O ano de 2022 marca o início da implementação gradual do Novo Ensino Médio, aprovado em 2017 por meio da Lei nº 13.415. As mudanças no currículo de instituições públicas e privadas são guiadas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs). Entre as novidades está a obrigatoriedade de oferecer os chamados “projetos de vida”.
A reforma na última etapa do Ensino Básico determinou a adoção do ensino em tempo integral, totalizando um mínimo de mil horas anuais (o equivalente a cinco horas por dia), e dividiu a carga horária em duas partes. Na primeira, as habilidades são desenvolvidas em cinco áreas, e não mais em disciplinas. São elas:
- Linguagens e suas tecnologias;
- Matemática e suas tecnologias;
- Ciências da natureza e suas tecnologias;
- Ciências humanas e sociais aplicadas;
- Formação técnica e profissional.
A segunda parte da carga horária deve totalizar 1,2 mil horas anuais e estar disponível para as turmas dos três anos do Ensino Médio. Seu foco está nos interesses, talentos e aspirações individuais dos estudantes, que passam por trilhas de aprofundamento nas áreas de conhecimento ou na formação técnica e profissional.
A estratégia anda em conjunto com a definição dos projetos de vida dos alunos e busca preparar cidadãos não apenas para o mercado de trabalho, mas também para a vida pessoal e social. Durante as aulas, os docentes conhecem os sonhos individuais e ajudam a determinar meios de concretizar os objetivos traçados. Dessa forma, as escolas incentivam o autoconhecimento, que é o ponto de partida para planejar o futuro.
As formas de orientar o processo foram definidas em 2021, segundo o cronograma estabelecido pelo Ministério da Educação (MEC). A maioria das escolas tem optado por oferecer disciplinas específicas, embora também seja possível abordar o assunto em projetos, oficinas e núcleos de estudo, entre outras atividades.
Foi o que ocorreu no Rio Grande do Sul, onde o governo estadual definiu uma matriz referencial a ser aplicada pelos docentes. No entanto, no Instituto Estadual de Educação Cecília Meireles, em Bento Gonçalves (RS), a oferta da disciplina de projetos de vida aconteceu ainda em 2019, quando a instituição se tornou um projeto-piloto na cidade.
Até então, não haviam capacitações sobre como guiar as aulas. Assim, Jania Maria Glanert, professora do componente curricular nas turmas de Ensino Médio da escola, estudou de maneira independente. Apenas mais tarde, em 2021, participou de formações oferecidas pela Secretaria de Estado da Educação, a Seduc, e pelo Instituto Jung. Só agora, em 2022, ela passou a contar com o suporte de materiais específicos. “Saíram vários livros didáticos sobre a disciplina de projeto de vida. Todos têm a mesma estrutura, mas a metodologia de alguns é um pouco diferente.”
Formação docente
A adequação das instituições públicas recebe o apoio técnico e financeiro do Ministério da Educação (MEC) por meio do Programa de Apoio ao Novo Ensino Médio, instituído em julho de 2018. De acordo com a pasta, entre 2019 e julho de 2021 uma verba de R$ 360 milhões já havia sido destinada às secretarias estaduais para serem aplicadas na formação docente e na elaboração dos novos referenciais curriculares de mais de 4 mil escolas-piloto.
Em Minas Gerais, por exemplo, desde maio o governo oferece uma formação a 1.175 coordenadores gerais e professores responsáveis por ministrar pela primeira vez as disciplinas de projeto de vida nas escolas estaduais. Dentro de uma carga horária de 16 horas, serão discutidos meios de entender o sonho dos alunos, bem como estratégias úteis na orientação da determinação de metas.
O mesmo ocorreu no Mato Grosso do Sul. Professores e coordenadores pedagógicos de 27 escolas participaram do Curso de Formação e Aprofundamento em Projeto de Vida, realizado em abril pela Secretaria de Educação do estado. Também houve a troca de experiências com docentes já atuantes na disciplina.
Entre os ensinamentos repassados estavam o de que a abordagem é uma forma de estimular o autoconhecimento e identificar prioridades, aptidões e papel familiar. Para a coordenadora pedagógica Edna de Souza Sanches, os projetos de vida oferecem muito mais do que isso. “Quando o estudante percebe que todos os esforços são voltados para os seus sonhos, ocorre a transformação. Não apenas para vocação e impulso profissional, mas para um cidadão preocupado com outro ser humano e construtor de um ambiente mais humano e próspero.”
Exemplos de atividades
O autoconhecimento é justamente o foco das atividades propostas pela professora Jania Maria Glanert, de Bento Gonçalves (RS) – embora outras habilidades também sejam trabalhadas de acordo com as orientações da BNCC. Nesse sentido, cada ano do Ensino Médio foca na abordagem de um tema:
- 1º ano: quem sou eu (família, identidade e personalidade)?
- 2º ano: convívio do eu com o outro – ou seja, o que é possível aprender com o coletivo para aprimorar o conhecimento individual;
- 3º ano: planejamento do futuro.
A missão é cumprida com a ajuda de recursos como músicas e filmes. Exemplos disso são as produções De porta em porta e À procura da felicidade. “Ambas retratam a vida real e falam sobre superação, que todo mundo tem problema, que precisa trabalhar e ter sonhos – e que com força e dedicação chegamos onde queremos”, explica Glanert.
A professora também busca incentivar a reflexão por meio de dinâmicas. No 2º ano, por exemplo, os estudantes fizeram um paralelo entre como funciona um barco e as suas próprias vidas, inclusive utilizando remos. “Sozinhos, eles precisam remar muito, mas se todos remam juntos conseguem chegar mais facilmente em um objetivo comum.”
O autoconhecimento também é a proposta na Escola Estadual João Vitorino Marques, em Aral Moreira (MS). Os alunos do 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio foram provocados pela professora Aline Feitosa a refletirem sobre seus sonhos e aspirações profissionais a partir da pergunta “Quem sou eu?”. As turmas também participaram de leituras e rodas de conversa e produziram mandalas, potes dos sonhos, livros e desenhos que refletissem suas personalidades e perspectivas, valorizando a individualidade.
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