As pernas cruzadas e o livro na mão lhe dão um ar sábio. Não é para menos. O espanhol Jaume Carbonell é pedagogo, jornalista e sociólogo. Escreveu nove livros, entre eles Pedagogias do século XXI. Também foi diretor da revista Cuadernos de Pedagogía e, atualmente é assessor do El Diari de l’Educació e professor associado na Universitat de Vic (Barcelona).
Carbonell tem mais de 30 anos de experiência na área de Pedagogia e costuma participar de conferências ao redor do mundo sobre temas relacionados a inovação, ensino público, história da educação e o seu futuro.
Em agosto, em passagem pelo Brasil, Jaume Carbonell concedeu a seguinte entrevista ao portal Desafios da Educação. Confira os principais trechos da conversa.
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Qual é o papel da tecnologia no ambiente escolar? A escola deve ir em consonância com os progressos culturais, científicos e tecnológicos. As tecnologias contribuem para grandes mudanças, possibilidades e oportunidades para uma melhor aprendizagem.
No entanto, esse mundo tão acelerado está gerando um problema: a falta de atenção e concentração. Eu penso que não é o mesmo ler no celular e ler em um livro de papel, porque fazemos isso de maneiras diferentes. Então, o papel ainda precisa existir. Ler em um livro impresso traz uma leitura mais pausada, tranquila, profunda e crítica.
A instituição de ensino deve proteger a infância desse mundo acelerado, deve ser um espaço tranquilo. É deve haver diálogo: a conversação do professor com os alunos é fundamental para que, conjuntamente, façam um bom uso das tecnologias.
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As revistas Pátio foram inspiradas na Cuadernos de Pedagogía, publicação da qual o senhor foi diretor durante anos. Cada dia mais o fluxo de informações aumenta e é um desafio para os professores se manterem atualizados. Como o senhor acha que esses profissionais podem equilibrar a quantidade de informações e manterem uma rotina de atualização? Sempre há três objetivos: informar, opinar e praticar. Portanto é necessário dar orientações, práticas e conhecer experiências que ajudem a enriquecer, formar e a crescer como docentes. Precisa existir o intercâmbio de experiências, porque eu não posso estar sozinho numa sala de aula, sem conhecer nada mais em volta. Preciso das outras pessoas, preciso cooperar e trabalhar em equipe. Todas as tecnologias e propostas que contribuem para um trabalho cooperativo são fundamentais.
Outra maneira de se atualizar é lendo. Isso é um compromisso individual, mas também coletivo. Na universidade, reunimo-nos uma vez por semana, antes das aulas e durante uma hora com os professores, para debatermos um texto, um artigo, uma notícia. O interessante é que você coloca sua opinião e pode compartilhar.
Também ajuda muito o trabalho de rede. As tecnologias permitem hoje que nós trabalhemos em rede, sejam presenciais e virtuais. Redes para trocar experiências, para tirar dúvidas e propor reflexões.
O uso de chatbot na educação cresceu. O senhor acha que esse tipo de tecnologia aponta para o que teremos no futuro? Sim. Temos dificuldade de nos reunirmos presencialmente e o virtual facilita isso. Mas não podemos deixar de ter o mínimo de presencialidade.
As tecnologias nunca vão substituir a riqueza de um encontro, onde há espontaneidade, a vivência das interações e das opiniões. Então, é importante não se acomodar exclusivamente às tecnologias.
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Em seu último livro, o senhor fala sobre educação e política. Atualmente vivemos tempos polarizados, em que a simples menção dessas duas palavras em uma mesma frase pode esquentar os ânimos de um debate. Qual seria a melhor forma de levantarmos esse debate em sala de aula? Eu parto de um modelo de escola inovadora, crítica e transformadora. A missão do professor é colocar os conhecimentos ao alcance do aluno para que eles possam aprender a estudar o mundo.
Há dois conceitos que eu rejeito: primeiro é a neutralidade, porque ela não existe. Nada é neutro. A segunda é a oposição. Uma coisa são as ideias, outra é a imposição das regras. Eu creio que a política é maiúscula, não é a política dos partidos institucionais. É a política que tem a ver com justiça social, dos deveres humanos, a igualdade, a liberdade.
A escola é um espaço autônomo da família e da sociedade, onde a função é poder falar de tudo e ter liberdade de expressão. Na escola, deve-se abordar até temas tabus, pois eles seguem fazendo parte do mundo.
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E como fazer isso? Pegamos um exemplo: um debate. O professor não pode começar um debate se posicionando. Ele é uma pessoa que coordena as diferentes opiniões e que oferece elementos de reflexão, para que o aluno encontre mais argumentos para reforçar a sua oposição. Mas o aluno também precisa aprender a escutar o outro.
A escola precisa fomentar a escuta e o respeito pela opinião divergente. O aluno precisa aprender a respeitar e a argumentar melhor. Enriquecer o pensamento. Portanto, é preciso poder confrontar, conhecer diferentes pontos de vista, dentro de um debate democrático, espirituoso e sobretudo em que os alunos aprendam a argumentar.
A função do professor não é ditar o pensamento, mas ensinar como pensar.
A escola, cabe frisar, é um espaço de estudo. Portanto, deve fazer pensar de maneira sistemática e contribuir para o pensamento, para que não recaia só sobre a família a missão formativa. A escola deve sempre criar canais de comunicação e de participação com a família, mas com autonomia, pois não pode estar condicionada pelo o que a sociedade faz ou pelo que a família disse.
Como estimular o protagonismo dos alunos, despertando sua curiosidade e seu interesse com os assuntos trabalhados na escola? A riqueza de uma escola ser democrática e plural é que permite metodologias e pedagogias diferentes. As pessoas aprendem melhor quando integram conhecimento e disciplinas distintas.
Nesse sentido, há uma prática pedagógica que vai além dos limites – que é o ensino baseado em projetos. Um projeto não é da disciplina de matemática ou de linguagem: um projeto parte de uma pergunta, de um debate, de um dilema que coloca uma situação a ser investigada e comentada ao longo de um período por todas as disciplinas. Esses comentários usam conhecimentos distintos e vozes distintas. Então, a ideia é como os alunos adquirem conhecimento com distintas fontes e também como o elaboram de forma coletiva.
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Outra é a questão da educação inclusiva – que precisa alcançar todos os alunos que tenham alguma deficiência, diferentes línguas e culturas e diferentes contextos sociais. Como todos esses alunos podem ser incluídos em uma escola com iguais condições?
Há sempre que se buscar atender e respeitar a diversidade. A escola é um espaço que busca a igualdade – a equidade, digamos. Somos mais iguais do que diferentes. Então, esse é o caminho: alcançar um lugar em que não exista diferenças por razão de sexo, língua ou situação econômica.
Também tem a ideia de inteligência, que não tem a ver só com o intelectual, mas também com as emoções, sentimentos, solidariedade, respeito, com como nos relacionamos, trabalhamos em equipe e também com a inteligência ética – que todos temos. Portanto, seria adequado que a escola tivesse um programa ou um projeto que cultive todas essas dimensões de inteligência.
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*Colaboraram Rafaela Paludo, Vinícius Pereira e Laura Lima.
Excelente artigo. Deveria ser de leitura obrigatória para todos envolvidos com o trabalho de ensinar.
Certo! Ditar pensamentos não produz pensadores muito menos aguça a inteligência.
Penso que o aluno deve ter a oportunidade de construir o conhecimento através de reflexão / ação /reflexão e o professor atua como fonte transformadora com o domínio do objeto, permeando o processo de ensino aprendizagem, criando estratégia para que o aluno tenha domínio do assunto estudado.
Matéria esplêndida.
Gratidão, enriqueceu o meu saber.
Farei sugestões aos meus gestores, para que possam incluir tal experiência aos estudos de orientações para 2020 e ser aplicado nós 200 dias letivos que logo iniciará.
Muito obrigada.
Educar não consiste em reproduzir. Mas transformar! Parabéns pelo artigo.
Excelente artigo. Gratidão por compartilhar seus saberes.