Produtos educacionais: como conectar interesses

São inúmeros os desafios que estão conectados à oferta de produtos educacionais de qualidade para o ensino superior, não tenho dúvidas, mas entendo que muitos desses desafios estão conectados na verdade com os múltiplos interesses envolvidos entre seus principais atores: regulação (MEC, Diretrizes Curriculares, Conselhos e todos os outros órgãos ou atores que direcionam as formas de oferta), instituições de ensino superior, os estudantes que são o principal ativo desse ecossistema e o mercado de trabalho, que é a base do objetivo profissional dos estudantes.

Ao olharmos o cenário atual educacional percebo que os dois primeiros atores, Regulação e Instituição de Ensino, puxam a frente dos processos e direcionamento dos produtos educacionais. A regulação por propor diretrizes que buscam atender formações amplas e generalistas e as instituições de ensino que buscam atender interesses que vão muito além da qualidade de ensino.

Para ambos os casos, é importante registrar que não é uma crítica mas sim uma constatação do que já está declarado e que embasa o objetivo deste artigo, e por isso é necessário ter clareza de que são estratégias eficientes, uma vez que perduram por muitos anos e que são as regras postas na mesa e o jogo precisa ser jogado conforme suas regras!

Do outro lado temos os estudantes que são expostos à produtos educacionais baseados na formação geral, que buscam escala para rentabilidade e que declaram atender as demandas do mercado de trabalho, nesse cenário os estudantes são coadjuvantes buscando e criando suas próprias oportunidades (falo um pouco sobre isso neste artigo)e o mercado de trabalho que está em evolução e desenvolvimento em nível exponencial e que acaba não sendo contemplado em tempo hábil quanto suas necessidades, é como se o mercado estivesse em 2025 e os produtos educacionais ofertados para uma demanda de 2024, um pouco atrasados.

Olhando esse cenário podemos até imaginar que temos 4 pontas, cada um puxando para um lado, sendo que à esquerda temos regulação e IES e do lado direito mercado de trabalho e estudante, hoje regulação e IES comandam o jogo e os produtos educacionais estão mais próximos de seus interesses, enquanto que o mercado de trabalho é atendido com um certo atraso ou não atendido para novas demandas profissionais e os estudantes um pouco mais afastados do centro das decisões e acabam tendo que se contentar com o que tem a disposição independente das suas necessidades.

Olhando para os dias de hoje, o impacto da inteligência artificial, o futuro do trabalho, as transformações das profissões atuais e o desenvolvimento de novas carreiras não me parece coerente que o mercado de trabalho e principalmente o estudante sejam colocados como coadjuvantes neste processo. A imagem abaixo ilustra(a) o cenário compreendido atualmente (b) um cenário de pleno equilíbrio entre todos os atores e (c) o com foco em produto e que poderia ser um caminho para produtos educacionais de alto impacto e relevância.

Dito isso, é importante reforçar que o objetivo desse artigo não é realizar uma crítica ao sistema educacional, mas mais importante que isso é mostrar possíveis caminhos para uma mudança na forma de equalizar os múltiplos interesses e que os produtos educacionais possam ser desenvolvidos para contemplar os interesses de seus principais ativos que são os estudantes atendendo às necessidades do mercado de trabalho atual.

Vejo que esse é um caminho para o sucesso de produtos educacionais. Então vou dividir os próximos parágrafos descrevendo como podemos criar estratégias eficientes para ampliar o alcance dos produtos educacionais.

Regulação

Vamos iniciar pelo mais complexo e talvez menos flexível de todos que é a regulação. Seria imprudente fazer qualquer afirmação de que a regulação não atende ou não busca atender aos múltiplos interesses dos atores aqui referidos, tendo em vista o processo e complexidade que se dá para construção de diretrizes educacionais,  institucionais e de cursos é mais assertivo refletir que a complexidade do processo não consegue acompanhar a velocidade com que o mundo evolui.

Então as oportunidades que temos para desenvolver produtos educacionais em relação à regulação estão conectadas à interpretação das diretrizes buscando encontrar oportunidades para aproximar os múltiplos interesses alguns exemplos entre tantos possíveis:

• Traduzir as competências e habilidades em aplicações que acompanhem os avanços tecnológicos e demandas atuais do mercado de trabalho.
• Desenvolver currículos com a estratégia do MACRO para o MICRO, dando maior clareza aos estudantes sobre possíveis campos de atuação.
• Utilizar a curricularização da extensão e o estágio supervisionado como meio para aproximar o estudante e o mercado de trabalho.
• Desenvolver currículos que permitam flexibilidade de atualização em tempo real.
• Compreender as tendências e futuro do trabalho para propor novas formações através de cursos experimentais, aproximando a demanda com as ofertas.

Perceba que os pontos acima são interpretações de como os produtos educacionais podem ser desenvolvidos sem que haja uma necessidade de mudança regulatória, mantendo a perspectiva atual e abrindo espaço para novas estratégias para os produtos.

As IES

E é com esse olhar que encaramos os interesses do segundo ator, as instituições de Ensino, tão complexo quanto a regulação são os interesses institucionais que são particulares a cada IES e que são tão valorizados em seus diferenciais. Mas, aplicando um olhar mais voltado a negócios há muita aproximação nesses interesses, voltados a uma maior sustentabilidade financeira, somada com a maior retenção e permanência dos estudantes e com alta entrega de valor (percebida) para os estudantes.

São interesses gerais que podem ser ampliados quando aproximamos o olhar às características de cada Instituição, seja ela regional, estadual ou nacional. Mas, para esta reflexão vamos focar nos interesses gerais onde também temos oportunidades para produtos educacionais, ainda mais com o avanço amplo do ensino digital como:

• Para produtos 100% digitais, ofertas que promovam a aplicação, desenvolvimento de habilidades e interação entre pares são relevantes para maior envolvimento e engajamento dos estudantes.
• Produtos híbridos que priorizem a presencialidade para a atuação profissional, fortalecendo as experiências dos estudantes de forma a contribuir com seu treinamento.
• Criando estratégias de personalização do ensino ampliando o alcance do produto para diferentes “personas” através de ofertas multimodais (visual, auditivo, cinestésica e leitura/escrita).
• Ter um maior alcance dos produtos quanto sua entrega final alinhada com as novas necessidades e demandas do mercado de trabalho (já citamos isso na regulação, mas a Instituição se torna uma ponte real para a conexão entre a estratégia e sua execução).
• Ampliar o escopo da entrega dos produtos para além da formação, criando uma comunidade fortalecida por parcerias e inserção no mercado de trabalho.

Pausa para uma água, uma respiração profunda e uma breve reflexão!

Vejam que quando cito as oportunidades para produtos educacionais que atendam os interesses regulatórios e das IES, estamos falando de conectar pontos que atendam as necessidades do mercado de trabalho e entregue estudantes com uma formação coerente, contemporânea e de qualidade.

Por si só, essas oportunidades já trariam um grande avanço para os produtos educacionais e de certa forma atenderia aos interesses de todos os atores. E aí você deve estar se perguntando o motivo pelo qual isso não atende os interesses dos estudantes e do mercado de trabalho? Até parece não fazer muito sentido o texto!

O estudantes

Vou tentar conectar os últimos pontos e espero deixar claro o que falta para alcançarmos produtos educacionais de alto impacto. Para isso vou usar um exemplo bem simples que envolve a compra de um presente para uma pessoa querida.

Quando buscamos o presente fazemos uma reflexão (pesquisa) sobre os interesses daquela pessoa, quais são suas necessidades declaradas, estilo de vida entre outras características. Pois bem, tudo isso é feito para aumentarmos a possibilidade do presente causar impacto positivo entregando valor ao momento e a sua futura utilização.

Entendem que ao estruturarmos os produtos educacionais nos dias de hoje parece que há uma tentativa de acertar esses interesses como tentamos acertar os presentes que damos, baseados em interpretações e análises muitas vezes subjetivas e ponderadas pela forma como nós fomos submetidos à educação e não a forma como os estudantes buscam conhecimento nos dias de hoje.

O principal ativo dos produtos educacionais são os estudantes então a nossa principal oportunidade para aproximar os interesses dos estudantes nos produtos educacionais passam fortemente por entendê-los e adequar os produtos para sua necessidade e trazê-los para o processo de desenvolvimento dos produtos.

E entender os estudantes é estar disposto a encarar uma realidade já conhecida de que os produtos padronizados podem não gerar impacto de forma geral, tornando importante um processo de “segmentação” padronizada, no qual temos um esqueleto estrutural para os produtos, porém, com entregas específicas para cada área ou perfil de estudante. Aproximando os processos efetivos de personalização do ensino.

Mercado de trabalho

Por fim, temos o mercado de trabalho que passa por constantes transformações de forma exponencial como a última que estamos vivendo atualmente com o amplo acesso à inteligência artificial, e que muda constantemente suas necessidades quanto à mão de obra. Sem contar com as inúmeras novas profissões que ainda estão sendo compreendidas como tal para que se tornem possíveis temas de produtos educacionais.

Nesse cenário temos dois grandes desafios, o primeiro é desenvolver produtos educacionais que formem para essas novas necessidades enquanto, o segundo é identificar entre múltiplos stakeholders necessidades convergentes. Afinal não é por acaso que as graduações formam profissionais com conhecimento geral e que buscam nas especializações um aprofundamento dentro das áreas de interesse.

A questão principal é que as oportunidades de trabalho demandam dos estudantes conhecimentos mais aprofundados, entrando assim no conhecido dilema das empresas que “buscam jovens recém-formados com experiência”. Então como aproximar esses interesses? Listo algumas oportunidades a seguir:

• Pesquisar junto ao mercado de trabalho as fragilidades e oportunidades para qualificação dos profissionais e traduzi-las em competências e habilidades a serem desenvolvidas nos currículos.
• Através de parcerias aproximar os estudantes do mercado de trabalho durante a formação, seja através de laboratórios reais com parceiros, seja com uma formação simulada.
• Incorporar a participação de stakeholders no desenvolvimento dos currículos, principalmente stakeholders que inovem, liderem as mudanças de mercado e entendam o futuro do trabalho.
• Estarem preparados para constantes mudanças no planejamento para aumentar a possibilidade de acompanhar a velocidade com que o mercado de trabalho evolui.

É um bom desafio conectar esses múltiplos interesses em um produto educacional, mas com um consumidor cada vez mais exigente, mais antenado e com clareza sobre suas necessidades e um mercado de trabalho tecnológico e competitivo ao extremo, vejo que o caminho do equilíbrio dos interesses ou o atendimento dos interesses do consumidor seja um caminho sem volta para os produtos educacionais.

Afinal, em um jogo de perde e ganha com característica de “cabo de guerra”, se os interesses dos estudantes não forem atendidos, logo teremos jogos com menos participantes e IES sofrendo para manter suas estruturas pois certamente alguém atenderá essa demanda em algum lugar e com fácil acesso a todos.

Para finalizar, destaco novamente que o principal ativo das instituições e dos produtos educacionais são seus etudantes portanto, é tempo de valorizar e reconhecer seu papel no centro de desenvolvimento dos produtos e aceitarmos que seus interesses são diferentes dos interesses que tivemos a 10, 20, 30 ou mais anos atrás quando ingressamos no ensino superior.