Nas escolas de educação infantil, alunos de zero a dois anos ficam agrupados em turmas de berçário. São crianças que estão começando sua jornada de aprendizagem e adquirindo conhecimento de mundo.
Atividades pedagógicas específicas para essa faixa etária são importantes. Mas cuidados práticos e a criação de vínculos também são aspectos que contribuem para o bem-estar e o desenvolvimento dos bebês. Portanto, professores do berçário, além de guias do conhecimento, são cuidadores.
Atuar em uma turma de bebês requer formação diferenciada, com uma combinação entre pedagogia e habilidades técnicas que incluem, por exemplo, saber trocar fraldas e alimentar as crianças.
Contudo, algumas instituições de educação infantil têm dificuldades para encontrar profissionais preparados para a função. O problema está atrelado às políticas públicas do setor e ao desenho dos cursos de Pedagogia.
No berçário, os bebês precisam de acolhimento e afeto para desenvolverem um aprendizado significativo. Entenda quais são os desafios dessa faixa etária. Créditos: Pexels
Alta rotatividade de professores em escolas privadas
A escola de educação infantil particular Cantinho do Saber atua na área desde 2011. Localizada no bairro Nonoai, na zona sul de Porto Alegre, a instituição utiliza abordagem da psicopedagoga húngara Emmi Pikler.
Os conceitos de Pikler reforçam que um ambiente seguro, afetivo e a criação de vínculos entre o adulto e o bebê ajudam no desenvolvimento da criança.
Entretanto, para que essa relação seja estabelecida, é necessário ter professores qualificados para trabalhar com a faixa etária. A diretora da Cantinho do Saber, Marcella de Souza, diz que não é fácil encontrar profissionais capacitados para o berçário.
“Desde a pandemia, houve uma rotatividade muito grande de professores de berçário. As famílias estão sendo pacientes, mas não é fácil receber comunicados constantes informando troca de profissionais”, lamenta.
Paulo Fochi, doutor em educação e autor do livro “Afinal, o que os bebês fazem no berçário?”, ressalta que o cenário é prejudicial para a aprendizagem das crianças. “A troca constante de professores não deixa os bebês tranquilos, pois eles ficam sem figuras de apego para estabelecer relações e se sentir bem”, diz.
A aprendizagem estruturante acontece no berçário por meio de brincadeiras e atividades que estimulam os alunos. Porém, essas práticas só são possíveis se o cuidado e o afeto fizerem parte da realidade daquela turma de bebês.
“Estamos falando do momento mais importante em termos de conexões neuronais. É um período muito potencial no desenvolvimento dessas pessoas que acabaram de chegar ao mundo”, explica Fochi.
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Falta de professores e vagas para escolas públicas
No âmbito público, a realidade se torna mais desafiadora. Isabel Letícia Medeiros, diretora da Associação dos Trabalhadores em Educação de Porto Alegre (Atempa) tomou posse da entidade em agosto de 2022.
Logo no começo da gestão, ela identificou problemas na manutenção das escolas de educação infantil em Porto Alegre. “Existe a falta de recursos humanos em todas as escolas infantis na cidade. Pela faixa etária, são turmas que demandam mais profissionais, pois requerem cuidados especiais”, orienta.
Em 2001, o Conselho Municipal de Educação de Porto Alegre publicou a Resolução nº 03 que estabelece normas para a oferta da educação infantil no município. Dentre elas, a quantidade de crianças por adulto dentro das salas de aula. Em uma turma de alunos com idades entre zero a dois anos, é necessário que haja até seis crianças por adulto e 18 por professor.
“As pessoas pensam que é um número exagerado de pessoas para cuidar de um número determinado de bebês. Mas eles são pequenos e demandam mais atenção, além do aprendizado ser diferenciado”, conta Medeiros.
A criação de vínculos em meios afetivos e seguros é a base para o ensino dentro das turmas de berçário. “Os bebês exigem mais dos adultos. Por isso, é importante que haja cuidadores disponíveis para atender as necessidades daquelas crianças. Dessa forma, elas estão aptas a aprender, brincar e se relacionar”, ressalta Fochi.
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O currículo generalista do curso de Pedagogia
O problema da falta de professores qualificados para o berçário é explicado, em parte, pelos currículos generalistas dos cursos de Pedagogia.
Uma análise, publicada na Revista do Programa de Educação da Universidade Católica de Santos, em 2021, constatou que 90% dos diretores concordam totalmente que a formação profissional pode promover qualidade no ensino do berçário.
Mas existe uma dualidade entre cuidar e educar na prática docente com essa faixa etária. Isso porque a necessidade de lidar com um cotidiano de cuidado pode gerar resistência entre os profissionais.
“Ainda existem poucas pesquisas que falam sobre bebês. Então, questões mais práticas, de cuidado, não são discutidas dentro do curso de Pedagogia. O que faz com que os professores não vejam tanta importância nisso. Porém, também faz parte da rotina do educador do berçário”, diz Fochi.
Segundo o pesquisador, a negligência das discussões sobre a aprendizagem dos bebês é comum nos currículos atuais. Afinal, a Pedagogia abrange diversas áreas – educação infantil, gestão escolar, ensino fundamental, entre outros temas – em um espaço de apenas quatro anos, o que deixa algumas disciplinas excessivamente genéricas.
Nesse cenário, uma mudança de mindset dos profissionais e uma reformatação dos currículos podem transformar o ensino do berçário. Dessa forma, os bebês terão a educação necessária para que seu desenvolvimento aconteça de forma plena.
“É uma matemática que não ajuda a garantir uma boa formação de professores [cursos generalistas e profissionais com preconceito técnico]. Isso é algo complicado, pois estamos falando de seres humanos que ainda estão aprendendo a ser gente”, destaca Paulo Fochi.
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