Em 2015, professores do Colégio Dom Pedro II, instituição federal do Rio de Janeiro, criaram o Núcleo de Games, Atividades e Metodologia de Ensino (NuGAMES). Os alunos do ensino fundamental participaram da experiência com o propósito de gerar evidências sobre a utilização dos videogames em sala de aula.
Um grupo de pesquisadores foi convidado a analisar o NuGAMES, a fim de entender como aplicar técnicas de gamificação no currículo. Eles concluíram que os chamados “jogos comerciais” promovem habilidades relacionadas ao ensino e aprendizagem.
Esse estudo foi relatado no livro “Ludicidade, Jogos Digitais e Gamificação na Aprendizagem”, escrito por Luciano Meira e Paulo Blikstein. A obra foi publicada pelo selo Penso, da editora Grupo A.
“Nos jogos eletrônicos, há o que chamamos de mecânicas, que nada mais são do que estratégias para manter o usuário engajado. Esse conceito pode ser facilmente aplicado no currículo escolar, isso é a gamificação na educação”, explica Meira, professor de Psicologia e CSI na Proz Educação e um dos autores do livro.
Neste texto você vai:
- Entender o que é gamificação;
- Quais são as suas vantagens;
- como aplicá-la no contexto escolar.
O que de fato é gamificar o ensino
Gamificar os currículos escolares não é apenas levar os alunos para a sala de informática da instituição para que participem de jogos educativos. Os conteúdos dos videogames não são necessariamente as ferramentas de enfoque na gamificação, mas sim sua construção.
“Existem bons e maus jogos. Os bons são aqueles que possuem um design interessante e uma estratégia envolvente, que estimulem as crianças e que possam ser trazidos para o contexto escolar. Os maus são exatamente o contrário disso, não têm mecânica alguma”, diz Meira.
Um exemplo é o jogo GTA (Grand Theft Auto, que em português significa “roubo de automóveis de alto valor agregado”) que, para o autor, é muito bem elaborado, apesar do níveis de violência. De acordo com pesquisadores da Escola de Saúde Pública T.H. Chan, de Harvard, isso por si só não influencia no comportamento das crianças.
Mesmo assim, o professor não recomenda jogos desse tipo para serem trabalhados na escola, em razão da classificação indicativa para maiores de 18 anos.
“As pessoas não saem cometendo atos ilícitos apenas por conta do videogame. Na maioria dos casos, havia outras condições que as levaram a fazer determinadas coisas. Mesmo assim, como educador, eu sugiro jogos mais ficcionais para as crianças, como o Fortnite”, aconselha Meira.
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Uma prática com benefícios reais
As discussões sobre uma reformulação de currículos para se adequar à era da tecnologia têm se intensificado. Esse debate foi aquecido por pesquisas que mostraram os benefícios da gamificação na aprendizagem.
Um exemplo é o estudo publicado no Jama Network Open, em outubro deste ano, que indicou a possibilidade de os videogames auxiliarem na performance cognitiva das crianças. Os autores analisaram dados do projeto Adolescent Brain Cognitive Development (ABCD), ainda em andamento.
No estudo, cerca de 2 mil crianças, entre 8 e 9 anos, foram divididas em dois grupos. Cada equipe foi avaliada por meio de dois testes, um com jogos, outro apenas pela memorização de imagens.
Enquanto os participantes executavam as tarefas, seus cérebros foram escaneados mediante ressonância magnética funcional (fMRI, na sigla em inglês). Os cérebros daqueles que jogavam videogame mostraram mais atividade em regiões associadas à atenção e à memória.
“As descobertas são consistentes em relação a que os videogames melhoram as habilidades cognitivas que envolvem a inibição da resposta e a memória de trabalho”, divulgaram os pesquisadores no estudo.
Mesmo com evidências que apontam para um benefício advindo desses recursos – que podem ser utilizados em sala de aula – Meira alerta que videogames não ensinam.
“Os jogos eletrônicos promovem a aprendizagem, mas sozinhos não têm essa eficácia. Isso quer dizer que eles funcionam com acompanhamento de metodologias, dentro de uma estrutura pedagógica”, pontua o professor.
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Entenda como aplicar a gamificação
Os jogos eletrônicos podem trazer uma série de benefícios para os estudantes do ensino básico. Agora, entenda como utilizar suas mecânicas para ter resultados parecidos em sala de aula:
1 – Aprendizado além das salas de aula
Trocar pesquisas por tarefas não usuais pode ser um bom caminho para estimular um aprendizado significativo nos estudantes, como um quiz interativo, jogos de completar frases e correlação de imagens e palavras.
Um exemplo é o Kahoot!, plataforma de aprendizado com testes de múltipla escolha que pode ser acessada por meio de um navegador da Web ou do aplicativo Kahoot! para IOS e Android.
2 – Flashcards
Os flashcards são cartões virtuais com textos ou imagens para suscitar questões simples para o aluno. Trata-se de uma ferramenta que serve para exploração e memorização de conteúdo, bem como para avaliação e autoavaliação.
3 – Avaliação por pontos
Uma mudança interessante é avaliar os alunos por pontos ao invés de notas em atividades específicas. Com isso, a nota final será composta também pela pontuação acumulada durante o ano letivo.
Basta estabelecer um peso determinado para as avaliações e a pontuação nos games. Entretanto, Luciano adverte que é necessário combinar todos os fatores de forma harmônica, sem trazer um enfoque muito grande apenas ao sistema de ranqueamento.
“Aprender apenas para ganhar pontos ou notas não é aprender. No mundo dos videogames, o ranqueamento é uma boa estratégia porque os jogos diminuem os parâmetros de competição. Então, ao invés de batalhar contra 100 concorrentes, o jogador enfrenta apenas 10 pelo primeiro lugar. Isso é algo que as escolas precisam entender e aplicar”, ressalta Meira.
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