Por Clayton M. Christensen, Michael B. Horn e Curtis W. Johnson*
A disrupção é uma força positiva. Trata-se do processo pelo qual uma inovação transforma um mercado cujos serviços ou produtos são complicados e muito caros em outro no qual a simplicidade, a conveniência, a acessibilidade e a sustentabilidade caracterizam o setor. Ela é muitas vezes um processo de dois estágios, e esperamos que isso também aconteça no caso do sistema de ensino.
No primeiro estágio da disrupção, um inovador faz um produto muito mais acessível e simples de usar do que os existentes no mercado. No entanto, fazer o produto é ainda complicado e muito caro.
Quando a Microsoft foi o elemento de disrupção para a IBM e a Digital Equipment no negócio dos sistemas operacionais, por exemplo, os produtos da Microsoft (DOS, Windows) logo se mostraram bem mais fáceis de sustentar e usar. Porém, eles ainda eram caros e difíceis de fazer. De maneira similar, companhias como a Silicon Graphics e a Sun Microsystems fizeram as primeiras workstations baseadas em microprocessador que promoveram a disrupção no negócio dos minicomputadores.
Embora fossem mais acessíveis e de mais fácil utilização que os computadores pioneiros, essas máquinas ainda eram caras e difíceis de projetar e produzir. O motivo foi que, assim como o Windows da Microsoft, a arquitetura dos seus produtos era exclusiva e interdependente — significando que o design de cada parte do produto dependia do projeto de cada uma das demais partes do mesmo produto.
Como resultado disso, era preciso estar integrado para ser admitido no jogo — era necessário projetar tudo a fim de poder visualizar alguma coisa.
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O mesmo parece estar acontecendo atualmente na indústria do ensino-aprendizagem com base em computador e online. Apesar de muitos produtos serem fáceis de usar, tal como os melhores videogames, produtos online ricos e poderosos de aprendizagem baseados em computador são muito caros para produzir. A manutenção também se torna cara à medida que os produtos vão sendo sucessivamente lançados.
No segundo estágio da disrupção, contudo, a mudança tecnológica adicional na indústria, que é chamada de design modular, torna simples e relativamente barato produzir e aperfeiçoar esses instrumentos. O negócio dos sistemas operacionais encontra-se hoje no segundo estágio da disrupção.
O Linux é um sistema modular composto de kernels que se ajustam de maneira bem-definida. Isso torna mais simples para os desenvolvedores dos aplicativos projetar e fabricar o próprio sistema operacional customizado. A modularidade também simplificou o design dos computadores, a ponto de permitir a Michael Dell manter computadores pessoais em seu alojamento na Universidade do Texas.
O mesmo acontecerá na educação e será fundamental para tornar a tecnologia centrada no aluno uma realidade. Mesmo agora, emergem plataformas que tornarão mais fácil montar produtos de aprendizagem on-line, de modo que os alunos possam fazer ferramentas que ajudem seus colegas a aprender.
Os pais serão igualmente capazes de montar produtos que se adaptem às necessidades dos filhos, e os professores poderão projetar programas que realmente ajudem seus alunos a aprender e desenvolver suas próprias marcas, conectando-se com alunos no mundo todo independentemente de geografia ou de programa formal.
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O segundo estágio da disrupção no ensino público será aquele que levará o mundo a “saltar” e tornar a tecnologia online focada no estudante uma realidade. Nesse segundo estágio, a cadeia de valor existente, que chamamos de “rede de valor”, também está quase sempre rompida. É raro que uma disrupção manifeste-se em apenas uma parte de uma rede de valor, sem que o resto do sistema passe igualmente por mudanças.
É a disrupção de toda a rede de valor que acaba possibilitando o surgimento dessas soluções modulares. Acoplar um produto de disrupção em uma rede de valor inteiramente voltada para a ruptura é fundamental para chegar a uma solução menos dispendiosa do que aquela que seria possível no primeiro estágio da disrupção.
Como ocorreu com a primeira onda da disrupção, alguns dos primeiros aplicativos da aprendizagem centrada no aluno emergirão fora do sistema público de ensino. As decisões de adoção nesse estágio serão dispersas. Em uma base de tempo presente, elas serão feitas diretor por diretor, professor por professor, pai por pai, aluno por aluno e matéria por matéria.
Isso provavelmente acontecerá de uma forma a tal ponto descentralizada que não exigirá — e, na verdade, inclusive avançará apesar deles — corpos centrais de autoridade, como direções de escolas e sindicatos de professores.
Incontáveis números de inovadores e filantropos de ensino chegam a sentir-se feridos pelo embate com as barreiras que impedem as mudanças no sistema existente.
Mudar o processo de adoção dos livros-texto, confrontar a exigência da padronização e desafiar o poder dos sindicatos dos professores constituem apenas três de uma litania de fatores que transformaram, para muitos, a mudança em uma causa aparentemente perdida. E, mesmo assim, a mudança pela disrupção tem avançado ao longo de muitas outras indústrias, pesadamente reguladas e sindicalizadas. Como foi que isso aconteceu?
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O sucesso nunca decorreu de um ataque frontal contra as regulamentações e os efeitos de rede que constituem o poder do status quo. Pelo contrário, a disrupção prosperou em uma rede de valor totalmente independente e fora do alcance dos reguladores.
Sempre que a nova rede de valor comprovou ser melhor e que a massa dos clientes migrou para o sistema desregulado, seus reguladores reagiram ao fato consumado. Poucas vezes uma regulamentação revisada precedeu revoluções disruptivas.
Por exemplo, a Southwest Airlines não promoveu a disrupção na indústria do transporte aéreo de passageiros, buscando, no começo dos anos 1970, a aprovação da Agência de Aviação Civil para conceder descontos nas passagens das suas rotas interestaduais de longa distância. O que essa empresa fez foi lançar rotas curtas no estado do Texas sobre as quais os reguladores federais não tinham jurisdição.
As tarifas e as estruturas das rotas do setor do transporte rodoviário de cargas entraram em colapso sob seu próprio peso no final a década de 1970, depois que as corporações começaram a operar seus próprios caminhões de carga, o que ficou fora da jurisdição da Comissão de Comércio Interestadual.
A regulamentação das taxas de juros bancários foi derrubada quando a Merril Lynch — que não era um banco e, por isso mesmo, não era regulado pelo Federal Reserve — lançou a conta de administração de ativos com ganho de juros. Poderíamos citar dezenas de exemplos parecidos.
Em cada um desses casos, mercados até então dominados por competidores estabelecidos cercados por poderosos efeitos de rede e protegidos pela regulamentação tiveram, em último caso, de abrir caminho para a existência real de uma nova rede e a mercados eficientes e seguros que emergiram pela superação das regulamentações. Ataques frontais, como uma vez mais comprovado, quase nunca dão certo.
No ensino público, a influência que os sindicatos de professores têm e que os partidos conseguem exercer sobre decisões a respeito de livros-texto e adoção de software didático parece tão imensa que muitos candidatos a inovadores do sistema escolar já abandonaram a esperança de mudanças significativas.
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Contudo, suspeitamos que, quando os inovadores disruptivos começarem a formar redes facilitadoras através das quais profissionais e amadores — estudantes, pais e professores — suplantam a existente cadeia de valor e em lugar dela comercializam seus produtos diretamente a cada um deles, como descrito antes, o equilíbrio do poder na educação acabará mudando.
Administradores, sindicatos e diretorias de escolas irão capitular diante do fato de números cada vez mais crescentes de alunos estarem adquirindo e usando ferramentas de ensino-aprendizagem superiores e customizadas para as respectivas necessidades.
Isso também indica um rumo para todos os capitalistas de risco, fundações e filantropos que pretendam investir com impacto na educação. Muitos desses setores retiraram-se do software de ensino porque o desenvolvimento e a adoção em larga escala são dispendiosos.
Se a nossa avaliação do futuro estiver correta, ela sugere que existam dois tipos de investimentos que podem revelar-se de grande impacto. O primeiro diz respeito ao desenvolvimento da plataforma tecnológica que não profissionais possam usar para criar ferramentas de ensino-aprendizagem centrado no aluno. O segundo reside na construção e na viabilização de redes facilitadoras.
Entendemos que milhares de professores, como indivíduos, começarão a fazer uso de ferramentas focalizadas no aluno encontradas nessas redes e que colocarão na rede um conhecimento por eles desenvolvido para a utilização pelos outros professores. Com força e determinação, a participação dos docentes nessas redes facilitadoras acabará diminuindo a oposição dos seus sindicatos a essa transição para o ensino-aprendizagem centrado no aluno.
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Facilitar a aprendizagem através de redes de usuários, em vez de recorrer ao sistema de cadeia de valor de adoção de currículos, enfrentará o teste definitivo de competir contra o não consumo. Professores, pais e alunos que deoutra forma não conseguiriam desenvolver ou comercializar essas ferramentas de ensino estarão, a partir de então, aptos a fazer tudo isso.
Em vez de esperar que em um golpe repentino os computadores entrem e os livros-texto sejam banidos da sala de aula, as ferramentas geradas por usuários poderão ser usadas independentemente como instrumentos tutoriais.
Durante vários anos, muitos professores e alunos continuarão sendo dependentes dos livros convencionais. Pouco a pouco, no entanto, os livros-texto cederão lugar a cursos on-line — em constante crescimento pelas ferramentas de aprendizagem centrada no aluno e geradas pelos usuários.
O segundo estágio, ou o focalizado no aluno, se tornará a força dominante quando usuários e professores começarem a acumular módulos de ferramentas suficientes para criar cursos inteiros projetados de acordo com cada perfil de estudante.
Em algum momento, administradores, comitês escolares e sindicatos de professores reconhecerão que, mesmo sem que decisões administrativas explícitas tenham sido alguma vez adotadas, o processo de ensino-aprendizagem centrado no aluno estará transformado na modalidade convencional.
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A análise da curva da substituição indica que isso concorrerá provavelmente no ano de 2014, quando os cursos on-line tiverem uma fatia de mercado de 25% nas escolas do ensino médio — seis anos após a data da primeira publicação deste livro. A aprendizagem centrada no aluno não está, portanto, tão distante.
*Este artigo foi adaptado do livro Inovação na sala de aula: como a inovação de ruptura muda a forma de aprender — edição atualizada e ampliada (Bookman, 2012).
Sobre os autores
Clayton M. Christensen é professor na Harvard Business School. Michael B. Horn é diretor-executivo de educação do Innosight Institute. Curtis W. Johnson é presidente do The Citistates Group.
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