Ensino Básico

O plano do governo federal para inaugurar 216 escolas militares

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Uniforme de aluno em colégio militar de Pacaraima, Roraima: Brasil pode ter mais de 400 instituições militarizadas até 2023. Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

O governo federal lançou, no início de setembro, o Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (Pecim). O objetivo é implementá-lo em etapas  54 escolas por ano, a partir de 2020, chegando em 2023 a um total de 216 instituições cívico-militares.

A medida é uma das prioridades do presidente Jair Bolsonaro para a educação. Foi ainda no primeiro mês de seu mandato que o Ministério da Educação (MEC) criou a Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares.

À época, a intenção da subsecretaria era aplicar o modelo cívico-militar em 108 escolas, mas a meta foi dobrada. Na apresentação do Pecim, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, projetou ter 10% de escolas cívico-militares até o fim da gestão Bolsonaro.

Atualmente, o Brasil tem 203 escolas cívico-militares. Elas ficam em 23 unidades da federação, segundo o secretário de Educação Básica do MEC, Janio Macedo.

Ao final do Pecim, o Brasil poderá ter 419 instituições de ensino militarizadas.

Em defesa do modelo, Macedo afirmou que as escolas militares têm um desempenho superior no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), além de menores taxas de evasão e de reprovação. Até por isso justificou o fato do Pecim dar prioridade a regiões de vulnerabilidade social e com notas baixas no Ideb.

A única exigência para participar do Pecim é que os colégios tenham entre 500 e 1 mil alunos do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental ou Ensino Médio.

Leia mais: Com MEC em crise, estados adotam políticas de educação do Ceará

A adesão ao programa

Na primeira fase, apenas quinze estados e o Distrito Federal indicaram escolas para receber o projeto-piloto – que começará em 2020. Cada federação pode inscrever, de forma voluntária, até duas instituições.

São Paulo foi um dos estados que não indicou escolas. O secretário estadual de educação, Rossieli Soares da Silva, chegou a enviar um ofício ao MEC com 23 perguntas sobre o Pecim. “É difícil aderir a um programa que você não sabe o que é”, disse ele ao jornal Folha de São Paulo.

O documento, segundo ele, questiona quem vai gerir a escola, quem gerenciará o trabalho dos militares, o papel deles nos colégios, como será a relação entre os estados e as forças armadas e sobre como as verbas serão utilizadas.

Após receber a respostas do ministério, o governador João Doria disse à revista Veja que os paulistas devem aderir ao programa.

Além de São Paulo, dez estados não demostraram interesse no primeiro momento. Por isso o governo federal abriu um novo período de adesão ao Pecim para prefeituras.

O prazo de inscrição encerrou no dia 11 de outubro. No total, segundo o MEC, 643 municípios mostraram interesse de participar do Pecim: 290 prefeituras da região Nordeste, 215 do Sudeste, 54 do Sul, 46 do Norte e 38 do Centro-Oeste.

O MEC divulgou em novembro a lista das cidades contempladas na primeira etapa do Pecim.

O Presidente Jair Bolsonaro durante lançamento do Pecim, novo programa de escolas militares. Crédito: Antônio Cruz/Agência Brasil.

Como funcionará o Pecim

O orçamento estipulado pelo governo federal ao Pecim é de R$ 54 milhões por ano – em média, R$ 1 milhão por escola. Nesse valor, constam o pagamento dos militares que atuarão nas escolas, além de contrapartidas para os estados investirem em infraestrutura e material didático.

As escolas selecionadas vão receber pessoal da reserva das Forças Armadas. A contratação dos militares será por processo seletivo, com serviço mínimo de 2 anos – vínculo que pode ser prorrogado para 10 anos – e salário correspondente a 30% do que recebiam antes de se aposentar.

A previsão é que esses militares passem por um treinamento antes do início das atividades, no primeiro semestre escolar de 2020. Além disso, os estados poderão destinar policiais e bombeiros para apoiar na administração das escolas.

O Programa de Escolas Cívico-Militares abrange três áreas: didático pedagógica, educacional e administrativa. Mas, segundo o MEC, a participação militar está restrita às duas últimas. Com isso, questões didático-pedagógicas seguem como atribuições dos professores.

De certa maneira, isso significa que os militares vão assumir como tutores, atuando na disciplina dos alunos e no fortalecimento de valores éticos e morais.

Na área administrativa, os militares vão ajudar no aprimoramento da infraestrutura e organização da escola e dos estudantes.

Segundo o subsecretário de Fomento às Escolas Cívico-Militares do MEC, Aroldo Ribeiro Cursino, os militares também cuidarão de ações na área psicossocial, na identificação de problemas dos alunos que exijam acompanhamento de psicólogo ou assistente social.

Leia mais: Jaume Carbonell: “Função do professor não é ditar pensamento, mas ensinar a pensar”

Especialistas contestam Pecim

Educadores contestam a eficácia da militarização das escolas no processo de aprendizagem dos alunos. Para a presidente-executiva da ONG Todos Pela Educação, Priscila Cruz, basear a política nacional de educação no modelo cívico-militar é “um erro de diagnóstico e de priorização”.

“Não há evidências do impacto da militarização das escolas públicas, diferentemente de tantas outras políticas, como formação de professores, primeira infância, qualidade do currículo e da prática pedagógica, gestão escolar, participação das famílias e educação integral”, escreveu Cruz, em um artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo.

A educadora Anna Helena Altenfelder faz coro à opinião de Cruz. Em entrevista ao jornal O Globo, Altenfelder criticou a comparação, por parte do governo federal, do desempenho no Ideb de escolas militares e a rede regular de ensino. Para ela, as escolas militares selecionam seus alunos por meio de provas e recebem investimentos maiores.

O ex-coordenador administrativo-pedagógico e hoje professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA), Pierre Bedin, destaca as diferenças entre a concepção de escola cívico-militar, proposta pelo governo, e o modelo das escolas militares sob o comando das forças armadas: “Os 13 colégios militares que existem no Brasil têm uma estrutura física e recursos humanos melhores, com professores mestres e doutores que se dedicam a menos turmas e disciplinas, além de possuírem mais recursos”, explicou.

Para Bedin, não há como esperar um melhor desempenho de escolas públicas – onde os docentes seguirão trabalhando em condições adversas – após a implementação do Pecim. “Para pensar em escola cívico-militar, antes seria preciso pensar em gerar condições docentes para o bem fazer pedagógico.”

A disciplina rígida e a educação moral são os principais argumentos do governo federal na defesa do Pecim e já foram responsáveis pela expansão de escolas militares em diversos estados. Isso inclui a obrigatoriedade do uso de uniforme e a criação de normas de comportamento.

“Não pretendemos formar soldados, mas bons cidadãos”, defendeu o primeiro-tenente da reserva da Brigada Militar, Rogério Alves, em entrevista ao jornal Zero Hora. Alves atua em uma escola de Bagé, no Rio Grande do Sul, onde o modelo cívico-militar já foi posto em prática nos mesmos moldes propostos pelo governo federal.

A professora da Universidade Estadual de Goiás, Mirza Seabra Toschi, pesquisou a expansão de colégios militares em Goiás e afirmou, em entrevista ao Nexo Jornal, que o modelo “cria uma falsa disciplina baseada na repressão”.

“A disciplina não é um elemento real. Se você tira o elemento repressor, a chama da indisciplina volta”, concluiu Toschi.

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