Desde julho de 2020, quando começou o processo de retorno às aulas presenciais, o Brasil nunca teve tantas escolas fechadas.
No início de abril, segundo levantamento da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), 20 estados proibiam temporariamente atividades presenciais em instituições privadas. Entre as redes estaduais, 23 promoviam aulas somente pelo modelo virtual, informou o jornal O Globo com base em dados do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed).
Na cidade do Rio de Janeiro, a reabertura de instituições municipais e particulares estava programada para acontecer na segunda-feira (5 de março). Na noite anterior, porém, uma decisão judicial suspendeu a voltas às aulas. O que deixou sindicatos, professores, diretores, pais e alunos confusos e sem saber como reagir.
Para analisar o abre e fecha das escolas, a atual situação da educação brasileira e as perspectivas para o ensino básico pós-pandemia, o Desafios da Educação conversou com um nome de peso no setor educacional: Alexandre Schneider.
Aos 51 anos, Schneider é ex-secretário de educação da capital paulista, colunista do jornal Folha de São Paulo e atual presidente do Instituto Singularidades. Também atua como pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia e do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP.
A entrevista foi realizada por uma plataforma de videoconferência.
Enquanto falava, não pude deixar de notar o fundo de tela que Alexandre Schneider usava na ligação: uma foto da parede do Instituto Singularidades. Nela está escrito: “A educação não transforma o mundo. Educação transforma as pessoas. Pessoas transformam o mundo”. As palavras são de Paulo Freire – educador e filósofo brasileiro que, se estivesse vivo, completaria 100 anos em 2021.
A volta das escolas fechadas
Quando a pandemia completou um ano, em março, o Brasil passou pelo pior momento da doença e amplas medidas de restrições. O que significou esse flashback na vida dos professores e dos alunos? É algo muito difícil. O Brasil, corretamente, fechou as escolas em março do ano passado. Mas, até por não saber o comportamento da pandemia, manteve as escolas fechadas por muito tempo. E reabriu no momento que talvez a gente tenha a maior crise da pandemia da covid-19: com novas variantes e com o sistema de saúde muito pressionado.
Então, é muito duro essa breve reabertura e depois voltar pra casas – apesar de necessário, porque toda experiência internacional mostra que as escolas devem fechar no momento em que o vírus seja transmitindo como foi no Brasil. Fechar agora é correto, mas é muito duro para todos os brasileiros, sobretudo os estudantes e professores que ficaram esse tempo todo com a escolas fechadas.
O desejo das pessoas de voltar à vida normal é compreensível. Por isso a expectativa é que, após o término dessa fase mais aguda da pandemia, a escola presencial seja retomada. É errado defender esse retorno? A escola precisa abrir, mas apenas quando estiver segura. No ano passado, de alguma forma, já estava sendo construído um consenso de que era possível abrir as escolas.
O que aconteceu é que de lá para cá tivemos um recrudescimento da pandemia e isso se tornou muito arriscado. Não estava errado defender as escolas abertas. Ninguém é contra abrir escolas, as pessoas têm é medo. Por isso que precisa ter bons protocolos. A escola precisa ser um local seguro, no ponto de vista de ventilação, número de alunos, distanciamento dentro das salas e nos espaços. Tudo isso tem que ser observado.
O que vamos precisar entender é que no Brasil nós vamos viver um novo normal, onde teremos aberturas e fechamentos de escola ao longo desse ano, até termos a população imunizada.
Isso vai exigir muito de formação de professor. Estados e municípios precisam dar condições para os seus profissionais e para os alunos manterem o ensino remoto ou ensino híbrido.
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Pós-pandemia
Falando nisso, existe futuro para o ensino híbrido na educação básica? A gente viu que existe uma série de barreiras para o ensino remoto. O uso da tecnologia na educação ainda é difícil por conta dos problemas de conectividade e uma série de questões.
Eu acho que a gente vai ter uma valorização do momento presencial. A presencialidade terá outra característica se as escolas souberem aproveita-la.
Organizar as turmas para projetos onde os alunos tenham mais participação, tenham mais capacidade de colaborar uns com os outros e tenham mais conhecimento. Tudo isso é o que a gente deve viver se a gente tirar uma boa lição desse período para educação: que o momento presencial é tão relevante que não pode ser usado para passar uma matéria ou para fazer os estudantes copiarem o que os professores escrevem na lousa.
Acredito que o ensino hibrido terá espaço no ensino básico, mas ele pode ser, por exemplo, um mecanismo da ampliação da jornada escolar. Ou seja, você pode ter o mesmo período que as escolas tinham, mas com um tempo complementar em casa por meio do uso de tecnologias.
Como fazer isso em país tão desigual? Quando a gente diz tecnologia, podemos incluir até mesmo folhas impressas. É uma questão de se adaptar ao público que se está trabalhando.
A gente ainda precisa trabalhar no Brasil a possibilidade de entender o acesso à internet como um direito. Precisamos criar mecanismos que garanta esse acesso para todos os estudantes brasileiros. Isso vai ser muito importante daqui para frente e deveria estar no centro da preocupação dos políticos e da sociedade brasileira.
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Além do ensino híbrido, o que mais fica na educação após a pandemia? Acho que a chegada do ensino híbrido é um ensinamento. Hoje ele está sendo feito da melhor forma que se consegue, mas a gente tem que lembrar que a escola não estava preparada para isso. Então, tem um aprendizado não só de como fazer como também de como fazer melhor.
Outra coisa que trazemos desse ensinamento é a necessidade de uma formação inicial de professores, que já compreendam a melhor utilização de metodologias ativas e ensino híbrido. Além disso, é preciso ser feito uma formação continuada de professores para que eles possam planejar melhor as suas aulas nessas modalidades.
O que muda na formação docente depois da pandemia? Quando a gente olha para outubro do ano passado, a sociedade encarava os professores como heróis. Depois, quando se estava discutindo sobre a reabertura das escolas, os professores quase viraram vilões.
A primeira questão que precisamos trabalhar é uma valorização efetiva dos professores. Isso se dá de várias formas. Uma delas é a formação. Se a gente acredita na educação e nos professores, é preciso que se invista mais na formação docente.
O número de tarefas do professor aumentou bastante nesse período. Sem uma formação adequada para que ele consiga se organizar, será muito difícil dar conta de tudo. Eu acho que o segredo para a virada é investir pesadamente na formação continuada de professores. Não dá para imaginar que vamos ter uma educação melhor sem investir no profissional.
Quando se discute sobre os efeitos da pandemia, como as medidas de restrição, surge sempre uma ideia de “economia versus saúde”. A discussão educação versus saúde também existe? No caso na economia, controlar a pandemia é fundamental para que acha uma economia saudável. Esse debate ainda permanece no Brasil. Já na educação temos um grupo que defende a abertura das escolas de qualquer forma e outro que deseja a retomada só depois da vacina. Acho que os dois grupos estão legitimamente defendo suas posições, mas que são fruto de um medo.
De um lado, o medo da escola nunca abrir enquanto não estiver todo mundo vacinado. Do outro, é a questão de não ter segurança para ir à escola. É por isso que a gente precisa que haja um bom trabalho de comunicação e construção de confiança.
Os professores são a favor das escolas abertas com segurança. Então, cabe aos estados e municípios ter uma comunicação clara com os pais, mostrando que as escolas estão preparadas para reabrir como um ambiente seguro. Só que para sair dessa dicotomia e dessa discussão, é preciso comunicação e construção de confiança pública.
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Impactos na educação
Você acha que as escolas (públicas e privadas) estão prontas para cumprir as normas de segurança e receber os alunos? O ideal é analisar as escolas não em dois, mas três grupos: as escolas públicas, as privadas de elite e as demais particulares.
As escolas privadas de elite adotaram protocolos de hospitais renomados e atendem um público que tem mais acesso ao serviço de saúde e testes. As demais escolas privadas e até as públicas trabalham com um público diferente. Então, o que dá para ver é que a maior parte dos estados procurou adotar protocolos e procurou de alguma forma organizar as escolas para que pudessem voltar às aulas.
Em regra, a comunicação com os pais e com os profissionais de educação é o que diferencia as escolas de elite das demais. A baixa comunicação fortalece quem não quer voltar para escola. Mais do que adotar os protocolos, que são importantes, é importante mostrar como isso está sendo feito, mostrar que as pessoas vão estar seguras e que as medidas são tomadas na hora certa.
Quais são os prejuízos de não ir à escola? São inúmeros – começando pela questão da aprendizagem, onde o estudante precisa de um momento de acompanhamento do professor. Estar na escola também é importante para o processo de sociabilização dessas crianças e adolescentes.
Mesmo em uma família de renda alta e com todas as condições possíveis de educação e acesso à tecnologia, ainda há a saúde mental das crianças. Começamos a ver muitos relatos de crianças com depressão, ansiedade e dificuldades de se relacionar.
Tem a questão motora também: para muitas crianças, certas atividades só são realizadas na escola. Tudo isso é um prejuízo imensurável na vida dessas crianças e adolescentes.
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Você consegue fazer um panorama da educação brasileira e dizer qual é o maior desafio para 2021? É difícil. É um momento de grande sofrimento de toda população. O grande desafio é como voltar às aulas com segurança e como organizar as escolas para os estudantes que não conseguiram acompanhar o ensino remoto.
Os professores terão classes variadas dentro do mesmo ano escolar. Então, precisamos receber esses alunos, reconectá-los com os professores e com a escola para que eles voltem para esse espaço e se sintam acolhidos.
Depois vem o desafio pedagógico. Como lidar com salas de aula com níveis tão heterogêneos de aprendizagem. Isso vai exigir dos professores um mapeamento dos estágios de aprendizagem dos seus alunos. Olhar para trás e ver como eles estavam antes da pandemia, como estão agora e elaborar um plano personalizado.
No caso das escolas que têm alunos mais vulneráveis, o desafio é construir alianças com outros serviços públicos que apoiem as famílias nessa volta às aulas. Outra coisa é realizar uma busca ativa para evitar o alto índice de evasão. Enfim, alguns desafios são para todas escolas. Outros são mais específicos, a depender de quem frequenta aquela escola.
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