Neste momento, está acontecendo uma batalha envolvendo conselhos profissionais das áreas das Engenharias e Saúde, instituições de ensino superior (IES), Ministério da Educação (MEC) e associações representativas do setor educacional.
No meio desta batalha, alunos preocupados com a validade dos seus diplomas e uma série de opiniões emitidas por cada um dos lados, boa parte delas sem muito fundamento científico. O tema é a educação a distância nos cursos superiores e, não há dúvida, estamos longe de um consenso.
Os conselhos profissionais como o CREA, o COREN, o CRF, o CRMV e a própria OAB, entre outros, se posicionam contra a oferta de cursos superiores na modalidade a distância. Já o MEC vem se manifestando a favor há algum tempo, dizendo que os conselhos profissionais não podem interferir na regulação do ensino superior.
Para apimentar essa disputa, recentemente começaram a tramitar os processos de autorização dos cursos de Direito EAD, que estavam paralisados desde 2017. Ou seja, é possível que muito em breve tenhamos uma abertura expressiva de vagas de Direito EAD por todo o Brasil.
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Isso é bom ou ruim? Para as instituições de ensino superior, que são reguladas pelo MEC (e não pelos conselhos profissionais), é muito bom e, por isso, elas continuam expandindo sua oferta.
Por outro lado, sem poder interferir na regulação dos cursos, alguns conselhos profissionais estão negando o registro profissional para os egressos de cursos a distância. Em resposta, as associações representativas das IES estão entrando com ações na justiça, buscando garantir o registro profissional para os egressos de cursos a distância. A batalha continua e vai longe.
E para a sociedade?
Nos últimos anos, tenho dedicado boa parte do meu tempo à busca de modelos de ensino e aprendizagem mais eficientes, sejam eles a distância, presenciais ou híbridos.
Além de apoiar dezenas de IES na construção de modelos híbridos aqui no Brasil e no México, tive a oportunidade de realizar uma das maiores pesquisas da América Latina sobre ensino híbrido, feita durante meu programa de Fellowship na Universidade de Harvard, mas aplicada aqui no Brasil. Por isso, não poderia deixar de expressar meu ponto de vista diante desse importante dilema.
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Está claro que nosso modelo educacional, seja ele EAD ou presencial, precisa de importantes ajustes. Hoje, trabalhamos com um modelo predominantemente Just in Case, em que quanto mais conteúdo, melhor, mesmo sabendo que o modelo Just in Time funciona bem melhor.
É muito provável que nossos alunos não se lembrem nem de 20% do conteúdo visto no semestre anterior. Tanto o modelo presencial quanto o EAD ainda são muito instrucionais. Deveríamos aportar mais interatividade no processo.
No modelo de ensino presencial tradicional, onde o professor faz o papel de sábio no palco, responsável por transmitir informações, e os alunos são agentes passivos do processo, um mesmo ritmo é imposto para todos, desrespeitando as individualidades inerentes ao processo de aprendizagem.
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Ensino precisa ser híbrido
Já é comprovado que cada aluno possui um ritmo individual de aprendizagem. No modelo presencial tradicional, o tempo para a aprendizagem é extremamente rígido, mas o tanto que cada aluno aprende é muito flexível. A lógica está invertida! Deveríamos garantir a aprendizagem e flexibilizar o tempo que o aluno leva para atingi-la, já que tem um ritmo único.
Já no modelo EAD, 100% online, o componente instrucional do processo também predomina. No ambiente virtual, é depositada uma grande quantidade de conteúdos que devem ser acessados pelos alunos e a verdade é que, embora haja tecnologia de ponta disponível, ainda há muito pouca interação entre professor e aluno e entre alunos.
Ou seja, se por um lado deveríamos aportar mais tecnologia no modelo de ensino presencial, por outro lado é fundamental incluirmos mais presencialidade ou interatividade no modelo EAD.
Quando trabalhamos com um modelo híbrido, a oferta do conteúdo se dá através do uso da tecnologia digital, em um ambiente virtual de aprendizagem. Isso permite que o aluno acesse o conteúdo, disponibilizado em vários formatos, em qualquer hora, em qualquer lugar.
Essa flexibilidade faz com que um aluno que tenha maior dificuldade na assimilação de um determinado conceito dedique a ele mais horas de estudo, enquanto um aluno que tenha mais facilidade pode se dedicar menos tempo.
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Eu pergunto aos conselhos profissionais: que problema há nisso? Qual o problema de um curso de Direito EAD? Ou de Arquitetura? Ou de Engenharia?
A sala de aula invertida prevê que tudo que diga respeito à oferta de conteúdo aconteça online, respeitando o ritmo individual de aprendizagem de cada aluno. Os momentos presenciais são utilizados para a aplicação desse conteúdo, através de práticas laboratoriais ou aplicação de metodologias ativas de aprendizagem, sem contar a carga horária dos estágios supervisionados e de outros componentes curriculares presenciais.
Comprovadamente, o ensino híbrido com inversão da sala de aula funciona muito melhor do que o modelo 100% online, autoinstrucional, e melhor até do que o modelo 100% presencial, tradicional, expositivo.
O grande problema das discussões sobre ensino a distância e presencial aqui no Brasil é que os argumentos são, na sua maioria, muito baseados em opiniões e pouco baseados em evidências.
Se há evidências científicas de que o modelo híbrido funciona melhor, inclusive, do que o modelo presencial tradicional, qual seria o problema de ofertarmos cursos híbridos nas áreas da Saúde, das Engenharias e no Direito?
Bem mais que 20%
O marco regulatório atual limita a carga horária não presencial a 20% da carga total dos cursos de saúde e engenharias presenciais. Ou seja, se uma IES quiser ofertar um curso híbrido, está limitada a 20% da carga horária não presencial, o que parece muito pouco.
A única forma de superar os 20% é através da oferta de cursos na modalidade EAD. Não estou falando aqui em ofertar cursos das áreas da Saúde e Engenharias em um modelo 100% online. Nem num curso de Direito EAD totalmente virtual. Não é isso.
O que estou propondo é a utilização de momentos presenciais para o que só pode ser feito presencialmente, aplicando a teoria, seja em laboratório, seja em sala de aula, com utilização de metodologias inovadoras.
Para que tenhamos um modelo verdadeiramente híbrido, é fundamental que o MEC reveja o marco regulatório atual.
Se por um lado uma IES credenciada para a oferta de cursos presenciais está limitada a 20% da carga horária não presencial (40% em alguns casos específicos, após a publicação da portaria 1.428/2018), por outro lado uma IES credenciada para EAD está limitada a 30% de presencialidade. É isso mesmo! Os momentos presenciais nos cursos a distância estão limitados a 30% da carga horária total do curso.
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Em outras palavras, nenhuma IES brasileira pode oferecer um curso híbrido 50% presencial e 50% a distância. Isso não faz o menor sentido. Eu defendo há algum tempo e acredito que nos próximos anos não tenhamos ou não deveríamos ter duas modalidades distintas.
É desejável que em um futuro próximo tenhamos um modelo único de educação, que não seria exclusivamente a distância nem exclusivamente presencial. Deveríamos caminhar para um modelo híbrido, ou Blended Learning, com momentos presenciais facilitados por tecnologias da informação e comunicação que funcionam muito bem na EAD.
Quanto ao grau de presencialidade (30%, 50%, 80%), esta definição deveria partir do próprio projeto pedagógico do curso, com base em evidências científicas e indicadores de processos e resultados que comprovem sua eficácia.
Em suma, conselhos profissionais, IES e MEC deveriam encerrar esta batalha e partir para uma convergência de argumentos, que deveriam ser mais baseados em evidências e menos em opiniões pessoais. Assim, ganha o ensino superior, ganha os profissionais e, sobretudo, ganha a sociedade.
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