Por Rui Fava
A tecnologia digital cognitiva não altera o que aprendemos, mas modifica o modo como assimilamos. Está desabrochando múltiplas formas de ofertar ensino, desenvolvimento e aprendizagem. Além disso, a tecnologia oportuniza a entrada de capital de risco, colocando grandes investimentos e novos participantes na arena educacional.
Primeiro, foram os aportes de fundos de private equity, que proporcionaram a eflorescência de grandes grupos educacionais. Recentemente, iniciou-se um modelo de negócio, já consolidado fora de nosso país, no qual as IES contratam uma OPM – (Online Program Management), para auxiliar a desenvolver e ofertar programas de ensino a distância
Os provedores de OPM oferecem suporte em áreas como pesquisa de mercado, marketing, captação e retenção (permanência) de estudantes, gerenciamento de matrículas, serviços de carreira, design instrucional, soluções tecnológicas e ajuda na concepção do currículo, construção de material didático e entrega do curso.
O modelo de negócio é baseado na divisão percentual das mensalidades recebidas, normalmente 50% para cada parceiro. Esta dinâmica molda o futuro do ensino, pois permite às IES isoladas competirem de forma mais igualitária com os grandes grupos. Todo esse processo poderá tornar a educação melhor ou pior, dependendo dos objetivos dos atores participantes.
A covid-19 não criou nada de novo, mas antecipou o que seria inevitável. Ela deu uma vascolejada no status quo que estava se esboçando. E as escolas, forçosa e celeremente, tiveram que se adaptar.
A tecnologia passa a ser uma efetiva mediadora da aprendizagem pós-pandemia, desde que se tenha uma boa estrutura curricular, além de objetivos e metas claras e mensuráveis do que se deseja ensinar e desenvolver. Desponta um renovado conceito de oferta educacional que alteram muitos dos paradigmas tradicionais. Listo 17 deles.
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- Presencialidade
A presencialidade não se refere necessariamente à presença física, considerando um mesmo espaço e um idêntico tempo, uma vez que, com as possibilidades da tecnologia de comunicação e informação, é factível estabelecer tal relação e interação virtualmente, ou seja, o tempo pode e deve ser símil, o espaço não obrigatoriamente.
- Processo de Ensino, Desenvolvimento e Aprendizagem
O Processo e Ensino e Aprendizagem, passa a ser Processo de Ensino, Desenvolvimento e Aprendizagem no pós- pa, uma vez que não basta ensinar é preciso desenvolver as competências e habilidades necessárias para o sucesso nesse novo cenária de tecnologia cognitiva, inteligência artificial e big data (a análise de grandes bancos de dados em, busca de padrões e tendências).
- Metodologias Híbridas
Aprender é modificar comportamentos por meio de atos e ações individuais e não tão somente transmitir conteúdos. Para tanto, é preciso ter vontade e desejo de aprender, assim, não é a metodologia que é ativa e sim o indivíduo.
Mesmo a nomenclatura aprendizagem ativa concerne-se num pleonasmo inapropriado, todavia, aceitável, porquanto, a neurociência cognitiva testifica que não se encontra assimilação passiva, daí a indispensabilidade da pluralidade na educação com a aplicação de metodologias híbridas, divididas em: Metodologia Instrucional para aquisição de conhecimentos; Metodologia Experiencial com o intuito de aquisição, desenvolvimento e incremento de habilidades competências e Metodologia Experimental para sedimentação e concepção de novos conhecimentos.
- Arquétipo educacional
Se historicamente o arquétipo educacional estava concentrado no domínio da informação e na posse do monopólio da certificação das escolas, com a tecnologia digital cognitiva, internet e big data, esse poder passou a ser centralizado no acesso e transferência da informação e não na propriedade. O reconhecimento do saber e do saber-fazer passa a ser aferido na prática, aplicação e transferência dos conhecimentos e competências desenvolvidas e não na possessão de um diploma ou certificado.
- O diploma em xeque
Diplomas universitários estão fora do alcance para uma boa leva de brasileiros e, para outros tantos, os benefícios auferidos não legitimam o alto custo. Certamente este é um dos motivos que, conforme dados do MEC/INEP, somente 48% dos entrantes terminam e recebem certificação de Ensino Superior.
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- Disrupção no mercado de trabalho
Para algumas profissões em áreas da Medicina e do Direito, por exemplo, o diploma ainda tem e terá peso decisivo. Contudo, em muitas outras áreas de conhecimento, o jogo da disrupção ficará cada vez mais dificultoso para as faculdades tradicionais, uma vez que, o que se ensina no primeiro ano de um curso estará obsoleto no final de quatro a cinco anos, não corroborando com o alto investimento.
- Nonodegrees é o futuro
O ensino superior será baseado em nanodegrees que fará parte de um ecossistema para o desenvolvimento de uma constelação de competências.
Nanodegree são formações online com menor tempo de duração se comparados aos programas tradicionais. Nelas, o estudante será o responsável pela construção do seu percurso de aprendizagem. O somatório das competências e aprendizagem é que determinará o tipo de certificação.
- Ensino híbrido síncrono
Se na educação a distância as aulas são disponibilizadas por meio de vídeo-aulas assíncronas, nas quais o tempo de estudo é do discentes, no ensino híbrido as aulas podem ser presenciais ou remotas, contudo devem ser síncronas, em tempo real, seguindo um horário previamente concebido, ou seja, o tempo de instrução é da escola e não do estudante.
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- Ensino em tempo real
O novo normal do processo de ensino, desenvolvimento e aprendizagem não está na dicotomia entre online e off-line, mas na aprendizagem em tempo real. Oportunidades de assimilação ocorrem permanentemente e as estrelas da educação do futuro serão as plataformas e ferramentas de armazenamento e gestão do conhecimento e não, necessariamente, as escolas.
- Fugir das distrações
As instituições educacionais necessitam entender que a luta diária pela atenção, afinidade e fidelidade de seus estudantes se aguçou energeticamente com a eclosão de poderosos players como: Netflix, Now, videogames, redes sociais, plataformas de videoconferências. A batalha é árdua e coloca as escolas como parte de um game que ela nunca jogou e não sabe como jogar.
- Menos salas, mais espaços abertos
Os espaços físicos educacionais devem ser caracterizados para uma pluralidade de modos de aprendizagem e desenvolvimento de competências. O valor do encontro presencial estará no que John Dewey, o filósofo que colocou a prática em foco, denominou de learn by doing (aprender fazendo).
Assim, as escolas terão cada vez menos salas de aulas em forma de auditórios e cada vez mais estruturas dinâmicas de workshop, lounges, arenas para partilha de conhecimento e makerspaces para a prática e aplicação dos conteúdos assimilados.
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- Currículo orientado por dados
O desenho dos currículos será orientado a partir de dados e informações concretas das necessidades das empresas, do mercado e da sociedade em geral.
Em uma conjuntura que exige uma educação cada vez mais efetiva e produtiva, os achismos terão menos espaços; os designers e curadores curriculares necessitarão se apoiar na ciência, com argumentos estruturados para escolher as competências que devem ser desenvolvidas, os conteúdos que precisam ser ensinados, as metodologias, mídias e formatos a serem utilizados e que mais se adequem ao seu cada vez mais heterogêneo público-alvo.
Aliás, esse é o tema do meu novo livro “Currículo 30-60-10”, alicerçado na Taxonomia de Bloom, que em breve estará disponível com o objetivo de auxiliar os gestores educacionais no planejamento e concepção de um currículo adequado as novas exigências do mercado e da sociedade em geral.
- Sem desperdício de tempo
Congregar estudantes de forma isócrona (física ou digital), está cada vez mais dispendioso, razão pela qual, os encontros tautócronos necessitarão gerar valor de aprendizagem.
Aulas expositivas, informativas e palestradas, significará desperdício e mau utilização do tempo. A aprendizagem síncrona será um ambiente de hands on (mão na massa), as metodologias experiencial (ativa) e experimental irão dominar o décor e eliminar definitivamente os monólogos monótonos.
- Comunicação com os alunos
Se a comunicação era importante, hodiernamente será ferramenta de performance e sobrevivência imprescindível do professor, visto que, a aprendizagem síncrona e assíncrona gerará mais ruídos de interlocução do que os tradicionais encontros presenciais.
Assim, será vital que os docentes dominem a linguagem corporal, verbal e não-verbal, sejam proficientes na escuta ativa, no linguajar moderno de emojis, memes e no jargão das expressões idiomáticas digitais.
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- Entretenimento educativo
O mesmo regozijo que conduzirá as metodologias experienciais (ativas) e experimentais para o proscênio dominante, irá trazer o edutainment (entretenimento educativo) para o centro do palco.
Se a ludicidade está cada vez mais relevante para angariar a atenção dos discentes, os docentes sentirão a pressão de ter de entreter e aprazer seus estudantes numa frequência muito mais intensa, o que exigirá habilidades nunca antes necessárias;
- Novas mídias
Se a sala de aula era quase que a única mídia disponível para o processo de ensino, desenvolvimento e aprendizagem, no pós-pandemia e com a tecnologia digital cognitiva, a escola deve estar presente, de forma integrada, concisa, em todos os canais que o estudante esteja navegando como: lives, vídeos, podcasts, blogs, redes sociais, entre outros.
Escolas Omnis serão o protótipo e a educação irá consolidar as experiências de desenvolvimento e aprendizagem para que os discentes possam navegar pelas múltiplas plataformas com autonomia e segundo sua conveniência.
- Avaliação
As provas bimestrais e exames finais de verificação e ranqueamento não serão mais utilizados. A tecnologia permite avaliações múltiplas e permanentes de performance e aprendizagem em tempo real.
Softwares como Adaptive Learning (aprendizagem adaptativa), permitem a entrega de experiências de aprendizagem personalizadas que atendem às necessidades do estudante por meio de ininterruptas avaliações e feedbacks, indicando caminhos e recursos just-in-time.
Não devemos perder a oportunidade
Embora haja considerável debate sobre o que constitui o sucesso dos estudantes, o papel da escola, a função dos docentes, a responsabilidade dos discentes, a influência do meio ambiente, a notoriedade da tecnologia, é evidente que o foco nos resultados está agora incorporado na cultura da Educação.
Essa pressão está vindo dos financiadores de capital de risco e, também, de empregadores interessados em preencher lacunas de competências e habilidades significativas e necessárias aos novos cenários.
O perigo real é que o tresloucado esforço por resultados econômicos e financeiros por parte dos grandes grupos educacionais e investidores de risco (private equity e OPM) faça com que os prováveis 17 itens relacionados a aprendizagem pós-pandemia não tenham significado algum para a educação brasileira.
Todos os avanços para desenvolver as competências podem deixar de ser prioridade e o ensino conteudista, sem qualquer compromisso com a aplicação e transferência dos conhecimentos adquiridos, bem como, com a empregabilidade e trabalhabilidade dos estudantes, sejam postergados por um grande período de tempo, fazendo com que as IES continuem formando pessoas inúteis para esse novo mercado, no qual as ocupações físicas, repetitivas e preditivas, estão sendo rapidamente automatizadas.
Nesse caso, o Brasil continuará na contramão dos avanços da quarta revolução industrial, como fez nas revoluções anteriores, deixando o país como promessa, mas não como realidade.
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Sobre o autor
Rui Fava é sócio-fundador da Atmã Educar, ex-reitor da Unic, da Unopar e vice-presidente acadêmico da Kroton. É autor de diversos livros, como Trabalho, Educação e Inteligência Artificial: A Era do Indivíduo Versátil, Educação 3.0: Como Aplicar o PDCA nas Instituições de Ensino e Educação para o século 21: a era do indivíduo digital.
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