Dois mil seguidores. É isso o que Richard Uchoa Vasconcelos arrebanha, semanalmente, em seu perfil no LinkedIn. Na rede social dos profissionais, já são 130 mil pessoas dispostas a ler e interagir com as publicações dele sobre educação, tecnologia e empreendedorismo – seus assuntos favoritos.
Aos 35 anos, Vasconcelos tem um currículo significativo. Além de influencer, é mestre em Educação pela Universidade de Oxford, fundador e CEO da LEO Learning Brasil (edtech focada no segmento corporativo), palestrante, ex-CEO da escola de inglês Britannia e neto orgulhoso do magistrado João Uchôa Cavalcanti Netto – o falecido fundador da Estácio, atualmente a segunda maior empresa de educação do país.
Na quarta-feira (14), de sua casa no Rio de Janeiro, Richard Vasconcelos conversou com o Desafios da Educação. Ele avaliou o comportamento do mercado educacional frente à pandemia do coronavírus, as estratégias de aprendizagem adotadas na quarentena, os desafios financeiros de escolas, pais e alunos. E ainda: projetou que, se o lockdown continuar pelos próximos meses, as instituições terão que se reinventar como modelo de negócio.
A seguir, em texto editado, confira os principais trechos da entrevista. A íntegra está disponível no quarto episódio do podcast “Desafios da Educação”.
Faz um mês que o Brasil entrou em quarentena. Como você avalia o comportamento do mercado educacional até aqui? É difícil analisar e dar uma resposta, pois cada instituição de ensino agiu de uma forma. Mas tem alguns desafios compartilhados por todo mundo. O primeiro é de tecnologia. Algumas instituições que trabalham com educação a distância, que têm plataforma, estúdio de gravação, certamente conseguiram se adaptar mais rápido. Quem já era online sofreu menos; quem era 100% presencial, teve maior dificuldade por causa da velocidade da situação.
Uma transformação para o ensino online demora pelo menos seis meses. Com o coronavírus, essa mudança teve que ser feita em um final de semana.
Outro desafio é a parte de processo e de pessoas. Principalmente os professores: muitos não estavam prontos para isso, não tinham computador, internet ou webcam em casa.
E os alunos: como eles reagiram nesse processo de migração em massa para o ensino online? Para o aluno, eu acredito que o desafio não seja tecnológico – talvez para aqueles que são mais velhos. Como a instituição não estava preparada para o ensino 100% online, nem os professores, os estudantes podem ter sentido o efeito dessa falta de preparação. E também sentido falta da interação – uma aula que ele tinha contato com pessoas, amigos, colegas, isso ele não tem mais.
O fato de ser uma pandemia global, contudo, facilita o entendimento, e faz com que o aluno não jogue a culpa na instituição. A única coisa que ele vai pleitear é o desconto das mensalidades. Essa é a parte mais preocupante para as instituições de ensino.
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Pois é. No começo da quarentena, no meio de março, o setor privado alegou que o abatimento não era adequado devido aos custos tecnológicos, ao restante da operação e ao momento singular que vivíamos. Mas a crise continua e os consumidores estão sem dinheiro. Nesse sentido, o que pode ser feito – que seja bom para todos? Para responder isso acho que podemos segmentar por faixas de educação.
Na educação infantil, com crianças até 5 anos, o desafio é manter essas crianças motivadas e ativas a distância. Na prática, as escolas estão terceirizando isso para os pais – e os pais podem querer fazer isso ou não, podem saber fazer ou não. De fato, muitos pais pagam escolas porque não têm tempo. Então existe uma preocupação muito grande como o ensino infantil.
Nas séries mais avançadas e já alfabetizadas, do ensino fundamental ao ensino médio, isso muda completamente. Os alunos têm mais autonomia e o fato de serem alfabetizados colabora no uso do ambiente virtual de aprendizagem, onde é realizado um trabalho mais baseado em tarefas. Esse público também é menos sensível a evasão: na educação infantil, você pode tirar a criança da escola e coloca-la daqui três meses. Mas se o aluno já é alfabetizado, ele não vai querer perder o ano escolar. Então, nisso a escola tradicional está sob risco menor de evasão.
Se o pai ou a mãe perder o emprego, o que pode acontecer, eles vão fazer outros sacríficos antes de tirar os filhos da escola.
Vai chegar o momento em que os sacrifícios irão atingir o colégio, mas terá o efeito cascata: do ensino premium (no topo) para uma escola B, depois para uma escola nível C. É assim que as pessoas conseguirão equilibrar as coisas. Mas, bem ou mal, todo mundo irá absorver um pouco das perdas.
E no ensino superior? A dinâmica é muito diferente. Muitas vezes é o próprio aluno quem paga a mensalidade. E ele pode trancar o curso por seis meses ou um ano, uma coisa que não se pode fazer no ensino fundamental ou médio. Os estudantes do ensino básico são mais sensíveis a preço e desconto, porque 76% das escolas básicas são públicas. É diferente no ensino superior, onde a maior parte dos estudantes estão em instituições privadas.
Vejo uma dificuldade muito grande dos gestores e mantenedores para entender a situação. É preciso tentar ser flexível, buscando o equilíbrio. Não adianta ser duro e dizer que não vai dar desconto para ninguém; mas também não dá para dar desconto para todo mundo, se não a empresa quebra. A crise é real, está acontecendo para todo mundo. A questão é ter paciência, negociar e ter uma gestão de fluxo de caixa. O que determina como as empresas irão sair dessa crise é uma única palavra: caixa.
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Nesta semana, publicamos que as universidades americanas cogitam suspender aulas presenciais até 2021. Se isso acontecer no Brasil, como os gestores devem atuar? Imaginando que essa situação continue até 2021, os gestores terão que repensar as escolas na forma de dar aulas e em termos de modelo de negócio. No ensino presencial existem 60 alunos em uma turma, por exemplo, com professor que precisa ir até a sala. Existe espaço físico, secretaria e outras coisas que têm custo. Os gestores teriam que repensar todos esses investimentos.
Por que o ensino online custa 200 reais por mês e o presencial 1.000 reais, por exemplo? Por duas razões: estrutura de custo e escala. Então, se a instituição precisar ir para um modelo 100% a distância nos próximos dez meses, ela terá que lidar com sua estrutura de custo como aluguel e pessoas.
E na aprendizagem: como preparar os alunos para cada vez mais aulas online? O maior erro que eu vejo na migração do presencial para o ensino a distância é a digitalização do presencial. Dar uma aula, gravar e simplesmente disponibiliza-la em vídeo é o equivalente a digitalizar uma experiência de compra, ou de filmar uma peça de teatro e dizer que está fazendo cinema. Não é assim que funciona.
Eu acredito que as instituições precisam ter um olhar diferente para ensinar. Essa tem sido a minha crítica há anos ao ensino superior – muito antes da pandemia. Muitas vezes o aluno apenas assiste uma aula, feita em estúdio, que dura duas ou três horas, e despois ele precisa responder uma pergunta no fórum só para dizer que está tendo uma aprendizagem colaborativa, e o professor pode colocar o nome do Lev Vygotski¹ em seu projeto pedagógico.
Eu vejo um EAD muito passivo. O correto é desenvolver tarefas e desafios, onde o estudante precise pensar. O maior desafio do ensino online não é criar conteúdo, mas gerar raciocínio crítico.
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Falamos de gestão privada até aqui, mas gostaria de ouvir uma última opinião sobre liderança pública: como você avalia a gestão do MEC durante a pandemia? O MEC é um limitador para a inovação nas instituições de ensino, sem dúvida. Mas o maior problema é que muitos usam o MEC como um escudo para não inovarem e ousarem um formato diferente.
A Uber, por exemplo, primeiro foi criada e depois foi feita a legislação. Se a empresa tivesse esperado a legislação, ela nunca seria inventada. Os aplicativos de alimentação (Ifood, Uber Eats, Rappi), ou qualquer tecnologia que irá mudar paradigmas: primeiro é feita por uma iniciativa privada ou uma instituição de pesquisa, e depois a legislação acompanha.
Quando trago as minhas ideias de inovação eu sempre escuto algo como “ah, o MEC não permite”. Para mim, quem fala isso está com medo de inovar e enfrentar o sistema.
É óbvio que não vamos oferecer algo ilegal. Vou dar um exemplo com conhecimento de causa: a graduação tecnológica ou politécnica. Esse modelo não existia no Brasil. Foi a Estácio que a trouxe do México, enfrentou o MEC e criou um modelo lançando inovação. Isso gerou um caos no MEC, na época, mas foi aprovado e hoje é padrão de mercado. Então muitas coisas que o MEC não permite ele seguirá não permitindo. Até se pedir permissão.
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¹Lev Vygotski foi um psicólogo e defendia que o desenvolvimento intelectual acontece através da interação social.
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