênero: Um Estudo com Mulheres que Ocupam Cargos de Gestão em uma Universidade Federal” revela que a independência pessoal e financeira é a principal motivação das mulheres que querem crescer na carreira. Mas chegar a um cargo de liderança pode não ser tão simples.
Há uma dificuldade comum entre boa parte das mulheres: equilibrar as tarefas de trabalho com os compromissos familiares e do lar. No Brasil, elas destinam em média duas vezes mais tempo às tarefas domésticas do que os homens. Essas duplas ou triplas jornadas, segundo as autoras da pesquisa, podem prejudicar a continuidade dos estudos e o próprio crescimento profissional, dificultando o acesso aos cargos de chefia.
“As cientistas conceituadas geralmente são mais velhas porque aumentam sua produtividade depois dos 50 anos, quando não têm mais filhos para criar”, explica Hildete Pereira de Melo, professora associada da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF).
“Já a carreira masculina começa a despontar na casa dos 20 e, dali 15 anos, o homem consegue uma bolsa de produtividade e pesquisa, que é o tipo mais importante do sistema cientifico e tecnológico brasileiro”, acrescenta.
Segundo a economista, isso acontece devido à desobrigatoriedade de conciliação de múltiplas tarefas. “Os homens geralmente não precisam adequar suas rotinas e têm liberdade para se dedicar à pesquisa, que exige muito esforço”, diz Melo, que pesquisa os temas economia e gênero e acumula experiência na área desde 1973. “O cuidado da família fica a cargo da mulher e eu sou exemplo disso. Meu marido fez a tese de doutorado em 1968 e eu só defendi a minha 20 anos depois.”
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O que as mulheres querem
Apesar da maior participação feminina no mercado de trabalho, há mulheres que ganham menos do que homens para desempenhar as mesmas funções. Divulgada em 2018, pelo IBGE, a pesquisa “Estatísticas de gênero – Indicadores sociais das mulheres no Brasil” mostra que elas recebem 23,5% a menos do que eles, apesar de terem maior taxa de escolaridade (16,9% das mulheres acima dos 25 anos têm ensino superior completo, enquanto os homens graduados representam 13,5%).
Outro dado que chama atenção é justamente os postos de liderança. Enquanto elas ocupam 37,8% dos cargos de gerência, direção ou gestão, os homens estão à frente do resto: 62,2%.
Melo, da UFF, observa que, apesar da explosão do movimento feminista e das mulheres na política, a estrutura das IES obedece a uma lógica própria.
“Ainda que estejamos no século 21, o universo acadêmico é masculino”, diz. “Apenas 33% das bolsas de produtividade e pesquisa são concedidas às mulheres e, nas reitorias, a participação das mulheres é muito menor.”
A Kroton, um dos maiores grupos educacionais, parece disposta a mudar esse cenário. Pelo menos 55% dos 26 mil funcionários são do gênero feminino. A empresa ainda tenta aumentar a participação feminina nos cargos de liderança. Para isso, inclui pelo menos uma mulher nos processos seletivos externos e internos.
Os estudos dedicados a compreender as causas da desigualdade entre gêneros costumam recorrer às teorias de poder – onde quaisquer relações são formadas por um indivíduo dominado e outro dominador.
Mas o poder não se limita ao controle. De acordo com o sociólogo francês Pierre Bourdieu, a interação e o envolvimento também são parte do processo de “empoderamento”. Ou seja, de “tomar o poder para si”.
No campo organizacional, esse empoderamento consiste em ter iniciativa e agir efetivamente: exatamente o que as mulheres desejam e vêm colocando em prática.
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Cinco gestoras e um gestor
A Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB) nasceu onde a educação formal começa: no jardim de infância. O que hoje é um dos centros universitários mais modernos de São Luís, no Maranhão, teve início em 1958 na escolinha Pequeno Polegar, fundada por Maria Izabel Rodrigues e a sócia Maria de Lourdes Aroso.
As duas “Marias” queriam uma escola inovadora. Buscaram técnicas de teatro e dramatização, música e poesia – metodologias ativas que sequer haviam ganhado esse nome – em referências nacionais e internacionais.
Para inaugurar o empreendimento, as professoras escreveram 30 cartinhas às amigas que eram mães, convidando-as a matricular seus filhos. A Pequeno Polegar inaugurou capacidade com máxima e expandiu praticamente uma série por ano até oferecer o ensino médio completo.
A segunda geração da família, formada pelas irmãs Ceres Murad e Elizabeth Rodrigues, entrou no negócio e o expandiu. Em 2002, a escola deu origem à faculdade UNDB.
“Já havíamos adotado a pedagogia de projetos. Quando inauguramos a faculdade, iniciamos a metodologia de Cases de Harvard [que estimula a racionalização de soluções para problemas reais]. Recentemente abrimos o leque para outras metodologias ativas, embora nossos alunos sempre tenham tido a cultura de realizar estudos com autonomia”, diz Ceres Murad, atual reitora da UNDB.
A terceira geração (formada pelas filhas de Ceres Murad, Rebeca e Raíssa; e os filhos de Elizabeth Rodrigues, Evandro e Isabella) seguiu o legado da família. E, em 2015, assumiu a UNDB – que integra o Grupo Dom Bosco no Maranhão – em um novo modelo de gestão.
“Empresas familiares têm visão de longo prazo, maior lealdade dos colaboradores e clientes e preservação da cultura, mas questões familiares mal administradas podem prejudicar o negócio. Adotamos a governança corporativa porque queríamos minimizar esses riscos”, diz Rebeca Murad, diretora-geral de Gestão da instituição.
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Três anos depois, a UNDB obteve o grau de centro universitário. Essas mudanças garantiram destaque à IES no cenário regional e nacional: recebeu três vezes o Selo de Qualidade da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), está na 15ª posição entre as brasileiras que mais aprovam na OAB e o melhor curso de Arquitetura e Urbanismo de São Luís, segundo o Ministério da Educação (MEC), entre outras distinções.
O sucesso da UNDB, claro, não pode ser atribuído exclusivamente à gestão das mulheres. “O diferencial não depende do gênero, mas decorre, principalmente, do nível de qualificação dos seus dirigentes, da metodologia adotada, do planejamento e do cumprimento das metas”, opina Elizabeth Rodrigues, filha da fundadora Maria Izabel Rodrigues e atual presidente do conselho de administração.
Alguns traços da liderança feminina, no entanto, se destacam. “Acredito que temos sensibilidade e paixão pelo que fazemos. Olhamos os detalhes e as entrelinhas”, diz a diretora acadêmica da UNDB, Graciana Cordeiro.
Em pé de igualdade
Na Ser Educacional, que tem a maior parte de suas instituições de ensino localizada no Nordeste, muitas mulheres estão à frente de centros universitários e direções de unidades. A informação é de Simone Bergamo, pró-reitora acadêmica da Uninassau e diretora acadêmica do Grupo Ser Educacional.
“Para assumir a direção ou reitoria de qualquer instituição de ensino, a mulher ou o homem precisará se destacar, de alguma forma, dentro das instituições. São cargos que necessitam de disponibilidade de tempo, conhecimento de mercado e experiência de gestão”, diz.
O exemplo se aplica à Patrícia Giusti, pró-reitora acadêmica da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), no interior do Rio Grande do Sul, desde 2012. Habilidosa na gestão, ela busca fazer com que a universidade de perfil comunitário, fundada em 1960, ganhe cada vez mais destaque no cenário nacional – hoje, a IES já é nota máxima na avaliação do MEC em Odontologia e nota 4 no curso de Medicina.
A UCPel aposta alto em tecnologia, como laboratórios de prototipagem e impressão 3D, para preparar seus alunos – tudo pensado por Giusti. “Independentemente de ser homem ou mulher, não tem como ser líder sem ter conhecimento daquilo que é necessário para o trabalho”, afirma a pró-reitora, que é fisioterapeuta de formação e doutora em Educação.
“Quando iniciei na pró-reitoria, percebi que havia poucas mulheres na atividade. Mas ao longo dos anos identifiquei uma mudança. Hoje, somos muitas”, completa Giusti.
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