Nos últimos quatro anos, fui a Boston por pelo menos 10 vezes. Só em 2016 foram seis idas durante o meu programa de Fellowship em Harvard/LASPAU. Acabei encontrando em Cambridge e região uma grande fonte de inspiração para novas ideias e projetos. E cada vez que eu saio de lá, volto bastante energizado e com muitas novidades na bagagem. É impressionante a dinâmica das universidades da região, que estão sempre se reinventando.
Em dezembro, embarquei para mais uma temporada por lá. Foram 45 dias estudando, experimentando e aprendendo um pouco mais sobre a excelência do ensino superior americano. Desta vez a experiência foi um pouco diferente. Pela primeira vez, fui com minha família. Foi um misto de férias e muito trabalho.
Enquanto minha esposa concluía uma fase importante do seu doutorado no Media Lab do MIT, nossas filhas frequentaram uma escola pública de Cambridge, uma experiência extraordinária que me permitiu conhecer um pouco mais de perto a educação básica americana (K-12).
Foi muito legal experimentar o funcionamento de uma escola pública com forte aporte tecnológico (comparado com o nosso, no Brasil), programas de inclusão cultural e espaços maker para que os alunos desenvolvam seus projetos de forma colaborativa.
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U-Mass e Olin
Desta vez, além de rever e conversar bastante com professores que eu tanto admiro, como Eric Mazur, de Harvard, e o Peter Dourmashkin, do MIT, aproveitei a temporada para conhecer iniciativas muito interessantes fora do eixo Harvard-MIT. Uma das universidades que visitei foi a University Massachussets Boston (U-Mass), com sua imponente infraestrutura.
Embora pouco conhecida aqui no Brasil, a U-Mass é uma das universidades mais respeitadas do estado de Massachussets. Aliás, é muito difícil para qualquer universidade se destacar na mesma região em que nasceram duas das melhores e mais tradicionais universidades do mundo. O brilho de Harvard e do MIT acaba ofuscando algumas iniciativas muito interessantes, como a U-Mass ou até mesmo a Boston University, que é uma das melhores universidades que já conheci.
Minha grata surpresa na U-Mass foi conhecer o Tiradentes Institute, que faz parte do programa de internacionalização da Universidade Tiradentes (Unit), liderado pelo entusiasmado professor Otávio Correia, que tão bem me recebeu. A Unit é uma instituição de 57 anos, 20 mil alunos no ensino presencial, 10 mil na EAD e unidades nos estados de Sergipe, Alagoas e Pernambuco, além de polos na Bahia e no Rio Grande do Norte. O acordo da Unit com a U-Mass remonta à 2015 – e já deu importantes passos para o seu projeto de internacionalização.
Nessa temporada, também tive o privilégio de retornar a Olin College, onde reencontrei o professor Jonathan Stolk, uma das maiores autoridades dos Estados Unidos em Project Based Learning.
Em Olin, passei o dia conversando com alunos e conhecendo mais sobre o projeto desta que é uma das melhores escolas de engenharia do mundo. É muito legal ver o brilho nos olhos dos alunos de lá.
Conversando com vários deles, perguntei: por que Olin? As respostas foram muito interessantes e altamente alinhadas com o propósito institucional.
Uma das alunas do primeiro ano me disse que teve que escolher entre Stanford, Columbia, Harvard ou MIT, mas optou por Olin pelo seu projeto acadêmico. Já outra aluna do 2º ano estudava em outra universidade na Pensilvânia, onde tinha bolsa integral por participar da equipe de remo. No entanto, considerava as aulas extremamente monótonas até o ponto de perder totalmente o interesse pelo ensino superior. Depois de um ano, decidiu se transferir para Olin porque, além do projeto acadêmico diferenciado, em Olin ela não seria apenas “mais uma” aluna.
Todos os professores e alunos se conheciam e isso, segundo ela, era muito importante para a sua formação profissional. Por isso, se dispôs a abrir mão da bolsa de estudos que conquistou para seguir estudando em um lugar mais aderente ao que acreditava.
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Ouvi vários outros relatos e cada aluno contava uma história diferente justificando o porquê de Olin, todos eles com brilho nos olhos, com uma bela justificativa e, sem exceção, mencionando que o principal fator de decisão foi a proposta metodológica da instituição, com seu currículo diferenciado.
Olin possui um currículo bastante flexível, com metodologias predominantemente orientadas a projetos e tem como um dos seus diferenciais a possibilidade de cumprimento de créditos na área de empreendedorismo na sua vizinha Babson, uma das melhores escolas de empreendedorismo do mundo. (Para quem não conhece o inovador projeto de Olin, recomendo que assista ao vídeo de apresentação.)
Outras fontes de inspiração que procuro sempre manter contato na região são a Southern New Hampshire University. Eles têm um projeto acadêmico inovador, o Clayton Chrinstensen Institute, que pesquisa temas como ensino híbrido, currículo por competências e formas alternativas de financiamento estudantil, além de diversos Maker Spaces espalhados pelas cidades de Boston e Cambridge; o Boston College (que inclusive possui uma parceria interessante com o Semesp, a entidade que representa as IES privadas); a Babson College que, como já mencionei, é uma das mais renomadas escolas de empreendedorismo do mundo; e a Boston University, onde passei parte do meu tempo durante o meu programa de fellowship, com o professor Bennet Goldberg.
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Harvard e MIT
Voltando a Harvard e MIT, que dispensam apresentações, o que está de fato em evidência é o desenvolvimento de currículos flexíveis, elaborados com foco no desenvolvimento de competências aderentes à realidade do século 21, com as soft skills – tema tão relevante que virou uma nova editoria neste Desafios da Educação.
Em termos de metodologias, de ensino e de aprendizagem, cada vez mais situações problema do mundo real são trazidas para a sala de aula para serem discutidas pelos alunos, que buscam possíveis soluções. Um exemplo de iniciativa muito interessante que vale compartilhar é o projeto Solve, do MIT.
O Solve é mais do que um projeto. É um setor dentro do MIT que tem como principal objetivo conectar o mundo acadêmico com as demandas do mundo real através da submissão de problemas e soluções para problemas complexos, locais e globais, em vários setores, inclusive na educação. Para saber mais sobre os desafios e as propostas de solução, sugiro uma visita ao website.
É bem interessante. Esse tipo de iniciativa reduz a enorme lacuna que hoje existe entre academia e mercado de trabalho e aumenta consideravelmente o engajamento dos alunos. Ganham os alunos, que trabalham em desafios reais e se engajam nos projetos, ganha a universidade, que retroalimenta seu currículo com as demandas do mundo real e ganha a sociedade, que pode contar com capital intelectual de ponta na solução de seus problemas complexos.
Para mim, o Solve é um excelente exemplo de projeto de extensão universitária. Aqui no Brasil, muitos gestores têm me perguntado como operacionalizar de forma inteligente a obrigatoriedade, até 2021, da oferta de 10% da carga horária dos cursos de graduação em formato de extensão. Existem inúmeras possibilidades que podem ser muito interessantes, como os projetos integradores, por exemplo. Mas o Solve, na minha opinião, é um excelente modelo que vale como inspiração.
Mas, afinal, qual foi a maior lição desta temporada em Harvard e MIT? Sem dúvida, estas duas universidades nos ensinam que a inovação é fundamental e que é possível conciliar tradição e inovação.
Mas a maior lição que trago desta vez é que há muito mais do que Harvard e MIT para se conhecer em Cambridge, Boston e redondezas. A região de New England é extremamente rica em iniciativas inovadoras, que podem servir de inspiração para a nossa realidade aqui no Brasil, desde que bem tropicalizadas.
Espero retornar em breve, pois ainda há muito o que aprender, experimentar e compartilhar. Enquanto isso, muito trabalho duro para colocar algumas novas ideias em prática aqui no Brasil, sem saber exatamente o caminho para transformar a educação do nosso país, mas com a certeza de que a direção é híbrida, tecnológica, focada no desenvolvimento de competências, moderada por um professor que exercerá, sem dúvida, um novo papel em sala de aula.
Clayton Christensen
Dedico este artigo à memoria do professor Clayton Christensen, que nos deixou no dia 23 de janeiro. Coincidentemente, eu estava na Harvard Business School quando recebi a triste notícia do seu falecimento.
Conheci o professor Christensen em 2016, durante o lançamento do Livro “Competing Against Luck”, na Harvard Coop. Conversei com ele durante cerca de cinco minutos. Falei um pouco sobre a pesquisa que eu estava realizando, sobre ensino híbrido, e ouvi um pouco das suas ideias sobre inovação disruptiva no ensino superior. Foi uma das conversas mais interessantes que já tive sobre ensino híbrido, apesar do pouco tempo que tivemos.
Depois dessa ocasião, conheci o instituto que leva o seu nome, o Clayton Christensen Institute, que seguirá firme com sua nobre missão. A perda de Christensen é grande para todos nós, que trabalhamos e gostamos da inovação. Que o legado deixado por ele continue nos inspirando e nos transformando.
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