*Por Hélio Dias, Roberto Leal Lobo e Silva Filho, Simon Schwartzman, Paulo Henrique de Mello Sant’ana, Dante Pinheiro Martinelli, Claudio Rodrigues, Júlio Francisco Blumetti Facó, Oswaldo Massambani, José Carlos de Souza Junior e Carlos Rivera Ferreira
Este artigo, preparado por um grupo de professores e pesquisadores a convite do Instituto de Valorização da Educação e da Pesquisa do Estado de São Paulo (Ivepesp), tem por objetivo contribuir para a discussão provocada pelo Programa Future-se, recentemente apresentado à comunidade universitária brasileira pelo Ministério da Educação (MEC) para discussão.
O Future-se propõe estabelecer novas formas de gestão e instituir novas fontes de financiamento para as atividades de pesquisa, inovação e internacionalização das universidades federais, criando mecanismos que, se bem implantados, teriam impacto sobre a educação superior brasileira como um todo, e que poderiam também, em princípio, ser adotados pelas redes estaduais e inclusive pelas instituições privadas.
O novo modelo de gestão
Como é sabido, as universidades federais, como parte do sistema público federal, padecem de uma série de limitações que dificultam sua gestão e a consecução de seus objetivos de ensino, pesquisa e extensão, como as restrições a contratações ágeis e flexíveis, a falta de autonomia para promover e demitir funcionários em geral, a dificuldade na contratação de estrangeiros para qualquer função, a rigidez das regras de licitações, e outros.
Na área financeira, os recursos dependem de orçamentos anuais rigidamente controlados pelo Ministério da Educação, que administra a folha de pagamentos e libera ou não os recursos de custeio conforme a disponibilidade de caixa do governo. Existem muitas limitações formais para a obtenção e administração de receita própria, e os resultados destas receitas não podem ser usados livremente.
As universidades não têm, na prática, autonomia para gerir seu patrimônio, por exemplo vendendo ou comprando imóveis, embora esta autonomia esteja expressa na Constituição. Para contornar esta situação, muitas universidades criaram fundações de apoio que atuam segundo as normas do direito privado, mas, na prática, o funcionamento destas fundações tem sido objeto de dúvidas, questionamentos e, eventualmente, distorções.
O programa Future-se pretende lidar com estes problemas através de parcerias que seriam estabelecidas entre as universidades e organizações sociais, que passariam a colaborar com as universidades na gestão de suas atividades de ensino, pesquisa e extensão, com liberdade de captação e gestão de recursos, administração de patrimônio, contratação de pessoal, e outros, inclusive se utilizando de professores e funcionários cedidos pelas universidades.
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Estas organizações sociais estariam sujeitas às regras de boas práticas e compliance próprias do setor privado, seriam coordenadas por um Comitê Gestor de âmbito nacional, e seriam avaliadas em função de seu desempenho no uso de seus recursos. A proposta deixa claro que a adesão das universidades a este programa é voluntária, e as instituições que aderirem deverão assinar um contrato de gestão de quatro anos, definindo seus objetivos e metas.
A questão mais imediata que se coloca é quanto ao alcance do papel das organizações sociais. O projeto de lei dá a entender que o alcance é muito amplo, podendo significar que as universidades, na prática, terceirizariam sua gestão para as OS, embora o projeto diga que algumas das funções das universidades serão geridas diretamente pelas OS, e outras apoiadas.
É possível pensar aqui em dois cenários.
O primeiro é que as universidades continuariam gerindo normalmente suas atividades de ensino de graduação e pós-graduação, ficando as organizações sociais na administração da parte de pesquisa, inovação e internacionalização. Diferentemente das atuais fundações de apoio, que se limitam a fazer a gestão administrativa e financeira dos projetos que lhes são submetidos pelos docentes, as organizações sociais teriam a efetiva liderança das atividades de pesquisa e inovação das instituições.
Este papel seria mais acentuado no segundo cenário, que parece corresponder mais ao espírito do programa, em que as universidades terceirizariam todas as suas funções para estas organizações sociais, tal como indicado nos artigos 3 e 4 do projeto. Este segundo cenário traz a dúvida sobre qual seria o papel das atuais instâncias de governança das universidades – reitor, vice-reitorias, pró-reitorias, conselhos, chefias de departamentos, coordenadores de programas, etc. – e das organizações sociais.
A experiência internacional mostra que as melhores universidades são aquelas que combinam, em sua administração, uma forte participação de seu corpo acadêmico e um setor administrativo e financeiro moderno, ambos respondendo a um conselho superior com representantes da comunidade científica, da sociedade civil e do principal financiador, ou seja, o governo.
Estas universidades gozam de grande autonomia acadêmica, financeira, patrimonial e de gestão de seu principal capital, que é o talento de seus professores e pesquisadores. Quando financiadas pelo setor público, elas têm metas claras de desempenho em suas múltiplas atividades.
Ao excluir a comunidade acadêmica e científica da gestão das universidades, na hipótese mais extrema de terceirização da gestão, as universidades renunciariam à sua autonomia acadêmica e científica, e com isto suas funções centrais de liderança na produção e transmissão de conhecimentos ficariam grandemente prejudicadas.
Se o objetivo do projeto é ir além das funções das fundações de apoio já existentes, faz mais sentido avançar em um projeto de reforma mais profunda das instituições universitárias governamentais, dando-lhes uma personalidade jurídica própria e restabelecendo os princípios constitucionais de autonomia financeira, patrimonial e acadêmica, introduzindo formas de governança modernas e clarificando as regras de relacionamento entre o governo, como financiador principal, e as universidades.
O formato legal das organizações sociais, adotado hoje pelo Instituto de Matemática Pública e Aplicada e o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, poderia ser utilizado, e deveria haver regras claras de transição do atual regime para o novo, sobretudo em relação aos professores e funcionários estatutários, que poderiam optar por ingressar em novas carreiras instituídas com autonomia pelas diferentes instituições.
Se um dos maiores problemas atuais na gestão das IFES for identificado como o atual processo de escolha de seus dirigentes em que docentes, funcionários e alunos participam, gerando políticas corporativistas, e inexistente nas melhores universidades do mundo, este poderia ser revisto e novas práticas poderiam ser instituídas, como a de proceder à escolha de seus dirigentes por um comitê de busca, permitindo inclusive que eles possam ser oriundos de outros setores da sociedade, como já ocorre em outros países.
Uma outra dúvida ainda em relação à gestão é o relacionamento entre o projetado Comitê Gestor e os órgãos de gestão atualmente existentes dentro do Ministério da Educação, como a Secretaria de Educação Superior, a Capes na área da pós-graduação, a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres), assim como com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e outras agências envolvidas com a pesquisa e a inovação. Existe o risco de que seja criada mais uma agência governamental que entre em conflito funcional com as já existentes.
Finalmente, a proposta indica que seria criado um novo sistema de avaliação das instituições participantes, com indicadores de desempenho institucional e um novo ranking a ser elaborado, mas não fica claro se este sistema deverá substituir o atual Sinaes, com as avaliações do Inep que incluem o Enade e outros instrumentos, as avaliações regulares dos programas de pós-graduação e pesquisa, mantidas pela Capes; ou se os três deverão coexistir.
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O Sinaes foi objeto recentemente de um forte questionamento por parte do Tribunal de Contas da União e passou por uma análise detalhada por parte da OECD, que fez sugestões muito específicas sobre como melhorar o sistema, colocando mais foco em resultados, ajudando as universidades a fortalecer seus mecanismos internos de avaliação, produzindo mais transparência e revendo o posicionamento institucional do sistema de avaliação em relação ao Ministério.
A Capes, por sua vez, vem reformulando seu sistema de avaliação, incluindo, além da qualidade acadêmica, o impacto econômico e social dos programas, com forte ênfase nos procedimentos universalmente adotados de peer review. Não parece fazer sentido criar um novo sistema paralelo de avaliação, ao invés de reformar e melhorar os existentes.
Pesquisa, inovação e internacionalização
Além da gestão, o programa Future-se busca atuar nos temas de pesquisa, inovação e internacionalização das instituições. A perspectiva apontada pela proposta é que a pesquisa deve ser de padrão internacional, fortemente orientada para a inovação, e exercida com uma postura empreendedora na captação de recursos.
Existe uma grande discussão em toda parte sobre a natureza da pesquisa universitária e seu relacionamento com as atividades de ensino, por um lado, e com o mundo das aplicações, tanto pelo setor privado quanto público.
Sem entrar no mérito desta discussão, é importante sinalizar algumas tendências que se observam claramente em todo o mundo, que colocam em questão a visão tradicional da “universidade de pesquisa”, cuja origem é geralmente atribuída à Universidade de Humboldt no início do século 19 e que é a inspiração da regra de “indissociabilidade do ensino e da pesquisa” que consta da Constituição brasileira.
A primeira observação é que, no mundo de hoje, da educação universitária de massas e das pesquisas complexas e de alta tecnologia, a união entre ensino e pesquisa é muito mais a exceção do que a regra.
A pesquisa tradicional, baseada na leitura e discussão de textos clássicos, como nas humanidades, ou observações da natureza e análises laboratoriais, realizada por estudantes de pós-graduação sob a orientação de seus professores, continua existindo, mas, cada vez mais, a pesquisa de ponta requer grandes investimentos, laboratórios complexos e pesquisadores com formação especializada, enquanto que a educação superior propriamente dita, que envolve milhões de estudantes, tende a ser dada em instituições de ensino nas quais a pesquisa de ponta praticamente não existe.
Algumas grandes universidades, como as que aparecem nos primeiros lugares nos rankings internacionais, conseguem cobrir um amplo espectro de atividades que vão da pesquisa mais avançada ao ensino em todos os níveis, mas grande parte da pesquisa ocorre fora das universidades, em agências governamentais, empresas privadas e centros de pesquisa especializados.
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Em muitos países, como Inglaterra, França, Alemanha, Rússia, China e Índia, os investimentos na pesquisa universitária se concentram em um número pequeno de universidades, consideradas de “classe internacional”, enquanto a maioria das instituições de ensino superior se dedicam, sobretudo às funções tradicionais de formação para o mercado de trabalho.
A pesquisa universitária, nestas universidades mais bem-sucedidas, tende a ser uma combinação de temas acadêmicos, de livre escolha de seus professores, e temas mais práticos, feitos geralmente em parceria com instituições públicas e privadas. A distinção entre o que é “pesquisa básica”, “pesquisa aplicada” e “inovação” não é nada clara, sendo dada, sobretudo, pelas fontes de financiamento dos projetos e pelo destino dos resultados das pesquisas, se publicados livremente ou apropriados para fins comerciais ou militares.
Tipicamente, grande parte do financiamento dados às pesquisas universitárias no mundo todo vem de fontes públicas, mas uma parte menor dos projetos têm financiamento privado ou são direcionados a objetivos práticos bem definidos.
O termo “inovação”, utilizado para se referir à pesquisa que resulta em resultados práticos e mensuráveis, tende a ocorrer sobretudo em empresas que operam nas tecnologias de ponta, internamente ou em parcerias com universidades, e seus resultados ficam protegidos por patentes ou outras regras de sigilo.
O desenvolvimento de um sistema nacional avançado de inovação pode se beneficiar da participação mais ativa das universidades, mas depende, sobretudo, do aumento da produtividade e competitividade da economia, como já ocorre no Brasil no setor agropecuário, mas ainda pouco na área industrial e de serviços.
O sistema de pós-graduação e pesquisa coordenado pela Capes foi orientado, desde o início, para a formação de professores doutores, com ênfase na qualidade da pesquisa, avaliada sobretudo em termos de publicações acadêmicas, uma tradição que só recentemente começou a ser alterada.
Sabemos que a pós-graduação e pesquisa de alta qualidade, identificada pela Capes nos programas de pós-graduação que recebem conceito 7 em sua avaliação, está concentrada em um número muito pequeno de instituições, com destaque para as universidades paulistas e umas poucas federais, como as universidades federais do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Mesmo nestas instituições, a pesquisa de qualidade tende a se concentrar em alguns poucos departamentos.
O programa Future-se, ao se concentrar no apoio à pesquisa e à inovação, pode, se bem implementado, trazer recursos adicionais e reorientar parte da pesquisa desenvolvida nestes programas para fins mais práticos e aplicados. É importante lembrar, no entanto, que as razões pelas quais as pesquisas aplicadas se desenvolveram pouco no Brasil não se devem somente ao que ocorre no interior das universidades e das instituições de pesquisa, mas também, ou sobretudo, pela baixa demanda por pesquisa avançada por parte do próprio governo e do sistema produtivo, às voltas com um sistema tributário e uma legislação trabalhista paralisantes, associados a um mercado consumidor em geral pouco exigente.
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Internacionalização
São importantes as medidas propostas pelo programa para aumentar a internacionalização da educação superior brasileira, que ainda é muito fechada. Facilitar o intercâmbio com instituições no exterior, a formação no exterior, o fluxo internacional de professores, a vinda de estudantes estrangeiros, tudo isto enriquece as instituições e contribui para melhorar a educação superior do país.
A educação superior em países pequenos e desenvolvidos, com Singapura, Hong Kong, Holanda e países escandinavos, tende a ser altamente internacionalizada, com ensino em língua inglesa e forte presença de professores de diferentes nacionalidades. Alguns países, como Austrália, Inglaterra, Canadá e Estados Unidos, conseguem recursos significativos para suas universidades públicas e privadas advindos das matrículas de estudantes internacionais. Nos países de maior porte, no entanto, a internacionalização de professores e alunos tende a ser percentualmente menor, e concentrada também em poucas instituições.
A internacionalização não pode ser vista como um fim em si mesmo, e sim como um mecanismo para enriquecer a qualidade e a relevância do ensino e da pesquisa das universidades. Internacionalizar é, entre outras atitudes, deixar de olhar a composição de quadros acadêmicos e discentes exclusivamente no país, mas considerar o mundo como seu universo de busca e colaboração.
Em muitas áreas de pesquisa, a publicação de artigos científicos em revistas de alto padrão e circulação internacional é um bom indicador de qualidade. Em áreas mais aplicadas, como nas engenharias, meio ambiente e ciências sociais aplicadas, pode ser mais importante desenvolver trabalhos relevantes para o contexto nacional e que circulem nos ambientes especializados e em língua portuguesa.
A grande maioria das universidades federais, embora não tenham condições de desenvolver atividades de pesquisa e inovação de nível internacional, podem desempenhar papel importante desenvolvendo recursos humanos e estabelecendo parcerias com empresas locais, inclusive pelo compartilhamento de suas infraestruturas laboratoriais – alias já previsto na Emenda Constitucional nº 85 de 2015. Ainda assim, autores de trabalhos relevantes e de grande impacto internacional em qualquer instituição deveriam ser estimulados a submetê-los a revistas internacionalmente reconhecidas e editadas em língua inglesa.
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Financiamento
O projeto prevê a constituição de um fundo formado por recursos de diferentes fontes, inclusive os imóveis das IFES e os resultados de sua comercialização, receitas de projetos de pesquisa, doações e investimentos, que seriam destinados às universidades por mecanismos competitivos. A estimativa do Ministério da Educação é que este consiga atingir o montante de cerca de 100 bilhões de reais, comparado com o orçamento anual das universidades federais de cerca de 60 bilhões, dos quais aproximadamente 90% destinados a salários e aposentadorias.
Não há estimativa de qual seria o montante deste recurso que estaria disponível para a aplicação anualmente, mas de qualquer maneira seria muito significativo, dadas as restrições nos recursos de custeio que as universidades vêm sofrendo recentemente.
Uma dúvida importante, a este respeito, é se este Fundo limitaria a capacidade das universidades de levantar e administrar diretamente seus próprios recursos. Hoje, mesmo com as limitações existentes, as universidades, departamentos de pesquisa e mesmo professores competem diretamente por recursos da Capes, CNPq e outras agências, assim como em outras fontes nacionais e internacionais, recursos estes que são administrados diretamente pelos professores, departamentos e universidades, conforme o caso. Esta liberdade de competir, obter e administrar recursos deve ser aumentada e regulada, e não constrangida por uma situação em que estes recursos viessem a ser administrados por um fundo nacional com regras próprias. No entanto, se for possível pensar em um fundo que levante e administre recursos adicionais, isto será, sem dúvida, uma inovação bem-vinda.
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Existem várias questões importantes em relação ao financiamento que precisam ser aprofundadas. Uma delas é sobre a questão do overhead incluído ou não nos orçamentos dos projetos de pesquisa financiados pelas agências de fomento, para cobrir gastos administrativos e de infraestrutura incorridos pelas instituições executoras dos projetos.
Nos Estados Unidos, estes custos adicionais chegam a atingir 40% do total dos contratos. No Brasil, as agências financiadoras não só não admitem o overhead, como exigem das universidades contrapartidas, o que acaba acarretando, na verdade, um underhead, um custo adicional para as instituições e seus departamentos, só disponível para setores que contem com recursos financeiros de outras fontes. Isto acaba acarretando uma grande desigualdade entre departamentos ricos e pobres dentro das universidades, e exclui, na prática, o acesso de instituições privadas aos sistemas de financiamento da pesquisa.
Uma outra dúvida é se a expectativa que tem sido anunciada sobre o montante de recursos que seriam arrecadados pelo Fundo é realista.
Em relação aos imóveis, as universidades ocupam muitas vezes imóveis que não são plenamente utilizados, consomem recursos para sua manutenção, e seria importante transformá-los em verdadeiros ativos pela venda ou terceirização de imobilizados. Mas, dados os baixos investimentos havidos nas universidades federais nos últimos anos, que não acompanharam a expansão de matrículas, a situação dos imóveis existentes é frequentemente precária, e é improvável que eles possam resultar em um valor aproximado de 50 bilhões de reais, como tem sido dito.
Também parece excessivamente otimista a expectativa de que o setor privado aumente significativamente sua participação, seja atividades conjuntas de pesquisa e inovação tecnológica, seja em doações filantrópicas.
Exceto em algumas poucas áreas, como a do petróleo e a agropecuária, a economia brasileira ainda é muito fechada e investe pouco em inovação, e já existe um mecanismo instituído para fomentar estas parcerias, que é a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial. Doações filantrópicas foram muito significativas para desenvolver a pesquisa universitária nos Estados Unidos, com a presença de grandes fundações privadas e uma legislação bastante generosa de incentivos fiscais para estas doações, mas isto não ocorre em outras partes do mundo, e, embora desejável, não se pode esperar que estes investimentos filantrópicos se expandam muito nos próximos anos.
Finalmente, não está claro que a área econômica do governo, que trabalha no sentido de aumentar a arrecadação e reduzir os incentivos fiscais, concorde com uma política generosa de isenções fiscais e investimentos públicos em um fundo desta natureza, a não ser que seja em troca de cortes substanciais nos orçamentos regulares das universidades, o que significaria, para as instituições, trocar recursos estáveis por recursos instáveis e imprevisíveis.
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Conclusões
Esta análise sumária dos aspectos centrais do programa proposto indica que se trata de um encaminhamento potencialmente interessante, mas que precisa ser mais amadurecido. É importante aumentar a capacidade de gestão administrativa e financeira das universidades e do próprio Ministério da Educação, fortalecer a qualidade e a relevância da pesquisa e estimular a inovação e a internacionalização.
Mas, invés de criar uma estrutura paralela de organizações sociais, deve ser possível criar uma legislação própria para as universidades, instituindo contratos de gestão e sistemas de avaliação que tomem em conta os projetos institucionais de cada universidade. A curto prazo, consolidar e aperfeiçoar as atuais fundações de apoio às universidades federais seria uma solução ao nosso ver bem mais simples, que não retiraria a autonomia universitária e cumpriria os propósitos da flexibilidade administrativa. O governo poderia transferir imóveis para as fundações para criar os fundos de investimentos sem maiores problemas, ou pelo menos não maiores do que passá-los para uma organização social ou para um Fundo Nacional.
Nada se diz no projeto da carreira docente e de sua gestão, embora este ponto seja crítico em uma reforma universitária. A estabilidade, o regime de trabalho, critérios de promoção deveriam ser provavelmente revistas, com a introdução de avaliações baseadas nos portfólios e desempenho dos professores.
Um tema que precisa ser considerado é o dos recursos hoje destinados ao pagamento do regime de tempo integral e dedicação exclusiva dos professores, entendidos originalmente como mecanismo para financiar a pesquisa, mas que na prática foram incorporados aos salários de um grande número de professores das universidades federais, representando um custo considerável em seu orçamento.
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Pode haver situações em que a dedicação contratada não é cumprida, que precisam ser corrigidas. Mais amplamente, é necessário decidir se estes contratos devem se refletir necessariamente na produção científica do professor, ou podem ser entendidos como a dedicação completa do professor às atividades na IES, não unicamente para a pesquisa, mas aperfeiçoando o ensino, a extensão, o atendimento e apoio ao aluno e a gestão acadêmica.
Muitas instituições de excelência, como o Instituto Tecnológico da Aeronáutica no Brasil, e Olin College nos Estados Unidos, se notabilizam pela qualidade dos alunos que formam, sem, necessariamente, terem numericamente uma significativa produção científica, e não seriam contempladas pelo programa Future-se tal como está sendo apresentado.
Deveriam ser criadas, também, condições para que docentes e funcionários das IES possam viabilizar ações inovadoras e cooperativas com empresas públicas, privadas e a sociedade em geral, iniciativas essas incentivadas e valorizadas dentro carreiras de docentes e funcionários. Sugere-se que se estude critérios que permitam, paralelamente à avaliação da produção científica e do trabalho em cooperação externa, avaliar, identificar e valorizar os melhores professores das IES.
Consideramos da maior importância que as universidades federais criem, com o apoio e concordância do MEC, projetos estratégicos dentro de uma redefinição da missão realista e individualizada de cada uma, tendo em vista suas localizações, composições e experiências, que balizaria as prioridades educacionais, científicas e de extensão, o perfil e ação do corpo docente e facilitaria futuras avaliações institucionais.
Esta medida é importante tendo vista das dimensões do Brasil, o que impõe que cada IES deva ser analisada individualmente em colaboração com o MEC, nos quesitos recursos humanos, infraestrutura e sua localização para a criação do plano estratégico para que seus objetivos na área do ensino, pesquisa e extensão possam ser definidos claramente.
Incentivos pelo aumento da captação associado a uma redução dos custos, como desperdícios e manutenção de programas sem demanda ou repercussão, precisam estar contemplados pela gestão de cada universidade. No entanto, é preciso equilibrar as políticas baseadas no mercado e nas demandas externas com valores acadêmicos e a missão de cada instituição. Necessária se faz, especificamente, uma revisão completa dos problemas relacionados às sistemáticas de compras e obras necessárias das IES, hoje feitas de forma obsoleta, de qualidade discutível e implementadas por funcionários muitas vezes não preparados para essa importante atividade da qual depende a competitividade das instituições.
Todos os processos de formação de recursos humanos, sejam eles na graduação como na pós-graduação das IES, precisam ser revistos incorporando os recursos da tecnologia da informação moderna e aprendizagem à distância. A valorização das atividades de ensino de seus docentes é essencial para que essas iniciativas avancem.
As normas atuais que exigem que novos professores só ingressem na carreira no nível inicial, e só possam progredir por antiguidade, precisam ser revistas, permitindo que as universidades busquem e contratem talento em todos os níveis, e associando fortemente a promoção nas carreiras ao desempenho.
E as universidades precisam ter planos de carreira próprios, adequados às necessidades e condições locais, tendo inclusive a liberdade de negociar salários, dentro de seu projeto institucional e limites orçamentários.
A internacionalização exigirá, também, profundas mudanças culturais nas universidades federais e em suas formas de gestão neste item, inclusive com a contratação flexível de professores, pesquisadores e técnicos estrangeiros, e transformando o intercâmbio internacional em uma fonte adicional de recursos além da sua importância acadêmica.
Seria muito importante rever a regra pela qual o ensino público é gratuito para todos, inclusive estrangeiros (embora quem pague os impostos para sustentar as universidades sejam os brasileiros), uma vez que isso desestimula a busca de estudantes estrangeiros pelos custos adicionais que esta política impõe às universidades.
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Mais amplamente, embora seja uma questão controversa, é importante reabrir a questão da gratuidade inclusive para estudantes brasileiros. O sistema de crédito educativo associado à renda futura, adotado nas universidades públicas da Austrália e adotado por vários outros países, e que está sendo implementado no Fundo de Investimento Estudantil para o setor privado (FIES), poderia eventualmente ser utilizado também no setor público, fazendo com que todos os estudantes sejam admitidos por mérito, independentemente de recursos, ficando no entanto responsáveis por ressarcir seus custos, em todo ou parte, como proporção de sua renda futura a partir de um determinado nível de renda.
Finalmente, embora o sistema federal seja prioritário para o Ministério da Educação, e os temas da pesquisa, inovação e internacionalização sejam relevantes, o MEC é também responsável pela qualidade do ensino não só em suas instituições como também de todo o sistema comunitário e privado, que atende hoje a 75% da matrícula, além das redes estaduais, com destaque para as universidades paulistas estão entre as principais instituições de pesquisa do país.
A modernização da educação superior brasileira, de seus mecanismos de apoio, de controle de qualidade e financiamento, não pode se limitar ao sistema federal e às poucas universidades que poderiam se beneficiar do atual programa, mas devem ter em vista todo o conjunto.
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Sobre os autores
Hélio Dias é professor sênior do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo e presidente do Instituto de Valorização e da Pesquisa do Estado de São Paulo.
Roberto Leal Lobo e Silva Filho é presidente do Instituto Lobo, professor sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP, pesquisador visitante da Boston University e membro da Academia Brasileira de Ciências.
Simon Schwartzman é pesquisador associado do Instituto de Estudos de Política Econômica e membro da Academia Brasileira de Ciências.
Paulo Henrique de Mello Sant’ana é professor associado da Universidade Federal do ABC na área de economia da energia e eficiência energética.
Dante Pinheiro Martinelli é professor titular aposentado da Universidade de São Paulo na FEA-RP e vice-presidente do Instituto de Valorização e da Pesquisa do Estado de São Paulo.
Claudio Rodrigues é diretor-presidente do Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia e pesquisador Emérito do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares.
Júlio Francisco Blumetti Facó é professor associado na Universidade Federal do ABC vinculado aos programas de graduação em Engenharia de Gestão e pós-graduação em Engenharia e Gestão da Inovação.
Oswaldo Massambani é coordenador dos Programas de CT&I da Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica.
José Carlos de Souza Junior é reitor e professor do Instituto Mauá de Tecnologia – onde atua como Reitor e professor.
Carlos Rivera Ferreira é diretor geral da Faculdade Pentágono de Santo André, avaliador do Ministério da Educação e membro fundador da Rede Latino Americana de Cooperação Universitária.
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