Os adolescentes da Califórnia estão permitidos, por lei, a acordar um pouco mais tarde. É que uma legislação, aprovada no início de outubro, proibiu que as escolas de ensino fundamental programassem aulas para antes das 8h. E, no ensino médio, nada de estudo até as 8h30.
As instituições têm três anos para implementarem a medida, que entrará em vigor em julho de 2022. Atualmente, a maioria das escolas californianas inicia as atividades em torno das 8h. Outras exigem que os alunos cheguem antes das 7h30.
A iniciativa da Califórnia está alinhada à recomendação da Academia Americana de Pediatria (AAP), que classifica a privação do sono dos adolescentes como um sério problema de saúde pública.
Adolescentes costumam ter o sono alterado devido às mudanças biológicas associadas à puberdade e ao estilo de vida. Num adulto normal, o hormônio do sono (melatonina) é liberado na corrente sanguínea assim que o sol se põe e atinge o pico de produção depois da meia-noite.
Nos mais jovens, esse processo acontece com até duas horas de atraso. Por isso é comum os adolescentes dormirem mais tarde. E é por isso também que começar as aulas muito cedo pode prejudicar o bem-estar dos alunos e afetar seu rendimento escolar.
Esse conhecimento serve de inspiração para a Associação Brasileira do Sono (ABS), que promove uma campanha para alterar a entrada dos alunos do ensino médio no Brasil para as 8h30.
A campanha quer sensibilizar gestores educacionais em nível municipal, estadual e federal para implementar mudanças nos horários escolares já a partir de 2020.
“Diante das mudanças que ocorrerão nos currículos escolares [por conta da BNCC], acredito que as escolas vão caminhar para a adoção de horários flexíveis, que acompanhem a necessária flexibilização dos conteúdos e dos espaços de aprendizagem”, afirma a neurologista Andrea Bacelar, presidente da ABS.
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Impactos da medida
A quantidade de horas de sono necessárias varia conforme a idade. Segundo a Fundação Nacional do Sono dos Estados Unidos, dos 14 aos 17 anos é preciso de oito a dez horas diárias de sono. Seguir esse tempo é essencial para que o corpo consiga realizar todas as funções biológicas – como comer, fazer esportes e concluir projetos criativos.
O sono também está relacionado diretamente ao processo de consolidação ou eliminação das informações recebidas ao longo do dia. Via de regra, um adolescente que possui um sono de qualidade tem memória melhor do que outro que dorme menos do que o recomendado.
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Mas atrasar o início das aulas não altera só a produtividade dos alunos. Também tem impacto na programação dos transportes escolares, na organização dos professores e até mesmo na rotina dos pais – que talvez tenham dificuldade para se ajustar aos novos horários.
Para a senadora Connie Leyva, eleita pela Califórnia, a ideia de começar as aulas mais tarde precisa ser discutida e aplicada de maneira ponderada e equitativa, estabelecendo expectativas realistas para os distritos escolares e comunidades locais, para que possam atender melhor às necessidades das famílias.
“O horário de início das escolas deve ser determinado em nível local, porque é inapropriado que uma única abordagem oriente as escolas de todo um estado”, disse ela, sobre a experiência californiana, ao jornal Sacramento Bee.
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Benchmark americano
A Califórnia é o primeiro estado americano a começar as aulas mais tarde, mas não é a primeira cidade. Na verdade, a experiência estadual foi inspirada no sucesso de Seattle.
Em 2015, a maior cidade do estado de Washington alterou o horário de início da aulas nas escolas de ensino fundamental e de ensino médio: saiu de 7h50 para às 8h45.
O objetivo, que era o de permitir que os alunos dormissem mais, foi atingido. É o que mostra um estudo realizado em 2018 por pesquisadores da Universidade de Washington com alunos do ensino médio antes e depois da mudança de horário.
Após a nova lei, os alunos passaram a dormir, em média, 34 minutos a mais – aumentando o sono noturno de 6 horas e 50 minutos para 7 horas e 24 minutos. O levantamento também apontou melhoras nas notas e uma redução nos atrasos e ausências.
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