Desde 2018, a abertura de novos cursos de Medicina, bem como a ampliação de vagas na área, estava suspensa no Brasil. A medida tinha como objetivo controlar a qualidade da formação dos profissionais da área. Porém, na prática, uma enxurrada de pedidos judiciais acabou burlando a regra.
Na época da proibição, o Ministério da Educação (MEC) levou em conta os dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), do Ministério da Saúde e do monitoramento 2016-2019 do Plano Plurianual (PPA) do governo federal, que indicavam que o Brasil havia atingindo a meta estipulada de criação de 11 mil vagas/alunos em cursos de graduação em Medicina por ano.
“O que aconteceu de 2018 pra cá? Foi o período em que mais se criou vagas de Medicina no Brasil. Saímos praticamente de 109 mil vagas das (faculdades) privadas para 158 mil. Foi um aumento de quase 50 mil vagas. E temos 225 processos judiciais para serem definidos”, disse recentemente o ministro da Educação, Camilo Santana.
O processo para abrir um curso na área
Antes de 2014, para abrir um curso de Medicina, era necessário apenas entrar com um protocolo no site e-MEC e cumprir os requisitos da pasta.
Porém, desde a lei do Mais Médicos, em 2013, a concessão para a abertura de novos cursos ficou condicionada ao sistema de chamamento público.
Ou seja, o governo anunciava em quais cidades deveriam ser abertas as novas vagas, de acordo com a necessidade de profissionais na região e a estrutura local. Assim, a instituição interessada teria condições mais objetivas na aprovação do processo, mas precisaria direcionar parte do seu faturamento para melhorias na rede pública de saúde do município, entre outras medidas.
Entendendo a polêmica
O argumento de que a proliferação de cursos é inversamente proporcional à qualidade ofertada está em dois pontos principais: a qualidade do corpo docente e a disponibilidade de infraestrutura própria e também do Sistema Único de Saúde (SUS), para receber os estudantes.
Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, Raul Cutait, professor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), afirmou que não existem no Brasil profissionais qualificados ou titulados em número suficiente para lecionar em tantas faculdades, em especial nas áreas clínicas. E, segundo ele, esse não é o único problema.
“Faltam centros de treinamento apropriados para o ensino à beira dos leitos, uma vez que hospitais do SUS em geral não têm dinâmica, estrutura e vocação para receber estudantes, nem seus médicos têm obrigatoriamente o pendor e competência para ensinar”, avalia.
A consequência do aumento de escolas médicas ou mesmo de novas vagas sem a estrutura necessária acarretará, conforme Cutait, em um número cada vez maior de erros médicos.
Do outro lado está a demanda por um mercado bilionário: segundo dados do Mapa do Ensino Superior, Medicina é o quinto curso mais procurado na rede privada de ensino. Apenas em 2021, a fomação atraiu 158.017 estudantes.
De acordo com um cálculo divulgado pelo site Poder 360, a vaga em um curso de Medicina é avaliada em R$ 2 milhões. O preço médio da mensalidade é de R$ 8.722. Para se ter uma ideia, o faturamento médio dessa graduação cresceu 78% entre 2012 e 2017 (um ano antes da proibição), enquanto os demais cursos superiores aumentaram em 30% a receita.
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Nova norma
Em 5 de abril de 2023 o Ministério da Educação (MEC) publicou a portaria Nº 650, que retoma a possibilidade da abertura de novas escola médicas no País, após o hiato fracassado da medida de 2018.
Contudo, a autorização será precedida de chamamento público, ou seja, novamente para áreas consideradas prioritárias pelo governo. Nesse sentido, as propostas devem adotar as modalidades necessidade social ou de estrutura de serviços conexos à saúde e à formação médica.
Em ambas, os processos de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos utilizarão os instrumentos de avaliação definidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Basicamente, a portaria determina que todas as instituições de ensino privadas sejam obrigadas a seguir as novas regras que, em essência, são as exigências do Mais Médicos que foram aperfeiçoadas em alguns pontos, explicou o site da Associação Médica Brasileira.
Judicialização da questão
Desde 2018, mais de 200 processos chegaram ao MEC, buscando a abertura ou ampliação de vagas mesmo com a proibição.
Em reportagem do G1 o diretor-presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Celso Niskier, defende que impedir a abertura de novos cursos é uma medida extrema e que favorece uma reserva de mercado.
Para Niskier, retomar o processo tradicional de abertura de cursos não impede que o programa Mais Médicos também seja aplicado para estimular a interiorização das faculdades.
“A Justiça é o último recurso das mantenedoras que defendem a livre iniciativa, e que não conseguem ter seus projetos analisados pelo MEC. Com o protocolo reaberto, esse problema acabará”, diz o representante da ABMES.
Vale lembrar que os cursos que conseguem a liminar para funcionar correm o risco de terem a decisão revogada na Justiça, prejudicando os estudantes.
“Um aluno que fez três anos de faculdade pode perder tudo. Existem possibilidades jurídicas de questionar isso, inclusive pedir ao MEC que ele seja remanejado para outra instituição de ensino, mas seria uma novidade do ponto de vista jurídico”, afirma a advogada especialista em Direito Educacional Alynne Nayara Ferreira Nunes, em entrevista a GZH.
O impasse foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Gilmar Mendes deve decidir em breve se os pedidos de abertura de cursos de Medicina continuarão sendo feitos por meio de editais do programa Mais Médicos, diretamente com o MEC ou se ambos os sistemas podem operar de forma simultânea.
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