Quando o assunto é novas tecnologias e metodologias de ensino, o nome de Peter Dourmashkin surge à mente de muitos. Referência de peso no setor, o professor sênior do Departamento de Física do MIT (Massachusetts Institute of Technology) acaba de elogiar o mais recente lançamento da série de livros Desafios da Educação.
A obra, Aprendizagem digital: curadoria, metodologias e ferramentas para o novo contexto educacional (Penso, 2021), é organizada por Daiana Garibaldi da Rocha, Marcos Andrei Ota e Gustavo Hoffmann.
O livro vem em um momento onde, devido o avanço da tecnologia, as possibilidades na área de educação se multiplicaram. O que pode causar certa desorientação aos educadores.
Nesse sentido, Aprendizagem digital ilumina o caminho de gestores de IES, docentes, curadores, designers instrucionais e tutores. O livro inclui 10 capítulos que exploram estratégias de aprendizagem ativa, de conteúdo digital e de habilidades de ensino. Escritos por profissionais com larga experiência no mercado, os artigos apresentam discussões e exemplos reais.
Segundo Dourmashkin, as ideias contidas no lançamento permitem que os educadores empreguem técnicas que garantam o “desenvolvimento de habilidades científicas, matemáticas e de engenharia” – tão necessárias para que a próxima geração tome decisões “fundamentais em um mundo complexo e em constante mudança”.
O livro recomendado por Dourmashkin está em pré-venda, embora já disponível no formato e-book.
Na quinta-feira, 27 de maio, dois dos organizadores – Rocha e Hoffmann – participarão do webinar Ensinando na sala de aula online: sobrevivendo e sendo eficaz no novo normal, evento que marca o lançamento do livro homônimo da editoria Penso – que é escrito por Doug Lemov, autor de “Aluno Nota 10”.
Para marcar o lançamento de Aprendizagem digital: curadoria, metodologias e ferramentas para o novo contexto educacional, o Desafios da Educação publica agora um trecho do primeiro capítulo.
Os impactos da transformação digital no contexto educacional brasileiro
Por Gustavo Hoffmann
NOSSO MODELO EDUCACIONAL TRADICIONAL ESTÁ FALIDO. Antes da pandemia da covid-19, o ensino superior brasileiro já vinha passando por importantes e necessários ajustes. Com a chegada da pandemia, este movimento foi brutalmente acelerado. Mas ainda prevalece hoje um modelo de ensino just in case, no qual os alunos são submetidos à oferta de conteúdos para que possam utilizá-los algum dia, se necessário. O problema desse modelo é que o aluno não é um repositório de conteúdo que pode ser acionado sempre que demandado.
Nesse modelo de ensino tradicional, no qual o professor faz o papel de “sábio no palco” e os alunos são agentes passivos do processo, um mesmo ritmo é imposto para todos, desrespeitando as individualidades inerentes ao processo de aprendizagem.
O modelo tradicional fixa o tempo que cada aluno tem para aprender e, de forma geral, não flexibiliza a aprendizagem. No ensino superior brasileiro e em boa parte do mundo, os cursos são divididos em semestres ou anos, que são divididos em disciplinas, cada uma com determinada carga horária. Se uma disciplina tem 80 horas, o aluno terá esse tempo para aprender o conteúdo. Alguns aprenderão uma boa parte, alguns quase nada e alguns fi carão próximos ao ponto de corte para aprovação estabelecido no projeto pedagógico de cada instituição. Geralmente, esse ponto de corte varia entre 60 e 70% de desempenho nas atividades avaliativas.
Ou seja, um aluno que tenha obtido 60% de desempenho em determinada disciplina é aprovado. Isso significa que um aluno que tenha deixado de aprender 40% do que está previsto em um conteúdo programático é aprovado. O tempo para a aprendizagem é rígido, mas o tanto que cada aluno aprende é flexível. A lógica parece estar invertida. A aprendizagem deveria ser garantida, e o tempo para que o aluno aprenda determinado conceito deveria ser flexibilizado, respeitando as individualidades inerentes ao processo.
No modelo expositivo, que hoje prevalece, seja ele presencial ou on-line, aluno e professor estão juntos, em um mesmo ambiente de aprendizagem (físico ou virtual), durante a fase instrucional do processo, que exige uma capacidade cognitiva relativamente baixa. Nessa fase, os alunos participam passivamente do processo, ouvindo, tomando notas e, eventualmente, fazendo perguntas.
Durante a lição de casa ou a realização de trabalhos ou projetos extraclasse, que têm um grau de complexidade maior, o professor não está presente para apoiar o aluno. O modelo tradicional estabelece uma relação inversa entre o grau de dificuldade cognitiva do trabalho do aluno e seu acesso ao suporte do professor. Em outras palavras, no modelo tradicional, os alunos estão fazendo o trabalho mais simples quando têm um apoio direto do professor e o trabalho mais difícil quando esse apoio não está disponível.
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Just in time e as metodologias ativas
Um modelo just in time parece fazer mais sentido, partindo não da oferta de conteúdo, mas de situações-problema, nas quais o conteúdo é utilizado como ferramenta para a solução desses problemas. Nesse ponto entram as metodologias ativas de aprendizagem, que quebram o modelo tradicional e propõem que o próprio aluno seja responsável pela busca e pela construção do conhecimento, por meio de atividades que o coloquem como centro desse processo, garantindo maior envolvimento e aprendizagem mais profunda e significativa. Além disso, o ensino just in time pressupõe que o aluno tenha o apoio direto do professor nos momentos de maior complexidade cognitiva.
Freeman et al. (2014) analisaram 225 estudos comparando o modelo tradicional de sala de aula, predominantemente expositivo, com o modelo que utiliza metodologias ativas de aprendizagem. Esses estudos tiveram como objeto cursos das áreas de ciência, tecnologia, engenharias e matemática. As variáveis comparadas foram taxa de reprovação e performance dos alunos tanto em provas quanto em testes padronizados. Os resultados de tal metanálise indicaram que as metodologias ativas funcionam melhor do que as aulas expositivas nas variáveis aprendizagem e taxa de reprovação. A performance dos alunos submetidos às metodologias ativas foi, em média, cerca de 6% superior à dos alunos submetidos a aulas expositivas.
Além disso, estes últimos parecem reprovar 1,5 vezes mais do que os alunos submetidos a metodologias ativas de aprendizagem (FREEMAN et al., 2014).
Um dos problemas mais relatados pelos professores em relação à aplicação das metodologias ativas de aprendizagem é a disponibilidade de tempo que têm em sala de aula ou nos momentos on-line síncronos para abarcar todo o conteúdo. Se dedicarem parte do tempo à aplicação das metodologias ativas de aprendizagem, menos tempo terão para expor o conteúdo em sala de aula ou no ensino remoto. Por mais que haja uma série de questionamentos em relação a essa postura adotada por boa parte dos professores, o argumento do tempo é inquestionável. Se uma disciplina tem determinada carga horária e o professor dedica mais tempo às metodologias ativas, é natural que tenha menos tempo para a aplicação de metodologias tradicionais, como a exposição de conteúdo. Com menos tempo de acesso ao conteúdo, é possível que os alunos não tenham embasamento teórico suficiente para aproveitarem ao máximo as metodologias mais construcionistas.
Uma das premissas para o êxito de qualquer metodologia ativa de aprendizagem é que o aluno tenha algum tempo para acessar o conteúdo previamente. Não há como resolver um problema, discutir um conceito, elaborar um projeto ou solucionar um caso se não houver um bom embasamento teórico para tal. Ou seja, acesso prévio a conceitos teóricos básicos é fundamental para o bom funcionamento de qualquer metodologia ativa de aprendizagem.
Isso pode ocorrer por meio de aulas expositivas tradicionais, que são culturalmente muito bem aceitas pelos alunos, ou então pelo acesso ao conteúdo disponibilizado em um ambiente virtual de aprendizagem (AVA) nos horários extraclasse, de forma assíncrona.
O problema de utilizar exclusivamente as aulas expositivas para o acesso ao conteúdo é exatamente o escasso tempo disponível para tal. Aí entra a tecnologia digital como uma boa alternativa para fechar a equação tempo versus metodologia versus conteúdo. A disponibilização de objetos de aprendizagem digitais permite que boa parte da fase instrucional do processo se dê de forma autônoma, sem necessariamente ter o suporte do professor em sala de aula ou no AVA. Assim, é possível cobrir todo o conteúdo teórico e dedicar mais tempo em sala de aula para a aplicação da teoria. Um dos problemas da adoção deste último modelo no Brasil (mais digital, menos expositivo) é que o aluno, com poucas exceções, não dispõe de muito tempo nos horários extraclasse para acessar o conteúdo previamente. Uma possível solução é utilizar a tecnologia digital para substituir parte da exposição de conteúdos, configurando, assim, um modelo híbrido de ensino.
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