Um crime bárbaro chocou o Brasil na manhã desta quarta-feira, 5 de abril. Um homem invadiu uma creche em Blumenau (SC) e matou quatro crianças, com idades entre 4 e 7 anos, e feriu outras quatro.
O episódio ocorre apenas nove dias após o ataque à Escola Estadual Thomazia Montoro, em São Paulo, no qual um estudante de 13 anos matou a professora Elisabete Tenreiro, além de ferir dois alunos e mais três docentes. E, mesmo que os dois casos não tenham ligação direta, são reveladores de como esse tipo de violência vem se alastrando nos últimos anos no País.
Na semana passada, 48 horas posteriores à tragédia na Thomazia Montoro, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo registrou sete boletins de ocorrência com planos de adolescentes que pretendiam executar atentados semelhantes. A suspeita era de que a ampla divulgação do ataque tenha provocado um efeito “contágio”, inspirando mais crimes. Ainda houve ameaças em outros estados, como o Rio de Janeiro.
Mesmo excluindo da conta todos os casos suspeitos ou frustrados pelas autoridades policiais, o aumento de episódios de violência extrema nas escolas brasileiras impressiona. Um estudo ainda em andamento feito por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) contabilizou 23 ataques nas últimas duas décadas, os quais resultaram em 30 mortes. O balanço não inclui a tragédia em Blumenau.
Saiba mais sobre o estudo:
Chama atenção que quase metade desses ataques (10) ocorreu recentemente, a partir do último semestre de 2022. Se antes a motivação maior era vingança, por conta de episódios de bullying, hoje atribui-se grande parte dos atentados ao discurso de incentivo a crimes de ódio.
O avanço da violência
Um relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho da Educação aponta que normalmente os alunos que cometem esses ataques são motivados por misoginia, homofobia, racismo e xenofobia. E que a prática desses crimes é estimulada em grupos organizados na internet.
Horas depois da tragédia na escola Thomazia Montoro, por exemplo, perfis anônimos congratulavam o assassino pelo “sucesso” do atentado. “Fez o certo”, disse um dos seguidores, enquanto outro incitava mais violência: “Podia ter levado mais”.
A violência nunca é o caminho. É por isso que a pesquisadora Marcele Frossard, assessora de políticas sociais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), considera um equívoco interpretar esses ataques como situações isoladas.
“Muitos estudantes passam por sofrimento emocional e não se tornam violentos, portanto este tipo de crime não está associado apenas com uma decisão individual. É necessário compreender que o processo de cooptação se dá por meio de interações virtuais, em que o adolescente ou jovem é exposto com frequência a conteúdo extremista difundido em aplicativos de mensagem, jogos, fóruns de discussão e redes sociais”, alerta.
Professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Maria Fernanda Tourinho Peres já coordenou o Núcleo de Estudos da Violência da instituição, um dos centros colaboradores da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre o tema. E, embora ache complexo determinar um perfil padrão para jovens que cometem esse tipo de violência, concorda que a perpetração das agressões está, sim, associada a relações de desequilíbrio de poder – seja por questões raciais, sociais ou de gênero.
“Nos últimos anos o Brasil viu um crescimento significativo desse discurso de ódio, muito presente nas redes sociais. É por isso que esse episódio também coloca em pauta a importância de supervisionar o acesso de adolescentes ao ambiente virtual”, pontua.
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Papel do Estado e políticas intersetoriais
Ataques desse tipo são um problema crônico nos Estados Unidos. Para se ter uma ideia, já foram registrados mais de 130 tiroteios em escolas norte-americanas somente em 2023. A legislação do país é muito branda em relação ao acesso a armas, que podem ser compradas em lojas de departamento.
No Brasil, o acesso foi facilitado nos últimos anos por meio de uma série de decretos, que foram revogados recentemente. Segundo o Tribunal de Contas da União, cerca de 554 mil armas adquiridas legalmente entraram em circulação entre 2020 e 2021.
No relatório, a CNDE defende, entre outros pontos, mais rigidez na legislação sobre armas de fogo. Mas já se sabe que isso é insuficiente para combater a cultura de violência: os agressores da escola paulista e da creche catarinense, por exemplo, usavam armas brancas, de fácil acesso.
Para Frossard, é fundamental a participação do Estado no monitoramento e controle dos espaços virtuais, por meio de um debate que envolva especialistas, sociedade civil, empresas e demais grupos de interesse. No entanto, considera ações pontuais no âmbito da segurança, como reforço no policiamento, pouco eficazes.
Sob o ponto de vista preventivo, Peres, da USP, diz que é preciso prestar atenção aos sinais – se o adolescente vive isolado, seja no ambiente familiar, seja na escola, ou tem um comportamento agressivo. Esses podem ser indícios de um sofrimento psíquico extremo.
“Muito se fala da necessidade de estruturação de uma política de saúde mental. O que é importantíssimo, mas não dá conta do problema. Essa é uma situação que pede intervenções políticas intersetoriais (após o atentado em São Paulo, o MEC propôs algo nessa linha) que envolvam escola, família, comunidade e áreas como saúde e assistência social. “Acho que temos muito a avançar nesse sentido.”
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Acredito que a entrada de discursos de ódio nas redes sociais é um crime cibernético, portanto, existe a necessidade de uma polícia mais bem esruturada. Antigamente era quase impossível controlar a violência nos estádios, os incêndios nas construções. Apesar de andar em passos lentos, essas estruturas vão sendo implementadas. Infeizmente precisamos ver muitas tragédias antes de nossos governantes eleitos super interessados tomarem medidas eficientes, mas acredito que seja por aí a solução: estruturar a polícia cibernética.