O mercado opera no ritmo incessante das inovações e exige dos profissionais o desenvolvimento de novas competências, processo que deve ser iniciado dentro das universidades. Nesse caso, a adoção de métodos de ensino personalizados pode colaborar para a formação de um capital humano alinhado à dinâmica dos novos tempos. Daí a importância da trilha de aprendizagem.
Pautada pela flexibilidade, a metodologia respeita os diferentes padrões de evolução apresentados pelos alunos. A trilha de aprendizagem permite que o professor alterne níveis de tutoria mais liberais ou ostensivos, garantindo a supervisão na medida certa para cada perfil de estudante. O equilíbrio entre a autonomia e o respaldo, portanto, está no cerne dessa abordagem.
Apesar de oxigenar o paradigma educacional, a trilha de aprendizagem deve respeitar as particularidades de cada instituição de ensino superior (IES). Não existe uma fórmula pronta; o modelo precisa ser elaborado na prática. “É um constante planejar, experimentar, avaliar e aperfeiçoar”, explica Gilson Castadelli, coordenador do Núcleo Tecnológico de Educação Aberta das Faculdades Integradas de Ourinhos (NTEA-FIO), no interior de São Paulo.
Mestre em tecnologia da informação e comunicação na formação em educação a distância, além de especialista em metodologias ativas de aprendizagem, Castadelli conversou com o Desafios da Educação sobre o assunto. A seguir, confira os principais trechos da entrevista.
Qual a importância do desenvolvimento de competências no mercado atual?
O conceito de competência se refere à capacidade de mobilizar recursos para abordar e resolver uma situação complexa. Isso se torna cada vez mais importante nos dias de hoje. Vivemos em um cenário de inovação constante e de elevado grau de incerteza, com inovações científicas e tecnológicas que não podem ser encaradas a partir de questionamentos simplistas. Esse ineditismo exige um conjunto de novos atributos a serem desenvolvidos pelo indivíduo.
Leia mais: Por que se fala tanto em competências para a educação?
E a trilha de aprendizagem podecontribuir para esse processo?
Sim. A trilha de aprendizagem é como um caminho virtual para o desenvolvimento intelectual. A produção desse tipo de metodologia de absorção de conhecimento deve necessariamente ser pautada pelas competências que queremos alcançar.
Como isso funciona? Quais são as principais características do método?
O ponto central é a possibilidade de o aluno desenvolver autonomia em relação aos desafios estabelecidos. Vou usar uma analogia descrita por Jay Cross (sociólogo norte-americano que popularizou o termo e-learning) em seu livro Informal Learning: Rediscovering the Natural Pathways (lançado em 2006 e inédito no Brasil). Ele acredita que o modelo formal de conhecimento funciona melhor com profissionais novatos. Esses indivíduos precisam ser “conduzidos por um ônibus” ao longo da jornada de aprendizado. O conceito, portanto, se refere às trilhas mais rígidas. A aprendizagem informal, por sua vez, é mais adequada a profissionais maduros. Eles “pilotam o próprio carro” durante o percurso. Ou seja, a evolução se dá por trilhas mais flexíveis e autônomas. Já os profissionais seniores não precisam de trilhas. Eles fazem o trajeto de bicicleta, criando os próprios caminhos e até guiando os demais.
Mas como identificar os padrões na prática? Você teria alguns exemplos?
Uso como referência o trabalho desenvolvido nas Faculdades Integradas de Ourinhos (FIO), onde eu leciono. As primeiras disciplinas a utilizarem trilha de aprendizagem foram as do curso presencial de Administração. Elas serviram, até mesmo, como base para a modalidade EAD do curso, que foi aprovado recentemente pela comissão do MEC. Um dos planejamentos foi feito para a disciplina de Administração de Sistemas de Informação e utilizou um formato híbrido e apoiado em metodologias ativas de aprendizagem. Algumas unidades de aprendizagem que representam parte do conteúdo programático foram selecionadas e distribuídas estrategicamente ao longo do semestre, com aplicação de atividades baseadas em metodologias ativas.
De que forma as trilhas foram construídas para esse caso?
Foi criada uma trilha central, chamada de Projeto Integrador. O modelo agrega as unidades específicas de cada disciplina e as unidades de apoio, que possuem conteúdos complementares. Cada unidade tem um conteúdo particular que possibilita a utilização da metodologia ativa de sala de aula invertida. O procedimento também permite que o professor empregue outros sistemas, como peer instruction, problematização ou aprendizagem baseada em projetos.
Leia mais: Glossário: as metodologias inovadoras para a educação superior
Quais foram os resultados atingidos com a aplicação do plano?
Observamos que o planejamento das atividades ajudou a direcionar o trabalho durante o semestre. E isso refletiu diretamente na forma como os alunos se organizaram para enfrentar os desafios propostos. O método exigia estudos individuais em alguns momentos, mas estimulava a colaboração entre o grupo em outras fases. Todo o conteúdo foi liberado no início do semestre. Assim, conseguimos identificar, logo de cara, quais alunos preferiram ir de “ônibus”, de “carro” ou de “bicicleta” rumo ao destino “saber”. Esse foi um grande diferencial proporcionado pelo uso de trilhas de aprendizagem.
Ao estabelecer diferentes padrões de evolução, a trilha de aprendizagem acaba influenciando os parâmetros de avaliação. Como a Faculdades Integradas de Ourinhos tratou essa questão?
A trilha de aprendizagem deve estar alinhada ao processo de avaliação instituída. Na FIO, implementamos um critério inovador, dividido em duas fases. A primeira é a avaliação formativa. Aqui, o aluno é avaliado pelo desempenho durante o percurso de aprendizagem e pode receber orientações do professor ou do tutor enquanto evolui em suas atividades. Essa etapa representa 40% da nota. Os outros 60% são alcançados pela avaliação somativa, aplicada ao final do percurso para verificar a apropriação de informações por parte do estudante. Ela tanto pode ser uma avaliação formal presencial como um trabalho acadêmico que sintetiza as experiências do aluno durante o semestre.
Leia mais: Os métodos de avaliação na Educação 4.0
A FIO encontrou uma solução própria para essa questão. Podemos depreender que a aplicação do modelo depende das particularidades de cada instituição ou existe uma fórmula para construir a trilha de aprendizagem perfeita?
Não existe trilha perfeita. O que existe é um constante planejar, experimentar, avaliar e aperfeiçoar. Esse movimento traduz o trabalho do profissional de educação que busca a melhoria constante, estimulado por uma “insatisfação positiva”. A irresignação age como mola propulsora. E todos ganham com isso: alunos, professores, comunidade e o próprio país.
Comments