Do programa de alfabetização em Angicos, no Rio Grande do Norte, à Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, passando pela Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e pelo Departamento de Educação do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) em Genebra, na Suíça, Paulo Reglus Neves Freire (1921-1997) é autor do terceiro livro mais citado no mundo, na área das ciências humanas.
Os 100 anos de seu nascimento, que serão celebrados em setembro, têm mobilizado pesquisadores a discutir um projeto intelectual em que a experiência com a educação de jovens e adultos serviu de base para a formulação do arcabouço conceitual.
Mais jovem de quatro irmãos, Freire nasceu no Recife, filho de uma dona de casa e um oficial da Polícia Militar de Pernambuco. A pedagoga Targélia Ferreira Bezerra de Souza Albuquerque, da Cátedra Paulo Freire da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), lembra que, durante a infância do educador, sua família vivia em boas condições econômicas, por conta da ajuda financeira que recebia de um parente.
Com a crise de 1929, a família teve de mudar-se para a cidade de Jaboatão dos Guararapes, onde vivenciou situações de pobreza e fome. Contudo, devido a uma bolsa de estudos, Freire conseguiu terminar a educação básica no Colégio Oswaldo Cruz, frequentado por uma parcela da elite recifense.
Em 1943, ao mesmo tempo que ingressou na Faculdade de Direito do Recife, recebeu um convite para lecionar na instituição em que realizou a educação básica. Graduado em 1947, confrontava “a expectativa de trabalhar como advogado” com a atividade de professor, conforme descreve o pedagogo Sérgio Haddad, da ONG Ação Educativa, no livro O educador – Um perfil de Paulo Freire (Todavia), publicado em 2019 como resultado de pesquisa iniciada dois anos antes. Duraria pouco na profissão.
Logo que começou a trabalhar em um escritório de advocacia, precisou cobrar a dívida de um dentista, contraída na aquisição de instrumentos de trabalho, conta Albuquerque, que também integra o Centro Paulo Freire de Estudos e Pesquisas da UFPE. “Freire percebeu que o consultório sustentava a vida daquele sujeito e desistiu da cobrança. Optou, então, por abandonar a carreira de advogado para se dedicar inteiramente à docência.”
No mesmo período, recebeu um convite para atuar na Divisão de Educação e Cultura do recém-criado Serviço Social da Indústria (Sesi), onde desenvolveu, com uma equipe de educadores, um projeto para conhecer a realidade de populações em extrema pobreza. “Com isso, Freire percebeu que essas pessoas precisavam ampliar sua leitura de mundo e de si mesmas, compreendendo situações de opressão”, comenta a pesquisadora da UFPE.
Paralelamente à atuação no Sesi, entre o final dos anos 1950 e o começo da década de 1960, Freire e a mulher, a professora Elza Maria Costa de Oliveira (1921-1986), com quem teve cinco filhos, frequentavam atividades de grupos cristãos, que desenvolviam projetos de emancipação popular com trabalhadores e adultos da periferia urbana.
Em 1959, defendeu uma tese como parte de concurso para ingresso como professor catedrático de filosofia da educação na então Universidade do Recife (atual UFPE). Não foi aprovado para o cargo, mas acabou sendo nomeado professor de história e filosofia da educação na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da instituição.
Com o título “Educação e atualidade brasileira”, sua tese sustentava a ideia de que o país vivia um momento ímpar, em que as massas tinham a oportunidade de integrar o movimento de desenvolvimento nacional. “Foi nesses anos de formação, entre o trabalho no Sesi, as atividades com organizações católicas e frequentando a Universidade do Recife, que Freire gestou as bases do seu pensamento pedagógico e filosófico”, considera Albuquerque.
O Brasil vivia experiências fracassadas em ações para reduzir o analfabetismo, sobretudo entre adultos. Dados do Ministério da Educação (MEC) indicam que 15,9 milhões de pessoas acima de 15 anos não sabiam ler e escrever na década de 1960, o que representava 39,6% da população. “Tradicionalmente, as campanhas de alfabetização de adultos do Brasil reproduziam o material elaborado para o público infantil. Freire trouxe a linguagem adulta para esse processo”, comenta Haddad.
O método desenvolvido pelo pernambucano conectava imagem e palavra, incorporando a experiência do aluno no processo de aprendizagem da leitura e escrita e priorizando temas do seu interesse. Entre o final da década de 1950 e o começo da de 1960, Freire e sua equipe do Sesi colocaram o método em prática, em projetos desenvolvidos em cidades do Rio Grande do Norte e da Paraíba.
No mesmo período, organizações católicas como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) também criaram campanhas de alfabetização e educação voltadas para as classes populares. “A forma como Freire organizou sua metodologia, aproximando-se da realidade e da linguagem dos adultos que queria alfabetizar, caiu como uma luva para diferentes organizações que, naquele momento, também estavam realizando trabalho educativo com populações vulneráveis”, comenta Haddad, ao citar a afinidade do educador com grupos ligados à teologia da libertação, corrente do catolicismo surgida na América Latina nos anos 1960 e que tem como premissa a opção preferencial pelos mais pobres.
A bióloga Juliana Rezende Torres, que integra o Grupo de Estudos Paulo Freire da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), explica que em suas empreitadas de alfabetização, ele considerava que os jovens e adultos já tinham uma leitura de mundo, mesmo sem saber ler e escrever. “Em todo processo de alfabetização, Freire defendia que a leitura da realidade vem antes da escrita da palavra”, afirma.
Dessa forma, identificava as palavras mais significativas para cada grupo, denominadas “palavras geradoras”, como tijolo ou parede, por exemplo, para operários da construção civil, e a partir delas desenvolvia o processo de alfabetização. “Ele elaborou uma concepção de educação libertadora que se contrapõe à concepção tradicional de educação, em que o professor é visto como detentor do conhecimento e o aluno como um ser em que as informações devem ser depositadas”, explica.
Partindo das experiências pioneiras, em 1963, Freire construiu, em parceria com a equipe da Universidade do Recife, um projeto para alfabetizar, no prazo de 40 horas, 300 trabalhadores rurais em Angicos, em uma ação articulada entre o governo do estado e o Serviço de Extensão Cultural da instituição.
“A iniciativa pretendeu não apenas ensinar a ler e escrever, mas também fazer com que as pessoas conhecessem seus direitos como cidadãs, além de desenvolver uma visão crítica de mundo”, conta Albuquerque. Segundo Haddad, todos os alunos inscritos concluíram o curso sabendo escrever seus próprios nomes.
A pedagoga Marcela Gajardo, da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso), no Chile, menciona avaliações críticas ao seu método de alfabetização. “Alguns pesquisadores sustentam, com razão, que o método servia mais para instruir a votar do que para ensinar a ler e escrever. Nessa época, na maioria dos países latino-americanos, era necessário estar alfabetizado para ter direito a voto”, recorda Gajardo.
Por sua vez, o historiador Flávio Henrique Albert Brayner, professor titular aposentado da UFPE, enxerga ambiguidade nos projetos de alfabetização de adultos que se apoiam no método de Freire. “Inicialmente as palavras geradoras não contêm um significado crítico às comunidades.
A metodologia criada por Freire é que prevê a atribuição desse sentido a elas. Empenhados em libertar os oprimidos, o pedagogo, sua equipe e profissionais que trabalham com ela também acabam, de alguma forma, exercendo um papel de autoridade. Por isso, afirmo que por trás da pedagogia da libertação se oculta uma vontade de poder.”
Brayner avalia que Freire dialoga com uma questão formulada nos anos 1920 por intelectuais modernistas como Mário de Andrade (1893-1945), relacionada com a busca da genuína identidade brasileira. “Essa procura esteve no cerne da história intelectual do país até meados dos anos 1950, quando se sustentava a ideia de que a criação de um projeto nacional deveria incluir o povo e não somente as elites”, detalha. Segundo o historiador, Freire herda essas discussões, ao propor, a partir de sua prática pedagógica, um projeto de desenvolvimento de nação que contasse com a presença das classes populares.
Com reflexão similar, o antropólogo Eduardo Dullo, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), destaca que o objetivo de Freire era atrelar o letramento à possibilidade de transformar as mentalidades das comunidades alfabetizadas. “Sua proposta resulta de um diagnóstico da situação brasileira daquele momento, quando se pensava que o povo não tinha disposição mental adequada para agir na vida pública em um contexto democrático”, comenta, ao justificar a ênfase da metodologia de Freire no desenvolvimento de visões críticas e noções de cidadania, para além da questão do letramento.
Apesar de reconhecer a importância desse esforço, Dullo também aponta a relação de autoridade existente entre Freire e sua equipe e as comunidades alfabetizadas. “A ideia era que os alunos aprendessem a ler e adquirissem autonomia para pensar sua realidade, mas isso acontecia por meio de uma relação vertical entre aluno e professor no plano dos conceitos políticos. É uma tensão que não se resolve”, reflete.
Dullo avalia que a proposta de pesquisar previamente as comunidades que serão alfabetizadas, para identificar as palavras geradoras, dialoga com as leituras que o pedagogo fez do antropólogo polonês Bronislaw Malinowski (1884-1942). “Porém, na antropologia, buscamos aprender com a visão de mundo de determinada população e mudar nossa maneira de pensar, diferentemente das experiências de alfabetização desenvolvidas por Freire, em que o objetivo final era transformar aquelas subjetividades”, compara Dullo.
Durante a pesquisa de doutorado, concluído em 2013 no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Dullo se apoiou na trajetória do pedagogo para discutir mudanças ocorridas na sociedade brasileira a partir de 1920.
Em 1964, como parte do Programa Nacional de Alfabetização (PNA), Freire foi convidado por Paulo de Tarso Santos (1926-2019), então ministro da Educação e Cultura, a ampliar seu projeto de alfabetização para todo o país.
A meta inicial era alfabetizar 5 milhões de pessoas. No entanto, com o golpe militar naquele mesmo ano e a consequente extinção do PNA, o educador teve de deixar o país. Exilou-se primeiro na Bolívia e depois no Chile, onde permaneceu até 1969.
Aluna de Freire e parceira em diferentes projetos, Gajardo, da Flacso, conta que quando ele chegou ao Chile, em novembro de 1964, além da reforma agrária, o governo iniciava a transformação de seu sistema educacional, com a adoção de políticas para educar jovens e adultos.
Freire começou a trabalhar no Instituto de Desenvolvimento Agropecuário (Indap), vinculado ao Ministério da Agricultura, em um projeto que pretendia ensinar pequenos proprietários rurais a ler e escrever, além de noções básicas de cálculos matemáticos. “Leitura e cálculo eram conhecimentos fundamentais para que os campesinos desenvolvessem novas formas de produção e convivência. Freire, então, adaptou sua proposta metodológica para a realidade chilena”, relata Gajardo, que em 2019 publicou livro para analisar a trajetória do pedagogo no país.
Em sua avaliação, naquele momento, a partir do contato com teorias de pensadores marxistas, o pedagogo transitou de sua proposta inicial, de alfabetizar jovens e adultos e incentivar a elaboração de uma visão crítica da realidade, para outra, orientando seu projeto educativo para fomentar o desenvolvimento de formações políticas, como federações de estudantes, institutos de estudos populares voltados à educação não formal de trabalhadores e estratégias de capacitação e investigação sobre a reforma agrária.
“Em 1966, eu era dirigente do movimento estudantil na Universidade Católica do Chile. Entrei em contato com as ideias de Freire durante a busca por metodologias que permitissem melhorar a educação de populações urbanas marginais”, conta, lembrando da intensa participação dele em conferências públicas e seminários organizados em diferentes partes do país.
Freire passou então a colaborar com a federação de estudantes do Chile, além de se tornar orientador de mestrado de Gajardo. Em 1967, ele foi convidado a assumir o cargo de consultor internacional, por meio de um contrato estabelecido com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em um instituto chileno que formulava estratégias de capacitação, como parte das ações previstas na reforma agrária.
O trabalho durou até o ano seguinte, quando a Unesco comunicou que a parceria seria interrompida. Segundo Gajardo, o cancelamento representou um golpe para ele, que já tinha feito muitos amigos e estava bem instalado com a família no país. “O contrato não foi renovado porque o governo chileno considerou que a aplicação de seu método de alfabetização ocasionou um processo de radicalização entre setores do campesinato e populações urbanas marginalizadas”, conta, ao lembrar que o educador relata esse acontecimento no livro Pedagogia da esperança (Paz e Terra, 1992).
Apesar da empreitada frustrada, a experiência chilena foi responsável por internacionalizar o pensamento de Freire, na visão de Gajardo. É dessa época o livro Pedagogia do oprimido, publicado primeiramente nos Estados Unidos em 1970, sob o título Pedagogy of the Oppressed, pela editora Herder and Herder.
Em 1968, Freire recebeu um convite para trabalhar como professor visitante na Universidade Harvard, onde permaneceu por um ano e pôde colocar suas ideias em circulação entre acadêmicos interessados em inovar e experimentar novas práticas no campo da pedagogia. “No decorrer de sua trajetória, ele encontrou contextos favoráveis para o desenvolvimento de seu pensamento pedagógico e filosófico, que nasceu da experiência como alfabetizador”, afirma Gajardo.
Em 1970, Freire foi para o Departamento de Educação do CMI em Genebra, na Suíça. A partir de 1975, trabalhou em Guiné-Bissau e em Cabo Verde, recém-saídos do regime colonial português, em projetos que buscavam resgatar tradições africanas e formular programas de alfabetização e escolarização. Apesar de fomentar a busca por autonomia dessas nações, Maurilane de Souza Biccas, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP), explica que Freire recebeu críticas pelo fato de ter desenvolvido projetos de alfabetização em português, a língua do colonizador, e não em idiomas locais.
Em 1980, depois de 16 anos no exílio, o pernambucano regressou ao Brasil. Em 1989, na gestão de Luiza Erundina, assumiu a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. “Freire conseguiu realizar um projeto que o permitiu ir além da aplicação de um método de alfabetização, inserindo as diretrizes de seu pensamento pedagógico na formulação da política de educação do município”, comenta o biólogo Antonio Fernando Gouvêa da Silva, da UFSCar, que pesquisa a obra do educador há mais de 20 anos e também integra o Grupo de Estudos Paulo Freire da instituição.
Assim, diretrizes como a descentralização do processo de ensino-aprendizagem, a abertura para o diálogo entre professores e a comunidade escolar e a valorização da cultura do aluno pautaram a sua gestão e a elaboração do Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (Mova), criado por ele para combater o analfabetismo entre jovens e adultos em todo o município.
Em sua biografia de Freire, publicada em 2019 pela editora Vestígio, o filósofo Walter Omar Kohan, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), observa que embora ele não seja um filósofo, sua obra costuma ser objeto de estudos de pesquisadores da área da filosofia da educação, na medida em que propõe reflexões sobre processos educativos e métodos didáticos.
No livro, Kohan escreve que estudos no Brasil e no exterior “procuram identificar a filosofia de Paulo Freire, entendendo por tal os pressupostos filosóficos que situam suas ideias a partir de sua inscrição em determinada corrente de pensamento”.
Nesse sentido, estudiosos identificam diferentes influências em sua formulação teórica, incluindo o marxismo, a teologia da libertação, o existencialismo e a pedagogia crítica. “Uma questão central em seu percurso intelectual envolve a ideia de que a educação é um ato político”, pontua Kohan, ao se referir às iniciativas de alfabetização, que são inseparáveis da ideia de formar cidadãos.
O linguista aplicado Wagner Rodrigues Silva, da Universidade Federal do Tocantins (UFT), campus de Palmas, chama a atenção para a amplitude do conceito de alfabetização de Freire, que envolve desde a compreensão do sistema da língua até questões sociais atravessadas pelo uso da linguagem.
Nesse sentido, ele lembra que, atualmente, tanto o que se convencionou denominar método de Freire quanto outros mais tradicionais, que privilegiavam a memorização de sílabas ou famílias silábicas, são utilizados em práticas de alfabetização de adultos e crianças. “Os professores precisam ter autonomia para escolher e combinar as metodologias conforme o perfil de seus alunos, mas isso demanda uma formação linguística consistente, o que nem sempre acontece nas licenciaturas em pedagogia”, sustenta.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018, o Brasil registrava 11,3 milhões de pessoas que não sabiam ler nem escrever com 15 anos ou mais, o que representava 6,8% da população.
Ao recordar que Freire recebeu mais de 40 títulos de doutor honoris causa, o sociólogo e cientista político da educação Carlos Alberto Torres, da Escola de Educação e Estudos da Informação (Gseis) e diretor do Instituto Paulo Freire da Universidade da Califórnia em Los Angeles (Ucla), afirma que ele é considerado, nos Estados Unidos, fundador do campo da pedagogia crítica, corrente de pensamento que enxerga a educação como um elemento de formação intelectual e moral, mas também de transformação social.
Próximo de Freire nos anos finais de sua vida, o sociólogo lembra de ter ouvido que ele gostaria de ter escrito um quinto capítulo em Pedagogia do oprimido, com reflexões sobre o conceito de ecopedagogia, que prevê o desenvolvimento de um modelo educacional preocupado com o desenvolvimento sustentável do planeta.
Traduzida para mais de 45 idiomas e com 40 edições em inglês, Torres considera Pedagogia do oprimido sua obra mais importante. “É o terceiro livro mais citado no mundo em pesquisas nas ciências sociais e o mais mencionado no campo da pedagogia”, informa, referindo-se às conclusões de levantamento realizado pela London School of Economics, em 2016, a partir de análises do Google Scholar.
Com seus mais de 30 livros publicados e traduzidos para cerca de 50 idiomas, Freire foi objeto de 3 mil teses e dissertações no Brasil até 2017. A despeito da grandiosidade dos números, Biccas, da FE-USP, diz que ainda há aspectos pouco explorados de sua vida e obra, entre eles a vigilância realizada pela ditadura militar (1964-1985) nos anos em que o autor viveu no exílio.
“Há uma ampla correspondência relativa a esse período nos arquivos do Departamento de Ordem Política e Social [Dops], salvaguardados no Arquivo Público do Estado de São Paulo, que merece ser melhor analisada”, considera.
Além disso, o Instituto Paulo Freire, que fica em São Paulo e abriga o espólio do pedagogo, detém fontes que podem embasar novas pesquisas, como aulas gravadas em áudio e a biblioteca pessoal do pedagogo.
“Há muito material disperso sobre Freire, que deveria ser organizado e catalogado em um memorial”, defende Biccas, coordenadora das atividades do Ano 100 com Paulo Freire, que acontece este ano na FE-USP e envolve a realização de aulas, ciclos de debates, oficinas e um seminário internacional.
Por fim, ao analisar a recepção histórica das ideias de Freire, Brayner, da UFPE, sustenta que houve um processo de institucionalização de seu pensamento, que fez com que ele “perdesse seu impulso original de subversão”.
Isso porque o projeto de educação popular para adultos analfabetos do campo se transformou, atualmente, em disciplina universitária, ou seja, em um saber organizado e normatizado. “Com isso, hoje nas universidades não se produz educação popular a partir do percurso intelectual de Freire, mas sim um discurso sobre educação popular. Quando as ideias do pedagogo se institucionalizam, dificultam que seu legado seja olhado de forma crítica”, finaliza.
Reportagem de Christina Queiroz, originalmente publicada na Revista Pesquisa Fapesp.
Comments