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Lourdes Atié: “Isolamento é oportunidade de tirar a escola de ativismo sem sentido”

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De repente, sem que pudéssemos acreditar, de um dia para outro, tudo mudou. A pandemia do novo coronavírus chegou até nós sem que estivéssemos preparados, mesmo acompanhando em tempo real o que acontecia na China e em outros países. Talvez desejando a confirmação que Deus é brasileiro e nada iria nos acontecer de ruim.

Mas a realidade foi outra. Nossa vida mudou radicalmente. Em poucos dias e sem saber por quanto tempo tudo isso vai durar. É hora de confusão e ainda precisamos seguir trabalhando, porque a vida não pode parar.

Neste cenário, as escolas fecharam, os alunos foram para suas casas, juntamente com seus pais que passaram a trabalhar do modo remoto. O que fazer com as crianças? O que a escola vai fazer? E as mensalidades como ficam? Férias? Professores seguem trabalhando? Como? Um mar de questões sem respostas está atropelando a vida dos profissionais de educação.

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Imediatamente surgem nas redes sociais mil soluções prontas, indicações de múltiplas plataformas para trabalhar de modo remoto. Passo a passo para se organizar, fazer atividade física, fazer atividades para as crianças e por aí vai. Tudo para ocupar, agitar, controlar, passando a ideia de que estamos no controle.

Nada mais falso. Pensando sobre isso, me lembrei de uma palavra que muito preocupa o mundo corporativo: procrastinar, que significa deixar para depois.

Existem milhares de pesquisas e artigos sobre o assunto, apontando que a procrastinação compromete a produtividade dos trabalhadores de diferentes setores. São muitas as distrações que derrubam a produtividade e uma delas é o apelo das redes sociais, além dos cafezinhos, entre outras causas que geram dispersões e tiram a atenção dos trabalhadores, que faz com que atrasem com suas obrigações e no atendimento das demandas estabelecidas.

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Procrastinar, neste mesmo sentido, também aparece na escola. Os pais e professores se preocupam sobre as crianças e jovens que deixam tudo para última hora. Adiam suas obrigações e responsabilidades até o último minuto e muitas vezes chegam a perder os prazos.

Visto como algo negativo, num cenário em que o valor está em ser eficaz, procrastinar é traduzido como negligência, preguiça, irresponsabilidade. A consequência é a baixa produtividade – para os trabalhadores e estudantes.

Existem diversas orientações para sanar o que é visto como problema, que vão de técnicas de controle de tempo, via aplicativos ou instrumentos marcadores de tempo, como também manuais de autoajuda.  Tudo para superar o que é considerado um desvio de conduta, na chamada sociedade do desempenho.

Assim seguimos acreditando num eu-ideal, em que o eu-real é sempre aquém do idealizado. Isso faz com que nos sintamos fracassados e deprimidos, buscando nas correntes da positividade ou na religião uma solução para nossa angústia.

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Mas pode ser diferente. Procrastinar pode ser positivo. Afinal já sabemos que mais rápido, mais ativo, raramente quer dizer melhor. Pode significar ter atenção plena e ter foco, que representa estar conectado consigo mesmo, o que exige autoconhecimento e autorregulação. Faz entender o limite de cada um. Entender que muitas exigências podem superar nossa capacidade de atendê-las. É saber colocar limites.

Abordo a procrastinação porque, em tempos de coronavírus, é um potente tema para refletirmos sobre como estamos conseguindo trabalhar em ambiente bem diferente do que estamos acostumados.

Me preocupo especialmente com os professores. Tenho verificado que eles estão se tornando máquinas de produzir atividades, conteúdos, utilizando múltiplos recursos digitais para que os seus alunos não percam nada e sigam aprendendo. Para que eles, os professores, façam valer o salário que recebem.

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Mesmo a distância, de novo a corda rompe do lado mais fraco. É o professor que, de uma hora para outra tem que descobrir um botão dentro sua cabeça para mudar de sintonia, agora ensinar e aprender exigem outras formas – é isso que lhes dizem.

Sem que ninguém reflita sobre como o professor está se sentido, ou que tempo precisa para se adaptar a este novo cenário. O discurso é sempre o mesmo. Não temos tempo para perder. Corre, corre, corre. Mas para chegar onde mesmo?

Então, quero aproveitar este momento para convidar o leitor a refletir sobre a palavra procrastinar, no seu sentido de atenção plena. O momento exige atenção – começando por você.

É preciso entender que o professor está deixando um universo que lhe é familiar. Ele está acostumado à sala de aula. Lá ele ensina para uma plateia presencial cativa, na maioria das vezes, composta de mais de 20 alunos. Eles passam o tempo falando, dialogando olho no olho, percebendo o contexto, o clima da turma.

No mundo que habitou até o momento, o professor era de um movimento constante. Movimento que ele foi aprendendo a viver, se organizar e a desempenhar seu papel profissional. Precisou de tempo para aprender.

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O momento imprevisível que se coloca agora pela epidemia do novo coronavírus trouxe uma mudança radical para vida de todos e sua adaptação exige atenção e tempo. As mudanças vêm em ondas, em movimentos em sintonia com a duração dessa experiência.

Este momento, que estou chamando da primeira onda, é o tempo de “encarnar” no que está acontecendo. Trata de chegada nesta nova realidade para todos. As famílias estão tendo que se adaptar com todos em casa, ao mesmo tempo e não é uma questão apenas de “ocupar as crianças”.

Do mesmo modo, não basta mandar tarefas, fazer aulas online, acompanhar a distância e controlar a produtividade para aqueles que trabalham nas escolas. É tempo de atenção plena com cada um.

Não vamos cair num ativismo desenfreado para fazer algo sem saber para que. Calma! Vamos nos acalmar. Quem faz tudo de uma vez não faz nada direito.

Não estamos caindo num precipício. Pode ser só um “portal” para entender a vida de outra forma e pode ser uma possibilidade para transformar a escola, aproximando-nos mais daquilo que acreditamos.

Não é tempo de lamento, nem de ativismo desenfreado. É tempo de conexão. Vamos aprender de forma mais colaborativa. Estamos tendo uma oportunidade de tirar a escola de um ativismo sem sentido. Vamos aproveitar.

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Professores, cuidem de vocês em primeiro lugar! Aproveitem a oportunidade para pensarem em como estão se sentido. Descobrir do que precisam. Não aceitem funcionar como uma máquina de produzir tarefas! Vocês são muito mais que isso.

Professores, conversem com seus alunos sobre como estão se sentindo, sobre o que estão aprendendo com esta nova experiência. Lembre-se: estamos na primeira onda. Precisamos cuidar de todos. Este é o único caminho para sairmos deste tempo mais fortalecidos como pessoas e educadores que somos.

Não sabemos quanto tempo esse isolamento pode durar. Mas precisamos nos sentir bem para poder ajudar uns aos outros e seguir adiante, qualquer que seja o cenário pós-coronavírus.

Lourdes Atié
Lourdes Atié é socióloga com pós-graduação em Educação pela FLACSO, na Argentina, diretora da empresa Ideias Futuras e membro da comissão editorial da Revista Pedagógica Pátio – Ensino Fundamental e Ensino Médio. E-mail: lourdesatie@terra.com.br

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    2 Comments

    1. “Mas pode ser diferente. Procrastinar pode ser positivo. Afinal já sabemos que mais rápido, mais ativo, raramente quer dizer melhor. Pode significar ter atenção plena e ter foco, que representa estar conectado consigo mesmo, o que exige autoconhecimento e autorregulação. Faz entender o limite de cada um. Entender que muitas exigências podem superar nossa capacidade de atendê-las. É saber colocar limites”. Cobramo-nos tanto, queremos dar conta de tudo num momento em que muitas vezes não estamos conseguindo olhar para nós mesmos, pois a preocupação com os outros parece ser tão maior. Gratidão pela oportunidade desta leitura e reflexão, professora! Desta mesma forma, depois que tudo passar, como vamos olhar para os nossos pequenos, para as famílias, para os colegas de trabalho, para a natureza, se tantas histórias passaram por mudanças tão importantes? Como vamos receber nossas crianças após esse período em que não foi pós férias e sim pós parada obrigatória com experiências tão marcantes, mesmo para os pequenos? Como voltaremos? Grande abraço

    2. Quero apenas agradecer por suas palavras.
      Confesso que os últimos parágrafos abraçaram e acalmaram meu coração.
      Gostaria que muitos pais entendessem que não sou Youtuber e, se fosse, cobraria bem caro, pois muitos deles ensinam coisas banais e ganham muito. Eu, que busco ensinar, transmitir conhecimentos importantes para a formação intelectual e social, ganho muito menos e sou muito mais cobrado e julgado.

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