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Na Coreia do Sul, avós que não sabiam ler têm aulas com os netos

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Coreia do Sul escolas

Hwang Wol-geum (à esquerda) e colega durante aula: junto aos netos, senhoras de uma cidade rural na Coreia do Sul aprendem a ler e a escrever. Crédito: reprodução/KBS.

Há 60 anos, escondida atrás de uma árvore, a pequena Hwang Wol-geum chorava. Enquanto suas amigas iam para a escola e aprendiam a ler e a escrever, ela cuidava dos irmãos mais novos, colhia lenha e tratava de porcos na pequena fazenda da família.

Mais tarde, quando teve os próprios filhos – seis no total –, mandou todos para o colégio e à faculdade. Mas a dor de nunca ter podido escrever cartas aos filhos ou ajudá-los na tarefa da escola nunca abandonou Hwang, que completou 70 anos de idade em 2019.

Até que o algo aconteceu. Como outras escolas rurais coreanas, a Elementar Daegu, da cidade de Gangjin, viu suas salas de aulas ficarem vazias por não ter crianças em idade escolar o suficiente para enchê-las. Ao todo, havia apenas 24 alunos – quatro décadas atrás, eram 90 alunos em cada série.

A escassez de crianças nas escolas rurais da Coreia do Sul é uma realidade cada vez mais comum. A taxa de natalidade no país é de menos um filho por mulher – um dos índices mais baixos do mundo. Os municípios do interior são mais atingidos, na medida em que os jovens casais migram para os centros urbanos na busca de melhores empregos e remunerações mais altas.

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Desesperado para salvar a escola de 96 anos, o diretor Lee Ju-young, junto a outros moradores, teve a ideia de matricular moradores mais velhos que quisessem aprender a ler e escrever.

O departamento de educação local gostou da ideia. Além de Hwang Wol-geum, outras sete mulheres, de 56 a 80 anos, matricularam-se na escola Elementar Daegu. E pelo menos outras quatro já pediram para ser matriculadas em 2020.

Quando ingressou na sala de aula, Hwang não conteve as lágrimas. Chorou, mas dessa vez chorava de felicidade pelo primeiro dia de aula. “Carregar uma mochila para a escola sempre foi meu sonho”, disse ela ao jornal The New York Times.

De lápis na mão, Hwang e outras duas avós entoavam as 14 consoantes e dez vogais do alfabeto coreano, enquanto o professor conduzia uma a uma ao quadro branco da sala de aula da primeira série. Elas escreveram palavras como “tia”, “pescador” e “gambá”.

Hwang vai à escola todas as manhãs, usando o mesmo ônibus amarelo que seus colegas. A surpresa é que três deles são seus parentes. Melhor, seus netos. Um deles está no jardim da infância e outros dois na terceira e na quinta série.

Hwang ficou preocupada por estar na escola durante a temporada de colheita de morangos. Para compensar, acordava às 4h e ajudava seu marido, seu filho e a nora a colher os morangos antes de ir para a aula.

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A população de Gangjin ganha a vida plantando morangos e groselhas ou colhendo ostras, mariscos e polvos na maré baixa. O munícipio está localizado na ponta sudoeste do litoral da Coreia do Sul – típica área rural deixada para trás na rápida industrialização do país. A grande indústria de Gangjin de artigos de cerâmica fechou as portas em 1970 quando os plásticos passaram a substituir a louça nas cozinhas coreanas.

Para os mais jovens que querem continuar na região, o futuro da cidade dependia de manter a escola viva. “Quem começaria a vida aqui se não houvesse escola?”, perguntou Noh Soon-ah, esposa de um dos filhos de Hwang, que deixou o emprego em uma fábrica de automóveis de uma grande cidade para dar continuidade ao negócio agrícola da família em Gangjin.

A apanhadora de polvos, Park Jong-sim, 75 anos, de vez em quando tirava os óculos para secar as lágrimas causadas pelo cansaço, enquanto tentava manter os olhos focados no caderno. Ir à escola passou a ser sonho distante para Jong-sim depois que o pai faleceu, quando ela tinha 8 anos. Passou a infância colhendo rami e criando bichos-da-seda.

Aluna da escola primária, Jong-sim diz que pronunciar as palavras é difícil e que acorda antes do dia nascer para praticar caligrafia. “Minha memória, mão e língua não funcionam mais como eu gostaria”, disse ela. “Mas vou aprender a escrever antes de morrer.”

“Elas estão ansiosas para aprender”, acrescentou a professora Jo Yoon-jeaong, de 24 anos. “Provavelmente são os únicos estudantes que pedem mais lição de casa.”

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Redação Pátio
A redação da Pátio – Revista Pedagógica é formada por jornalistas do portal Desafios da Educação e educadores das áreas de ensino infantil, fundamental e médio.

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