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O educador continua sendo quem escuta, orienta e estimula o pensamento crítico. Só que agora precisa fazer isso em meio a telas, algoritmos e uma avalanche de demandas emocionais e cognitivas.
Neste Dia dos Professores, o Desafios da Educação ouviu especialistas para entender como o papel docente se transforma, que habilidades se tornaram essenciais e como os educadores continuam sendo a base de toda mudança.
Durante muito tempo, o professor foi visto como um transmissor de conhecimento — alguém que detém o saber e o repassa de forma sistemática aos alunos. Nesse modelo, o foco está no conteúdo e na autoridade de quem ensina.
O discurso parte do professor, que define o tema, conduz a fala e avalia as respostas. Cabe ao aluno ouvir, anotar e reproduzir o que foi ensinado.
É uma lógica centrada na repetição e na correção, que pouco espaço deixa para a dúvida, o erro ou a criação. Essa concepção, herdeira da racionalidade técnica que moldou as licenciaturas no Brasil, forma professores que ensinam o que aprenderam, mas raramente ensinam a aprender.
A teoria sociocultural, inspirada em Vygotsky, desloca esse eixo. O professor deixa de ser o ponto final do conhecimento e passa a ser o mediador do processo de aprendizagem.
Em vez de apenas transmitir conteúdos, ele cria condições para que o aluno construa o próprio saber — provocando, escutando, problematizando. Ensinar torna-se, então, um ato de diálogo.
O professor mediador compreende o aluno como sujeito ativo, capaz de interpretar e transformar o que aprende. Seu papel é o de um “par mais experiente” que oferece apoio e orientação — o chamado scaffolding — dentro da Zona de Desenvolvimento Proximal, até que o aprendiz conquiste autonomia.
Na prática, isso significa trocar a exposição pela interação, o controle pela colaboração, a certeza pela investigação compartilhada. O professor transmissor ensina para o aluno; o mediador ensina com o aluno. Um repete o que já foi dito; o outro ajuda a dizer o que ainda não foi pensado.
Nos últimos anos, o cotidiano docente foi atravessado por uma transformação silenciosa e profunda. As plataformas digitais, os ambientes virtuais e os recursos híbridos deixaram de ser apenas ferramentas de apoio para se tornarem estruturas que organizam o próprio ato de ensinar. A aula, antes contida em um espaço físico, agora se desdobra em telas, dados e algoritmos. O professor continua no centro, mas o cenário em torno dele mudou radicalmente.
O uso de tecnologias de aprendizagem trouxe novas possibilidades — personalização de trilhas, acompanhamento em tempo real, acesso ampliado ao conhecimento —, mas também novos desafios.
Ensinar em meio a plataformas significa negociar constantemente com sistemas que medem, sugerem e, às vezes, ditam o ritmo do aprendizado.
Entre o quadro e o dashboard, o professor precisa desenvolver competências que ultrapassam o domínio do conteúdo: leitura crítica de dados, curadoria de informações e sensibilidade para equilibrar o humano e o automatizado.
A inteligência artificial amplia essa tensão. Ferramentas capazes de gerar textos, corrigir avaliações e sugerir metodologias podem liberar tempo e facilitar o trabalho, mas também colocam em xeque a autoria, a ética e o próprio sentido da mediação.
Se antes o desafio era ensinar em meio ao excesso de informação, agora é ensinar em meio ao excesso de automação. Nessa nova paisagem, o professor se torna o intérprete entre a máquina e o humano, o filtro que garante que o aprendizado não perca sua dimensão relacional.
“Quando dizemos que a inteligência artificial pode personalizar o aprendizado, o que ela realmente faz é apoiar um processo de personalização concebido por um educador”, explica a formadora de professores Lilian Bacich, autora de livros como STEAM em sala de aula e Metodologias ativas para uma educação inovadora.
Mais do que aprender a usar tecnologias, o docente precisa decidir quando não usá-las. E essa talvez seja a competência mais sofisticada da docência contemporânea: saber distinguir o que pode ser automatizado daquilo que, por sua natureza, exige presença, escuta e vínculo.
A transformação tecnológica ampliou o alcance da docência, que hoje integra domínio do conhecimento, ética e sensibilidade nas relações de aprendizagem.
Em um contexto em que a informação se multiplica e o conhecimento se transforma continuamente, a competência central do professor tornou-se o discernimento — a capacidade de selecionar, contextualizar e dar sentido ao que circula.
As novas demandas da profissão não se limitam ao domínio técnico das ferramentas digitais. Elas envolvem um tipo de inteligência mais ampla, que articula pensamento crítico, empatia e sensibilidade cultural.
Como aponta o sociólogo suiço Philippe Perrenoud, ensinar hoje significa mobilizar saberes diversos para lidar com situações complexas e imprevisíveis. O professor é chamado a desenvolver competências que o permitam agir com autonomia, criatividade e responsabilidade frente às mudanças.
Michael Fullan destaca que a docência contemporânea depende de uma combinação entre competências cognitivas e socioemocionais, em que colaboração, comunicação e adaptabilidade se tornam tão relevantes quanto o conhecimento disciplinar.
Nesse sentido, o domínio das tecnologias digitais é importante, mas só adquire sentido quando aliado à compreensão pedagógica de como elas ampliam — e não substituem — as relações humanas na aprendizagem.
As competências docentes do presente, portanto, envolvem mais do que ensinar: implicam aprender continuamente, cultivar o diálogo e sustentar a curiosidade como valores centrais da educação.
O professor contemporâneo não é o oposto da tecnologia, mas o elo que garante que ela permaneça a serviço do humano — o intérprete que transforma informação em experiência e dados em significado.
Ser professor hoje significa lidar com uma profissão em constante expansão. A sala de aula continua sendo o centro, mas em torno dela se acumulam novas tarefas: planejar, avaliar, registrar, comunicar, integrar tecnologia, cuidar.
O excesso de demandas — pedagógicas, administrativas e emocionais — faz do cotidiano docente um território de múltiplas frentes, onde ensinar exige tanto preparo quanto resistência.
A formação continuada tornou-se indispensável, mas ainda nem sempre acompanha o ritmo das transformações. Muitos professores sentem que aprendem mais na troca com colegas ou na prática do que nos programas formais de capacitação.
O que se espera não é a oferta de mais cursos, e sim a criação de tempos e lugares onde o educador possa analisar sua experiência, confrontar desafios reais e reconstruir coletivamente o sentido de ensinar.
Há também uma assimetria crescente entre redes e instituições. Em algumas escolas, os recursos tecnológicos e o apoio pedagógico permitem experimentação e inovação; em outras, faltam estrutura, tempo e suporte.
Essa desigualdade impacta a forma como cada docente pode se reinventar. A adaptação, portanto, é desigual — e depende, em grande medida, da cultura institucional e das condições de trabalho disponíveis.
Ainda assim, o professor continua sendo o eixo de sustentação da escola. É ele quem transforma limitações em estratégias e quem mantém viva a dimensão humana do ensino, mesmo em meio a pressões e mudanças.
Se há um traço comum entre tantos contextos diferentes, talvez seja este: a docência segue sendo um trabalho de presença — intelectual, afetiva e social — num tempo em que tudo tende à dispersão.
Para a socióloga Maria Helena Guimarães, titular da Cátedra Instituto Ayrton Senna de Inovação em Avaliação Educacional do Instituto de Estudos Avançados da USP em Ribeirão Preto, a discussão sobre saúde mental dos professores
não começa na escola, mas na sociedade.
As tensões que chegam à sala de aula refletem mudanças mais amplas nos valores, nas formas de convivência e no modo como diferentes gerações lidam com autoridade, empatia e responsabilidade.
A polarização e o enfraquecimento de referências coletivas têm repercussões diretas no ambiente escolar — e o docente, muitas vezes, é quem absorve esses conflitos.
Nesse cenário, o desafio da saúde mental docente vai além das práticas de autocuidado ou de programas de bem-estar. Antes de pensar em aliviar sintomas, é preciso compreender o contexto que os produz: a sobrecarga de tarefas, a pressão por resultados, a ausência de apoio institucional e, sobretudo, a desvalorização simbólica do papel do professor.
Para Maria Helena, preservar a saúde mental do educador exige reconstruir o respeito social pela docência, reconhecendo-a como um pilar de estabilidade ética e emocional em meio às transformações do mundo contemporâneo.
“Cuidar da saúde mental dos professores passa por reconstruir o tecido de respeito e confiança em torno da escola”, afirma.
Não se trata apenas de oferecer suporte psicológico, mas de restaurar as condições para que o professor possa exercer seu papel com equilíbrio, autonomia e reconhecimento. A escola pode — e deve — agir, mas não sozinha: é a sociedade inteira que precisa reaprender a cuidar de quem cuida.
A docência se transforma à medida que os professores aprendem a integrar tecnologia, conhecimento e sensibilidade humana em um mesmo gesto pedagógico. A presença de plataformas, inteligência artificial e recursos híbridos já reorganiza não só o modo de ensinar, mas também o de aprender.
O professor deixa de ser um elo final da cadeia de conhecimento e passa a ser o tradutor das mudanças, o profissional capaz de dar sentido à informação, construir pontes entre linguagens e preservar o vínculo humano em meio à automação.
As transformações sociais e culturais que atravessam a escola — da diversidade de perfis à fluidez das carreiras — exigem um professor mais aberto, colaborativo e capaz de aprender continuamente. A docência se reposiciona como uma profissão em permanente formação, que se sustenta não na estabilidade de métodos, mas na flexibilidade de pensar e repensar o próprio fazer.
O avanço tecnológico não substitui o papel do professor; redefine sua centralidade. Ele deixa de ser a fonte exclusiva do saber para se tornar o curador de experiências de aprendizagem — aquele que filtra, interpreta e transforma a informação em conhecimento significativo. No meio da pressa e dos dados, é o professor quem devolve à educação o seu tempo humano: o tempo de escutar, de acompanhar, de construir juntos.
Para Katia Stocco Smole, diretora do Instituto Reúna e fundadora do Mathema, “existe hoje uma falsa oposição entre conteúdo e tecnologia”. Ela explica que a inovação não elimina o conhecimento —
depende dele.
A tecnologia amplia o acesso e diversifica linguagens, mas é o conteúdo, mediado pelo professor, que dá sentido ao aprendizado. O desafio, segundo Katia, não é escolher entre um e outro, e sim integrá-los de forma inteligente, para que a tecnologia esteja a serviço do ensino — e não o contrário.
O futuro da docência, em última instância, será menos sobre ferramentas e mais sobre consciência. A tecnologia continuará evoluindo; o essencial continuará sendo o mesmo — alguém disposto a ensinar e outro a aprender, com tudo o que cabe nesse intervalo.
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