Ensino Básico

Crianças e escolas precisam se conectar à natureza, defende Ana Carol Thomé

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Conexão criança e natureza: "É nítido quando encontramos com crianças que possuem essa oportunidade de estar em áreas naturais", diz Thomé.

Conexão criança e natureza: “É nítido quando encontramos com crianças que possuem essa oportunidade de estar em áreas naturais”, diz Thomé. Créditos: Divulgação.

Sentadas em um jardim, as crianças observam o caminho que as formigas fazem até o topo de uma árvore. Os pequenos se viram para Ana Carol Thomé e tascam: “O que as formigas fazem lá em cima?”.

Thomé não é uma mimercóloga (especialista em formigas). Mas acaba respondendo perguntas assim como idealizadora do programa Ser Criança é Natural do Instituto Romã, organização que atua nas áreas de educação e desenvolvimento humano.

Criado em 2013, o Ser Criança é Natural é uma iniciativa voltada para a facilitação da aprendizagem com a natureza, de forma delicada, sensível e profunda. Promovendo, assim, experiências para as crianças e formação para os adultos.

Do mesmo jardim que costuma preencher a curiosidade das crianças, a professora da rede pública de ensino, especialista em Educação Lúdica, Psicomotricidade e Educação Inclusiva Ana Thomé conversou com o portal Desafios da Educação. Ela avaliou a forma como a educação ambiental é aplicada nas escolas, a importância da conexão criança e natureza e o papel dos professores no desenvolvimento desse vínculo.

 Ana Carol Thomé

Ana Carol Thomé.

O Ser Criança Natural defenda que criança e natureza devem crescer juntas. Quais são os frutos dessa conexão? Quando falamos de conexão entre criança e natureza, a gente precisa pensar que somos natureza. E se somos natureza não deveria existir outro espaço melhor para a gente crescer e desenvolver integralmente.

Então, é na natureza que vamos desenvolver os nossos vínculos afetivos com o mundo. O nosso desenvolvimento cognitivo, afetivo, social, intelectual, psicomotor, linguagem. A criança, quando ela está nessa relação, consegue se desenvolver na máxima potência.

Existem diferenças entre uma criança que tem essa conexão com a natureza e outra que não possui essa relação? É nítido quando encontramos com crianças que possuem essa oportunidade de estar em áreas naturais. Conseguimos perceber, por exemplo, o quanto ela tem uma destreza maior e os movimentos dela são mais harmônicos e precisos.

É possível perceber também, o quanto ela é capaz de resolver problemas e traçar estratégias. Isso porque ela tem uma leitura de mundo muito mais ampla. Ela consegue observar milhões de informações que estão acontecendo simultaneamente. Enquanto uma criança que fica trancada em casa tem um acesso restrito em suas relações. Quanto mais acesso a gente tem ao mundo maior mais refinado é o nosso olhar.

Qual a importância da família na criação dessa conexão da natureza e família? É fundamental envolver as famílias porque não é a criança que decide ir à pracinha em vez de ir ao shopping. Quem escolhe são os adultos. Então, todas as minhas ações têm um pressuposto de dialogar com os adultos. Em uma oficina, por exemplo, convido as crianças a fazer comidinhas, mas também mostro aos adultos o quanto aquilo é importante.

Como envolver os pais nessas atividades? O primeiro ponto é a gente encontrar um lugar que goste de estar. Se você não tem um jardim na sua casa, encontre um tempo para fazer uma caminhada, dar uma volta no quarteirão ou no bairro. E vai no tempo da criança.

Sempre será a criança que vai apontar o que é interessante para ela, não o contrário. Ao adulto cabe parar e perceber o que a criança está olhando. Porque se ela está olhando é muito importante, tem algo ali que está chamando a atenção dela.

Pais e professores devem incentivar o vínculo com a natureza, mas é preciso existir um protagonismo da criança.

E nas escolas: qual é o rumo dessa educação próxima ao meio ambiente? O que se vê nas escolas é uma educação ambiental que vai para um lugar completamente diferente desse que a gente acredita. Não por acaso, eu só descobri que o que eu fazia era educação ambiental depois de ir a um congresso de educação ambiental. Até então isso era apenas uma prática com as crianças. Acho que, no fim, devemos olhar além do rótulo de ser educação ambiental ou não.

Essa é a função do Ser Criança Natural? Sim. Meu trabalho é criar um vínculo. Eu não quero que as crianças saibam o nome das árvores que existem no jardim delas. Se souber, ok. Mas, que isso não seja prioridade.

É mais sobre como que elas percebem que duas ervas são diferentes. Sabe, é esse refinamento de convivência. De perceber a cada dia que uma planta está crescendo e identificar os sinais de que vai brotar uma flor. É eu olhar para a árvore da minha rua todo dia e perceber os ciclos. Quais são os passarinhos que vivem nela. Meu trabalho é sobre esse lugar de admiração e de um respeito gerado por essa relação.

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Esse vínculo ajuda as pessoas a se importarem mais com os problemas ambientais do mundo? Como que a gente vai querer pessoas que se importem com as queimadas no Pantanal e na Amazônia se elas não têm vínculo nenhum com isso? Se ela cresceu do lado de dentro, no ar-condicionado, em frente a uma tela, com janelas fechadas. Que mundo ela conhece? Só esse mundo fechado. Então, ela não está nem aí que foi derrubada mais uma árvore.

A gente precisa parar de olhar rótulos. Quando falamos de educação ambiental estamos falando do quê?

Para mim, isso surgiu naturalmente na minha prática. Não como uma ação de educação ambiental, mas como uma ação de educação.

Você estuda que não pode poluir o rio, que existe aquecimento climático e que precisamos fazer reciclagem dos materiais descartados. Mas como isso acontece? Muitas vezes a escola nem tem essa prática.

Se a gente quer que a criança perceba todas essas problemáticas, vale muito mais ter ações práticas concretas na escola. Do que adianta fazer um cartaz com o desenho das cestas de lixo de cada cor se não existe essa iniciativa nas escolas?

Ser Criança é Natural é uma iniciativa voltada para a facilitação da aprendizagem e conexão com a natureza.

Ser Criança é Natural é uma iniciativa voltada para a facilitação da aprendizagem e conexão com a natureza.

E qual é o papel do professor na criação desse vínculo? Acredito que o professor precisa ser formado em aprender sobre o mundo. Eu acho que a gente tem muito a crescer e a experimentar. Porque seja educação ambiental ou não, o professor que a gente tem está em um lugar que está bastante seguro das suas ações dentro da sala de aula.

Ele ensina do lado de dentro, onde os brinquedos são de plásticos e as janelas estão sempre fechadas. Porque é assim que ele se sente seguro e consegue cumprir um currículo. Não dá para manter as crianças no lado de dentro. Educação a gente faz conectado ao mundo.

A verdadeira escola está na oportunidade de ter esse contado com o mundo. É pesquisando de fato o mundo e numa relação intensa com ele. Não adianta a gente fazer tudo descontextualizado, seja educação ambiental ou educação normal.

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No Instituto Romã, vocês utilizam a metodologia Sharing Nature na formação de professores. Como ela pode ajudar na sala de aula? Seria importante todos os professores conhecerem essa abordagem porque ela é um ponto de partida para um trabalho mais profundo. Essa metodologia abre um campo muito grande para observação, pesquisa, senso de pertencimento, investigação e descoberta.

A Sharing Nature possui um sistema de formação de professores enorme. Muitas escolas são parceiras e trabalham com essa metodologia ao redor do mundo. No Brasil, já existe uma rede de educadores formados por nós. A intenção é chegar em mais pessoas.

Temos relatos de professoras que tinham alunos agitados e depois das atividades de relação com a natureza ela criou uma outra relação com a turma. Se compararmos um currículo ou a BNCC com essas relações, conseguimos ver muitas habilidades que são dos objetivos de aprendizagem acontecendo sem precisar de uma folha para escrever ou de um livro.


Durante a pandemia, vocês usaram o Instagram para incentivar as crianças a olharem pela janela. Como essas coisas simples podem ajudar as crianças nesse momento? Essas experiências existem há quatro anos. A diferença é que durante a pandemia começamos um foco em coisas que a gente vê pela janela. Por isso apareceram questões do céu, do vento e do cheiro.

Foi a maneira que encontrei de fazer as pessoas se conectarem com a vida nesse momento em que a morte está permeando muitas relações. E essas atividades são muito importantes não só para as crianças, mas também para os adultos. É uma forma da gente manter a conexão com o mundo e refinar os nossos sentidos.

Eu recebi muitas devolutivas de pessoas dizendo, por exemplo, que nunca tinham parado para perceber a direção do vento. Teve uma família que fez uma tabela para anotar os horários que as direções dos ventos mudaram.

Ao redor do mundo, algumas escolas adaptaram o retorno das atividades presenciais para ao ar livre. Essa é uma solução para as aulas durante a pandemia? É uma orientação da saúde que as crianças estejam em ambientes arejados, ao ar livre e em contato com a natureza. Devemos, de certa forma, aproveitar essa situação para colocar em prática aquilo que já falávamos há algum tempo.

E eu acredito que sim, é uma grande solução. Eu participei de muitas conversas com educadores da Itália, Estados Unidos, Austrália, Canadá, Chile, Espanha. Todos falaram o quanto as aulas ao ar livre são uma alternativa muito potente e como é importante para as crianças terem essas experiências nesse momento.

Você acredita que, uma vez adotadas, as aulas ao ar livre poderiam continuar mesmo depois da pandemia? Não sei se eu acredito, mas eu desejo que as aulas ao ar livre continuem depois da pandemia. Estamos trabalhando para isso. Acho que se a gente tiver uma consistência grande, que dê sustentação a isso para além da pandemia, a gente consegue.

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